Os governos devem instituir burocracias de inovação, constelações de organizações públicas que criam, fazem, financiam, intermedeiam e regulam inovação, suportando a estabilidade ágil do Estado empreendedor.
“Sempre temos
duas tarefas a fazer ao mesmo tempo. Por um lado, tentamos o tempo todo saltar
para o próximo nível, para promover o estado digital. Mas esse avanço deve ser
acompanhado da garantia do que já temos. Não podemos simplesmente dar saltos de
inovação. Mas também não podemos nos concentrar apenas em manter o básico em
ordem, mesmo que os recursos sejam escassos porque as pessoas esperam por
mudanças. Precisamos lidar com dois desafios ao mesmo tempo.”
Neste artigo, como prometido no
anterior, escrevo sobre o conceito de “estagilidade” (tradução minha de “stagility”)
na burocracia. A burocracia, aqui entendida, representa o setor público (grosso
modo, Estado, administrações e empresas públicas) e respetivos meios de
garantia de direitos e deveres dos atores de todos os setores, incluindo os
setores privado e social.
A tese do livro é simples: a
inovação depende de burocracias fortes, estáveis e capacitadas. Estados
verdadeiramente empreendedores são aqueles que conseguem, em simultâneo,
desencadear inovação (e a riqueza associada) e manter estabilidade
sociopolítica. E não é de agora. As sociedades industriais, pós-industriais e
inovadoras não nasceram de Estados reduzidos, “leves” ou mínimos, nem eficientes.
Nasceram de burocracias robustas, profissionalizadas, estrategicamente ancoradas,
com capacidade de combinar capacidades de longo-prazo (regras, rotinas, infraestruturas,
profissionalização, previsibilidade) com capacidades dinâmicas (experimentação,
adaptação rápida, resposta a crises), ou seja, da “estabilidade ágil”.
Teoricamente, a obra inscreve-se
nos modelos de Estado Neoweberiano (para saber mais, ver o meu livro aqui)
?
arquitetado pelos eminentes Christopher Pollitt e Geert Bouckaert e trabalhado pelo
académico alemão Wolfgang Drechsler ?, e do Estado Empreendedor, formulado
por Mariana Mazzucato (University College London, UCL), fundadora do Instituto
de Inovação e Propósito Público, da UCL.
Numa palavra, o Estado Neoweberiano
representa um modelo híbrido compreendendo a burocracia weberiana (que sustenta
que a mudança ou inovação oscila entre a autoridade carismática e a
racional-legal, entre redes carismáticas, que conferem dinamismo e agilidade, e
organizações de especialistas, que garantem legalidade, estabilidade,
previsibilidade) e a administração “prestativa” e “participativa”, focada ou
serviço público focado no cidadão e no envolvimento destes na conceção e
prestação de serviços públicos, numa missão comum. Cresceu desde o início do
século XX como alternativa europeia ao modelo Nova Gestão Pública (NGP, saber
mais, idem, aqui)
e referencial de modernização sem perda da capacidade do Estado.
No domínio das políticas de
inovação, as agências neoweberianas trabalham com capacidades, metas e marcos de
longo prazo (por exemplo, metas climáticas com foco em 2050), sendo
instrumentos alinhados com regulações e políticas “inovadoras” e societais,
assentes na lógica de “missão”. As missões destas agências devem ser de tripla
ordem: voltadas para o investimento, focadas na conformação (normativa) de
mercado e na mudança ou transformação de sistemas, com vista a mudar de
paradigma: do “crescimento” (NGP) para o da “sustentabilidade”, da eficiência
das políticas públicas (NGP) para a formação de mercados e parcerias para uma
causa comum, das soluções tecnológicas (NGP) para a resolução de problemas
complexos e superação de desafios socioeconómicos.
Daí a integração e enfase, na sua
gestão e funcionamento interno, em métodos e ferramentas analíticas novas e
digitais, como, por exemplo, design estratégico, economia da complexidade, ciência
de dados e de previsão, laboratórios de políticas, experimentação e pensamento
crítico.
O modelo de Estado Empreendedor,
enraizado na filosofia económica keynesiana (o Estado deve intervir ativamente
para estabilizar, transformar e sustentar a economia e sociedade, pois, os
mercados não se autoequilibram de forma fiável) e schumpeteriana (a inovação é
o motor de transformações estruturais, distinguindo estados empreendedores de estados
rentistas), defende que o Estado cria e molda mercados, assume riscos e
investimentos empreendedores e lidera missões e transformações de inovação, não
o reduzindo a um interventor regulador, distribuidor e reparador das falhas de
mercado.
