Nas quase sete horas de audição a Christine Ourmières-Widener houve várias revelações: o secretário de Estado que não se importava de prejudicar 200 pessoas para agradar a Marcelo, a reunião bizarra entre a gestora e os socialistas, o despacho de fachada no pico da crise ou o "pitch" feito à TAP pelo marido de Christine. Ninguém saiu ileso.
"Um bode expiatório é o que me sinto nesta batalha política", afirmou mais do que uma vez Christine Ourmières-Widener, a ainda presidente da TAP que o Governo despediu após o escândalo público causado pela indemnização paga a Alexandra Reis.
A audição de quase sete horas, que terminou perto da meia-noite, trouxe a esperada defesa da gestora francesa: a tese de que tudo o que fez no despedimento polémico foi em equipa com o governo e os advogados. Mas trouxe mais, sobretudo nas inquirições pelos deputados: de pressões políticas de um secretário de Estado ansioso por agradar ao Presidente da República a "despachos-fachada", passando por relações demasiado próximas da gestora com o PS e pelos milhões pagos a Fernando Pinto.
ANTÓNIO COTRIM/LUSA
A reunião com o PS e os assessores do Governo
No dia 18 de janeiro deste ano, Ourmières-Widener foi ouvida numa audição parlamentar a propósito da indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis noticiada pelo Correio da Manhã. Um dia antes de ser escrutinada, contudo, a presidente executiva da TAP reuniu-se com os deputados do PS e com vários elementos do Governo, revelou Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal.
"A reunião… é difícil ajuizá-la. Na minha cabeça era algo que tinha de fazer, por isso não fiz juízos de valor", explicou Ourmières-Widener perante a pergunta do deputado liberal sobre se era "ético" reunir com o PS e o Governo em preparação do escrutínio parlamentar.
A gestora consultou a agenda duas vezes para responder e, à segunda, confirmou que na reunião estava um longo cortejo de figuras "júnior" do Governo – uma adjunta da ministra Ana Catarina Mendes, o chefe de gabinete de João Galamba e outros assessores.
Na audição do dia 18 de janeiro, a gestora nunca respondeu de forma clara à pergunta sobre se Alexandra Reis se demitira ou fora demitida, um dos pontos centrais na avaliação formal feita pela Inspeção-Geral de Finanças, que ainda decorria nessa altura.
A Presidente da TAP negou que tivesse sido preparada pelos socialistas antes da audição parlamentar, limitando-se a dizer que respondeu a perguntas sobre o processo de despedimento – algo estranho já que no Governo, pelo menos uma pessoa estava ao corrente desse processo: Hugo Santos Mendes, o então secretário de Estado das Infraestruturas.
O "despacho fachada"
Santos Mendes, que perdeu o lugar na sequência do caso Alexandra Reis, foi um dos nomes mais referidos durante a audição de ontem. Quando o escândalo acabara de rebentar, os ministérios das Infraestruturas e das Finanças emitiram um despacho conjunto para comprar tempo, exigindo esclarecimentos à administração da TAP sobre o montante pago a Alexandra Reis e sobre o respetivo "enquadramento jurídico".
Só que na equipa que trabalhou do lado da TAP para dar as respostas estava um membro do mesmo Governo que emitira o despacho – mais concretamente, do mesmo ministério, o das Infraestruturas. Quem? O secretário de Estado Hugo Santos Mendes.
"Como viu na apresentação, o secretário de Estado estava a par do processo e é por isso que estava envolvido" no trabalho de esclarecer o Governo, afirmou Ourmières-Widener. "O ministro [que fez o despacho, Pedro Nuno Santos] podia ter olhado para o lado e feito as perguntas", contrapôs o deputado Bernardo Blanco, que classificou o despacho como de "fachada". "O que sei é que estávamos a trabalhar em conjunto", disse Ourmières-Widener. Fora Hugo Santos Mendes, afinal, que fixara em 500 mil euros o máximo a pagar a Alexandra Reis, confirmou a presidente executiva da TAP.
Hugo Santos Mendes pressionou para favor a Marcelo
O malogrado secretário de Estado entrou de novo no enredo da audição quando, durante a inquirição da IL, veio à baila um email em que se pedia à Presidente da TAP para alterar à última hora a data de um voo da comitiva de Marcelo Rebelo de Sousa, algo que teria impacto "em 200 passageiros" (estimou a gestora). Confrontada com o pedido, Ourmières-Widener dirigiu-se por email ao secretário de Estado, pedindo orientações, dizendo na missiva que a sua reação espontânea era um "não". Hugo Santos Mendes pensava de outra forma.
