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Hugo Mendes: o secretário de Estado que queria prejudicar 200 pessoas para agradar a Marcelo

Marco Alves
Marco Alves 10 de abril de 2023 às 17:23
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Foi o braço direito de Pedro Nuno Santos, assinou o famoso despacho que resolveria a questão do aeroporto de Lisboa e nove meses depois viu-se obrigado a sair do Governo. Hugo Mendes volta a estar no epicentro das trapalhadas da TAP.

Desde que se licenciou em Sociologia em 1999, no ISCTE,Hugo Mendes, que tem agora 46 anos, conseguiu nas duas décadas seguintes uma extraordinária acumulação de funçõesna política, na docência e na discência.

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Começou precisamente no Governo, em setembro de 2006, como assessor no gabinete da atual reitora do ISCTE, Maria de Lurdes Rodrigues, quando esta era ministra da Educação, e para exercer funções "na sua área de especialização". Saiu em 2009 para assessor no gabinete do secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, José Almeida Ribeiro. 

Por pouco tempo. Alguns meses depois foi para assessor do grupo parlamentar Partido Socialista, na Assembleia da República. Desempenhou funções com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República, estando afeto à Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública até 2015.

Ao mesmo tempo que Hugo Mendes fazia este percurso na política, já desde 2009, frequentou e/ou concluiu vários graduações. Segundo o seu currículo oficial, é "mestre em Políticas Públicas, em 2019, pelo ISCTE-IUL, com uma dissertação sobre política fiscal em Portugal".

Antes disso, tem "frequência do doutoramento em Sociologia em Warwick (Reino Unido)", doutoramento "em Ciência Política no ISCTE-IUL", e pós-graduação "em Comunicação e Marketing Político pelo ISCSP e em Análise de Dados em Ciências Sociais pelo ISCTE-IUL". Frequentou ainda "a pós-graduação em Direito Fiscal do IDEFF."

No despacho de nomeação de 2015, vinha ainda referido que teve "participação em vários projetos de investigação científica com ligação ao ISCTE, Instituto de Ciências Sociais da Universidade Lisboa e CESNOVA - Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa nas áreas de sociologia da saúde, sociologia da ciência e da inovação, sociologia da comunicação, e sociologia da educação, sociologia do trabalho, sociologia das desigualdades e do Estado Social." No currículo do Governo, mais atual, tem ainda "funções de docência em pós-graduações no IPPS-IUL e na Nova SBE". 

A 1 de dezembro de 2015, Pedro Nuno Santos chamou-o para trabalhar consigo na secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares. Por essa altura, o seu despacho de nomeação continha um currículo mais detalhado do que o consta atualmente na pasta do Governo. Sobre a sua licenciatura no ISCTE diz, por exemplo, que teve "média de 18 valores (com atribuição do prémio do melhor aluno do ano)". A dissertação de licenciatura foi "realizada na área da sociologia da ciência, concluída com a nota de 19 valores em outubro de 1999 (com atribuição do prémio da melhor dissertação do ano)."

Em 2019, Pedro Nuno Santos, já ministro das Infraestruturas, chamou-o para seu assessor. Depois, mais um degrau, o ministro promoveu o seu chefe de gabinete a secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, em 2020, e depois, em 2022, secretário de Estado das Infraestruturas.

Foi nessa qualidade que em junho de 2022 o portuense assinou o famoso despacho que resolveria a questão do aeroporto de Lisboa, não fosse o caso de António Costa o ter revogado apenas um dia depois, originando uma crise política no Governo. Seguiram-se nove meses de polémicas que culminaram com a queda do governante.

A 29 de dezembro de 2022 saía um comunicado do Ministério das Infraestruturas e da Habitação em que dava conta de que Hugo Santos Mendes havia apresentado um pedido de demissão no "seguimento das explicações dadas pela TAP" sobre a saída de Alexandra Reis - que terá recebido uma indemnização de meio milhão de euros por sair antecipadamente, em fevereiro, do cargo de administradora executiva da transportadora aérea, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos.

"No seguimento das explicações dadas pela TAP, que levaram o ministro das Infraestruturas e da Habitação e o ministro das Finanças a enviar o processo à consideração da CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] e da IGF [Inspeção-Geral de Finanças], o secretário de Estado das Infraestruturas [Hugo Santos Mendes] entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão", esclareceu em nota de imprensa.

Agora, na passada terça-feira, na comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, o deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco confrontouChristine Ourmières-Widener com uma troca de emails com o então secretário de Estado das Infraestruturas sobre uma eventual mudança de data de um vooque tinha como passageiro Marcelo Rebelo de Sousa.

Hugo Santos Mendes pedia à Presidente da TAP para alterar à última hora a data de um voo da comitiva de Marcelo Rebelo de Sousa, algo que teria impacto "em 200 passageiros" (estimou a gestora). Confrontada com o pedido, Ourmières-Widener dirigiu-se por email ao secretário de Estado, pedindo orientações, dizendo na missiva que a sua reação espontânea era um "não". Hugo Santos Mendes pensava de outra forma.

"Percebo que seja um incómodo para ti, mas não podemos perder o apoio político do Presidente da República", respondeu por escrito o Secretário de Estado. Numa demonstração não filtrada de como no Governo se encara a relação com Marcelo Rebelo de Sousa, Hugo Santos Mendes explicou o seu desejo à gestora estrangeira. "Se o seu humor muda, tudo está perdido. Uma frase sua contra a TAP/o governo e o resto do país fica contra nós", escreveu. É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo", juntou.

A gestora ainda contrapôs que "se isto viesse a público não seria bom para ninguém". O favor acabou por não ser feito, depois de Ourmières-Widener ter confirmado que o pedido não tinha sido feito diretamente pela Presidência da República (não detalhou por quem fora feito). "Não estou surpreendida que o Presidente não peça para alterar um voo, que teria impacto em 200 pessoas", afirmou, numa farpa indireta a Santos Mendes.

O primeiro-ministro pronunciou-se, esta segunda-feira, sobre o caso que considerou "gravíssimo" e afirmou que, caso soubesse, teria obrigado à sua demissão na hora.

"É gravíssimo do ponto de vista da relação institucional com o Presidente da República e inadmissível no relacionamento que o Governo deve manter com as empresas públicas", afirmou emdeclarações à agência Lusa.

Já Marcelo Rebelo de Sousa esclareceu que nunca aPresidência da República fez contactos no sentido de mudar a hora do seu voo.

"Só um político muito estúpido sacrificaria 200 pessoas para partir um dia mais cedo ou mais tarde", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas. "Nunca me passou pela cabeça essa ideia que seria estúpida e egoísta." O Presidente da República apontou duas razões: a primeira, que mudar a hora de um voo por pouco tempo prejudicaria 200 pessoas com bilhetes comprados, e a segunda, que a Presidência da República não fez quaisquer contactos nesse sentido.

Com Bruno Faria Lopes e Marcia Sobral

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