O marco deste modelo é a obra “O Estado
Empreendedor-
Desmistificando os mitos sobre o setor público versus o setor privado”, da
própria Mariana, publicado em 2001, pela Penguin Press. Uma obra que deveria
ser lida por todos os amantes da tecnologia e inovação, pois, assaz
desmistifica os setores público e privado. Por exemplo, ela demonstra
empiricamente que grandes inovações (como a internet, GPS, écrans táteis, smartphones,
biotecnologia, energias limpas, assistentes virtuais como o SIRI, etc.) não
teriam sido possíveis sem a maciça intervenção, liderança e investimento – de
risco - do Estado e seus cientistas e especialistas.
Resumindo, e voltando ao livro de
Rattel, Drechsler e Karo e conceito de estabilidade ágil, estes exploram
5 argumentos principais:
1) Não existe dilema entre estabilidade e agilidade, é uma falsa dicotomia,
o que importa é, antes, a combinação entre ambas.
2) Agilidade sem estabilidade destrói capacidades, como demonstraram
as reformas e políticas sob o jugo do modelo NGP.
3) O objeto de análise e ação política/pública não é a criação ou
reforma de um organismo isolado, mas a constelação institucional de
organizações públicas tendentes à área de missão em comum. Importa mais “como
organizar” do que “o que fazer”.
4) A história da inovação pública é a história da estabilidade ágil,
desde a Revolução Industrial e, sobretudo, do pós-Segunda Guerra Mundial, à
atualidade.
5) O sucesso das burocracias depende da “estabilidade ágil”, ou seja,
no equilíbrio entre capacidades de longo prazo e capacidades dinâmicas
reticulares e presentes.
Segundo os autores, a pandemia
COVID-19 mostrou que a estabilidade ágil deveria fazer parte do “DNA” de todas
as organizações públicas. As capacidades de longo prazo (coordenação de
parcerias público-privadas em grande escala, infraestruturas, pessoal, sistemas
digitais) são simultaneamente os blocos de construção de respostas ágeis a
crises e de inovações políticas ousadas. Além disso, demonstrou que a
estabilidade ágil pode ser uma questão de vida ou morte.
A tríade de autores apresenta,
ainda, neste domínio dois novos termos ou conceitos críticos: “missão mística”
(mission mystique) e “hackeamento burocrático” (bureaucracy hacking).
O primeiro consiste na crença partilhada e robusta na missão da organização,
que reforça compromisso interno e legitimação externa das burocracias de
inovação. O segundo consiste em estratégias (ora externas, ora internas) que
exploram, contornam ou reconfiguram regras e rotinas burocráticas para permitir
que novas funções e inovações emerjam e, posteriormente, sejam rotinizadas nas
estruturas existentes.
Concluindo, o mantra da tese do
livro de Rattel, Drechsler e Karo é claro, embora contraintuitivo: a inovação
exige capacidade burocrática, não a sua eliminação. E para ser capaz, a
burocracia tem de ser simultaneamente estável e ágil. Uma burocracia criativa.
Os governos devem instituir
burocracias de inovação, constelações de organizações públicas que criam,
fazem, financiam, intermedeiam e regulam inovação, suportando a estabilidade
ágil do Estado empreendedor.
E as crises são oportunidades de redesenho
institucional. Como a Covid-19 mostrou, onde havia capacidades de longo prazo,
foi possível respostas mais ágeis; onde estas estavam erodidas ou desmanteladas,
as respostas falharam.
Para políticos e decisores, a
lição parece ser, também, clara: estabilidade e agilidade, resiliência e
inovação, caminham juntas e devem ser incorporadas na arquitetura das
burocracias, ou seja, nas reformas e gestão de governos e administradores, para
assim estarem preparadas para a próxima, e certa, grande crise.
A estagilidade ou a estabilidade
ágil tem, pois, o potencial de contribuir, tanto no setor privado quanto no
setor público, para a abertura e aliança de todos os atores juntarem esforços
nas suas áreas de domínio (governos, entidades públicas, academias, empresas) e
criarem espaços e infraestruturas de diálogo e parceria para projetos, respostas
e eventos comuns.
Em Portugal, são ainda poucos,
avulsos ou desconhecidos os casos da sobredita união, valoração e criação de
valor público (bem comum) sob a estagilidade, o que pode constituir razão de
atraso cultural, profissional, económico-social e ético do país, para não falar
do risco de promoção do preconceito individual, radicalismo grupal e particularismo
e opacidade institucional.
A burocracia está, e bem, na
ordem do dia e carece, sem dúvida, de ser reformada, mas sem preconceito,
radicalismo e particularismo. Caso contrário, a reforma mais urgente, e difícil,
do país é a dos próprios reformadores.
Por que a inovação, e o país, precisa de burocracia
Os governos devem instituir burocracias de inovação, constelações de organizações públicas que criam, fazem, financiam, intermedeiam e regulam inovação, suportando a estabilidade ágil do Estado empreendedor.
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