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Bastidores do Conclave: a proibição de comunicações, o alojamento e a agenda até à votação do Papa

Raquel Lito
Raquel Lito 04 de maio de 2025 às 10:00
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São 133 cardeais a votarem (e também elegíveis). Até sair fumo branco do Vaticano, têm de viver dias de clausura: são afastados dos telemóveis, da rádio e da TV. Descansam em suítes e fazem refeições equilibradas. Há quatro portugueses no processo, revestido de secretismo e formalidades.

Começa a contagem decrescente para escolha do próximo Papa (o 267.º), na Capela Sistina da cidade-Estado do Vaticano. Numa palavra: conclave (deriva do latim cum clavis, quer dizer fechado à chave). Até 7 de maio (próxima quarta-feira), data em que se iniciam as operações de votação, os 133 cardeais eleitores de 71 países – entre eles quatro portugueses, lá iremos – têm a agenda preenchida pelas Congregações Gerais, ou seja, reuniões matinais em que refletem sobre o futuro da Igreja e da evangelização. É também a fase em que cardeais eleitores (com menos de 80 anos) e não eleitores se conhecem. E pode ser determinante, conforme recordou o Papa Francisco na sua aubiografia, já que foi nessa altura que apresentou as suas posições progressistas. 

EPA

Neste período prévio, os cardeais estão espalhados por vários alojamentos em Roma, entre colégios pontifícios e casas religiosas. Por exemplo, os de Portugal ficam no colégio Português, os do Brasil no Pio Colégio Brasileiro, os que moram na capital italiana estão em suas casas. Chegada a data de conclave, vem a clausura na Casa da Santa Marta, onde vivia o Papa Francisco (1936-2025). Formalidades e isolamento são os mandamentos que se seguem. A SÁBADO revela-lhe o que acontece neste ritual revestido de secretismo, através de vários especialistas e livros consultados. 

Proibição de telemóveis e acesso à net

É proibido o uso de telemóveis e de qualquer dispositivo eletrónico ou meio técnico para gravar vozes e imagens. Isto para evitar fugas de informação e interferências no voto. Os telemóveis dos cardeais eleitores são guardados num local seguro. Também estão impedidos de "receber a imprensa diária e periódica de qualquer tipo, assim como ouvir programas radiofónicos ou ver transmissões televisivas", lê-se em Cónclave – Las Reglas para Elegir al Próximo Papa (as regras para eleger o próximo Papa), de Javier Martínez-Brocal (jornalista) e José de Jesús Aguilar (sacerdote).

O livro lançado em março passado, com as normas atualizadas, refere ainda que as proibições se aplicam ao acesso "a conteúdos da Internet", à troca de "correspondência epistolar" e telefonemas. Só por razões "gravíssimas e urgentes", comprovadas pela Congregação, é que os cardeais são autorizados a comunicar com o exterior. 

Capela Sistina anti-comunicações 

O local sagrado da votação, a Capela Sistina, está ainda mais blindado dada a solenidade do ato. Pedro Gil (consultor de comunicação da Igreja, sub-diretor do gabinete de imprensa da Opus Dei) explica que o espaço conta com bloqueadores de sinal (jammers) para assegurar total isolamento dos presentes.

Suítes da Casa de Santa Marta  

Instalados na Casa de Santa Marta, os cardeais descansam em 130 suites – espaços despojados, mas confortáveis. Numa área mais reservada fica o apartamento, destinado ao cardeal eleito Papa. Pode servir de alojamento temporário ao Sumo Pontífice (até mudar-se para o palácio do Vaticano) ou permanente (como aconteceu com o Papa Francisco, que optou por viver ali). "[O apartamento] apela a uma certa humildade e austeridade, em linha com o espírito vivido naquele momento", explica Paulo Mendes Pinto, especialista em História das Religiões da Universidade Lusófona. 

Refeições simples

À mesa, nada de excessos. As refeições querem-se simples, de modo a promoverem "a concentração e sobriedade", diz o consultor Pedro Gil. 

Critérios de escolha

Não é que haja um caderno de encargos assumido, mas ele existe de forma velada. Ou seja, há características dos intervenientes que são valorizadas. Paulo Mendes Pinto, professor, enumera-as: "Depois do pontificado longuíssimo de João Paulo II, os cardeais têm relutância em eleger um cardeal que seja bastante novo. O percurso de gabinete pode ser preterido ao de liderança pastoral – por exemplo, uma carreira mais próxima dos fiéis, a dirigir paróquias e bispados."

A questão é saber se "a Igreja quer seguir a via das reformas iniciadas pelo Papa Francisco ou não." Havendo um grupo de cardeais mais conservadores e outro de adeptos fervorosos do último líder máximo da Igreja, o especialista considera que "a votação irá ser decidida através dos que estão no meio termo." 

Candidatos portugueses

Entre os cardeais eleitores há quatro portugueses, todos estreantes num conclave. Nunca houve tantos numa eleição. São eles: Manuel Clemente (76 anos, ex-patriarca de Lisboa), António Marto (77 anos, bispo emérito de Fátima), José Tolentino Mendonça (59 anos, prefeito do Dicastério para a Educação e Cultura) e Américo Aguiar (51 anos, bispo de Setúbal e presidiu à fundação JMJ Lisboa 2023). 

Contudo, Paulo Fontes (professor na Faculdade de Teologia da Universidade Católica) considera pouco provável que o vencedor seja português. "No espaço global do mundo e da Igreja, Portugal faz pontes, mas numa posição semiperiférica." Pelo seu palpite, poderá ser alguém de outra uma periferia geográfica, de que não estamos à espera, ou alguém mais idoso "capaz de assegurar uma linha de continuidade, numa perspetiva de transição." E conclui: "Quem for eleito, sê-lo-á com um programa discutido e esboçado pelo conjunto dos cardeais. A votação será o resultado de um jogo de equilíbrios, sempre estabelecido e amadurecido num clima de espiritualidade cristã."

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