Sábado – Pense por si

Eurico Reis
Eurico Reis Juiz Desembargador Jubilado
14 de dezembro de 2025 às 08:24

Chuvas intensas vão cair (Parte III)

Depois do canalha Musk ter tido o descaramento de declarar que a empatia é uma das fraquezas fundamentais da civilização europeia, eis que a Administração Trump se atreve a proclamar que as actividades da UE minam a liberdade política e a soberania dos povos.

Já há muito tempo que os governos do EUA consideram que os seus interesses estratégicos na área do planeta designada por Ásia-Pacífico são muito mais relevantes do que o eixo atlântico do Mundo.

E isso aconteceu ainda durante a governação de administrações do Partido Democrático e muito particularmente no tempo das duas Administrações presididas por Barack Obama.

A novidade trazida pelo actual governo de Donald Trump é que, desta vez, os republicanos MAGA, depois de terem destruído completamente a Ordem Mundial consagrada pelos Acordos de Bretton Woods de julho de 1944, não têm qualquer problema em demonstrar, de forma muito pública e muito clara, o seu total desprezo pelos países europeus e pelos valores fundamentais da sua cultura e pelo modo de vida europeu, que é muito distinto do chamado “american way of life”, expressão que, para além de constituir um completo abuso de linguagem, já que, como nunca me cansarei de afirmar, sem contar com os países da América Central e da América do Sul, só na América do Norte existem três países, corresponde, na verdade, a um muito mitificado e bem pouco real modo de vida dos estado-unidenses.

Depois do canalha Elon Musk ter tido o descaramento de declarar que a empatia é uma das fraquezas fundamentais da civilização europeia, eis que agora, no documento que define a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, a Administração Trump se atreve a proclamar que as actividades da União Europeia e de outros organismos transnacionais minam a liberdade política e a soberania dos povos e promovem a censura da liberdade de expressão e a supressão da oposição política.

E, claro, em linha com a ideologia política xenófoba, racista, intolerante e supremacista dos actuais dirigentes republicanos e a consequente prática concreta dos mesmos, lá vem a ladainha de que as políticas migratórias seguidas na Europa estão a transformar o continente e a criar conflitos conducentes à perda das identidades nacionais e a crises de auto-confiança, o que, segundo esses iluminados, tornará o continente irreconhecível em 20 anos ou menos.

Trata-se, uma vez mais, da defesa da chamada “teoria da substituição”.

E, perante toda esta insultuosa desconsideração, com a honrosa excepção da Noruega, que, e muito bem, passou recentemente a classificar os Estados Unidos como uma potencial ameaça à sua segurança interna, as lideranças europeias continuaram a manifestar a sua invertebrada e pífia subserviência perante os rufias instalados no outro lado do Oceano Atlântico.

E, o que não pode ser esquecido, a Noruega é um dos países fundadores da NATO/OTAN.

Muito sinceramente, não consigo perceber este rastejar miserável e bajulador das lideranças europeias, quando Trump e os seus apaniguados não disfarçam – e bem pelo contrário, afirmam-no despudoradamente - o seu objectivo de ver destruída a União Europeia e os outros “organismos transnacionais” e de instalar nos governos dos diversos países do continente os “patriotas” defensores dos “interesses nacionais” de cada um desses isolados e divididos Estados.

Isolados, divididos e impotentes e totalmente irrelevantes países europeus, clarifico.

Mas será que não é possível eliminar esta cegueira já não suicidária, mas sim suicida dos dirigentes da União Europeia e dos seus Estados Membros?

Será que é assim tão difícil perceber que os tais “patriotas defensores dos interesses nacionais” de cada um dos países europeus individualmente considerados não são mais do que os mais acérrimos defensores dos interesses dos grupos sociais dominantes dos EUA?

Essa gente que tem um ódio profundo e indisfarçável aos valores humanistas que constituem o núcleo fundamental da civilização ocidental e da cultura milenar que lhe está subjacente, não tem, de facto, a mínima ideia ou noção do que são os verdadeiros interesses nacionais dos povos europeus, sendo, isso sim, autênticos traidores vendidos a interesses estrangeiros.

Aliás, chamar-lhes traidores (e traidoras) até é muito pouco, porque, o que tem de ser devidamente clarificado e amplamente difundido por todas as vias comunicacionais disponíveis, esses falsos patriotas não têm um pingo de respeito pelo real passado histórico do país.

E insisto muito intensamente no uso destas palavras (“suicidária” e “suicida”) porque a eclosão de uma guerra global tornou-se, infelizmente e de um modo muito preocupante, uma possibilidade muito séria, aumentando, a cada dia que passa, a probabilidade de concretização de uma tal tragédia, cujas consequências serão sempre terríveis.

E, neste actual contexto, que faz o governo português?

Pois, como soí dizer-se, pela calada da noite, vai continuando a comprar material de guerra fabricado nos EUA, fugindo como o diabo da cruz de um qualquer debate acerca destas matérias fundamentais para o futuro do país e dos portugueses e das portuguesas.

E, pior do que isso, na senda das estratégias defendidas pelo fascista estado-unidense Steve Bannon vai inundando a agenda política com uma verdadeira avalanche de iniciativas políticas que nada têm a ver (nada de nada, repito) com os reais interesses do país e com a resolução dos concretos problemas que avassalam os portugueses e as portuguesas, iniciativas essas que, contudo, pela sua profunda gravidade e intensa danosidade para esses interesses e necessidades populares, têm de ser vigorosamente combatidas.

E estão a sê-lo, mas sem que, ao mesmo tempo, estejam a ser debatidas as questões de política internacional que irão moldar, de forma indelével o futuro dos habitantes do planeta.

O que é perigoso.

E a circunstância de o país estar mergulhado numa campanha eleitoral para escolha de um novo Presidente da República não pode nem deve servir de obstáculo à discussão desses cruciais problemas.

Ou será que já esqueceram (ou porventura nunca souberam, sem que a ignorância os desonere da muito estrita obrigação de tal conhecer) que o Presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas e que, nos termos da alínea c) do artigo 135º da Constituição da república Portuguesa, é a ele (ou ela) que compete “declarar a guerra em caso de agressão efetiva ou iminente e fazer a paz”?

Mais crónicas do autor
14 de dezembro de 2025 às 08:24

Chuvas intensas vão cair (Parte III)

Depois do canalha Musk ter tido o descaramento de declarar que a empatia é uma das fraquezas fundamentais da civilização europeia, eis que a Administração Trump se atreve a proclamar que as actividades da UE minam a liberdade política e a soberania dos povos.

07 de dezembro de 2025 às 08:00

Chuvas intensas vão cair (Parte II)

30 de novembro de 2025 às 10:48

Chuvas intensas vão cair (parte I)

Infelizmente existe um risco real de que não apenas a Democracia, o Estado de Direito e os direitos humanos poderão vir a desaparecer da face da Terra, como também que o mesmo aconteça com a Vida Humana.

16 de novembro de 2025 às 08:11

Eu sou um dos derrotados do 25 de novembro. E não tenho vergonha disso (Parte I)

António Ramalho Eanes, general e Presidente da República, com a sua assinalável sabedoria e enorme bom-senso, disse que essa é uma data que deve ser assinalada e recordada, mas não comemorada.

Mostrar mais crónicas
Ventos de Oeste

Chuvas intensas vão cair (Parte III)

Depois do canalha Musk ter tido o descaramento de declarar que a empatia é uma das fraquezas fundamentais da civilização europeia, eis que a Administração Trump se atreve a proclamar que as actividades da UE minam a liberdade política e a soberania dos povos.