"Percebo que seja um incómodo para ti, mas não podemos perder o apoio político do Presidente da República", respondeu por escrito o Secretário de Estado. Numa demonstração não filtrada de como no Governo se encara a relação com Marcelo Rebelo de Sousa, Hugo Santos Mendes explicou o seu desejo à gestora estrangeira. "Se o seu humor muda, tudo está perdido. Uma frase sua contra a TAP/o governo e o resto do país fica contra nós", escreveu. É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo", juntou.
A gestora ainda contrapôs que "se isto viesse a público não seria bom para ninguém". O favor acabou por não ser feito, depois de Ourmières-Widener ter confirmado que o pedido não tinha sido feito diretamente pela Presidência da República (não detalhou por quem fora feito). "Não estou surpreendida que o Presidente não peça para alterar um voo, que teria impacto em 200 pessoas", afirmou, numa farpa indireta a Santos Mendes.
Medina disse que despedir Christine era "única via possível face à pressão política"
Ao longo da audição percebeu-se que Christine Ourmières-Widener chegou a ter uma relação "boa" (palavras da gestora) com o ministro das Finanças, Fernando Medina, mas que isso chegou ao fim com o caso Alexandra Reis.
O ministro terá admitido que a gestora estava a fazer um trabalho meritório na TAP, mas que a "pressão política" sobre o Governo com o caso da indemnização deixava como "única via possível" a demissão. O relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) foi usado como o argumento formal para realizar essa demissão.
Ourmières-Widener disse que na reunião feita na véspera dessa conferência de imprensa, Medina apontou que ponderasse a demissão como uma "boa ideia" para preservar a sua "reputação" – a gestora não aceitou por considerar que "não tinha feito nada de errado". Ourmières-Widener contou que ficou "devastada" com o despedimento por justa causa anunciado em direto pelos ministros Medina e Galamba na conferência de imprensa.
O despedimento é ilegal, diz a CEO – e a nomeação?
O Governo invocou os argumentos formais apontados na auditoria da IGF para despedir a presidente da TAP – na audição, contudo, o deputado Bruno Dias, do PCP, pôs em causa a validade da própria nomeação de Christine Ourmières-Widener. A razão tem a ver com a não assinatura de contratos de gestão passados três meses da indicação do nome da presidente da companhia, apontou o deputado citando o Estatuto do Gestor Público.
Ourmières-Widener reconheceu que um consulto externo identificou o problema, mas que o alerta feito pela administração da TAP ao Governo não teve resposta. Sobre o incumprimento do Estatuto do Gestor Público, a gestora foi admitindo o seu desconhecimento, justificando-o com o facto de ser estrangeira e não "especialista" na matéria. Esta argumentação foi usada, também, para justificar a forma de indemnizar Alexandra Reis – uma decisão amparada pelos serviços jurídicos externos e pelo Governo – que a IGF considera ter sido irregular.
Mais de 1,5 milhões para Fernando Pinto (e os bónus)
O tema dos 500 mil euros pagos a Alexandra Reis motivou uma tempestade política e esta comissão de inquérito, mas na audição de Ourmières-Widener ficou confirmado que a indemnização reflete o cenário remuneratório no topo da TAP.
Fernando Pinto, que deixou de ser presidente executivo da TAP em 2018, foi contratado como consultor por 1,6 milhões de euros, cerca de 67 mil euros mensais – em 2017 e 2018 recebera 685 mil euros em bónus. A revelação foi feita na inquirição liderada pela deputada Mariana Mortágua.
A parlamentar do Bloco deu outros exemplos: 4 milhões de euros cobrados à TAP por serviços prestados pela Atlantic Gateway, acionista de referência da própria TAP. Antes, já o deputado comunista Bruno Dias tinha revelado outros números relativos a bónus, incluindo 350 mil euros para Maximilian Otto Urbahn, o administrador que saiu com uma pré-reforma de 1,5 milhões de euros (que a TAP considera agora ser ilegal).
O "pitch" do marido da CEO da TAP
A primeira inquirição, feita pelo deputado do Chega! Filipe Melo, trouxe outra revelação: a Zamma Technologies, empresa que tinha como diretor comercial o marido de Christine Ourmières-Widener, fez uma apresentação na TAP para tentar um contrato com a companhia.
Solicitando à gestora que consultasse os artigos sobre conflitos de interesses no Estatuto do Gestor Público, o deputado perguntou várias vezes se não foi pela oposição à adjudicação do contrato à Zamma que teriam começado os problemas entre Ourmières-Widener e Alexandra Reis.
A presidente da TAP repetiu várias vezes a mesma fórmula para responder: houve uma "apresentação" (a data nunca foi referida), mas não chegou a haver contrato. "No fim, a TAP decidiu-se por outra solução, portanto o assunto foi encerrado", apontou, negando que os problemas com Alexandra Reis tivessem começado aí.
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui ,
para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana. Boas leituras!
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.
Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.