Conhece Putin há 40 anos e foi companheiro do presidente russo no KGB. Agora lidera os espiões do Kremlin mas, durante uma reunião do Conselho de Segurança da Rússia, levou uma reprimenda por ter sugerido a anexação dos territórios da Ucrânia que a Rússia reconhece como independentes.
A reunião do Conselho de Segurança da Rússia na segunda-feira, que antecedeu a assinatura de decretos que reconhecem a independência das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk, ficou marcada por uma reprimenda de Vladimir Putin ao diretor do Serviço de Inteligência Russo (SVR), Sergei Naryshkin.
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Putin e Naryshkin
O chefe da principal agência de espiões russos pareceu fugir do "guião" da reunião, sugerindo ideias contrárias às que o presidente russo e o Kremlin têm partilhado nas últimas semanas. Naryshkin sugeriu que as duas repúblicas da região de Donbass façam parte da Rússia, levando a uma repreensão de Putin para que este "falasse claramente".
Putin rapidamente descartou as intenções do dirigente dos serviços de inteligência, deixando claro que a discussão se tratava apenas da independência destas regiões, e não da sua anexação.
Antes da "gaffe", Naryshkin tinha apontado que as acusações de que a Rússia pretende atacar a Ucrânia são propaganda do Ocidente "cozinhada" pelo Departamento do Estado norte-americano, avisando Putin de que estas tinham como objetivo provocar a Ucrânia a tomar ações militares.
Toda a reunião, transmitida em direto para a televisão estatal russa e para redes sociais, foi marcada pela tensão aparente dos intervenientes e por uma ressalva feita pelo próprio Putin a meio do encontro, considerando a reunião uma "troca de opiniões". "Todos sabem e quero esclarecer. Não discuti nada disto com vocês antes. Não vos perguntei a vossa opinião antes sobre este assunto. Isto está a acontecer espontaneamente, porque queria ouvir as vossas opiniões sem qualquer preparação preliminar", disse.
Sergey Naryshkin: Com a recomendação de Nikolai Platonovich [secretário do Conselho de Segurança da Rússia], sugiro que devemos dar aos nossos parceiros do Ocidente uma última oportunidade. De, o mais brevemente possível, forçar Kiev a escolher a paz e a implementar os acordos de Minsk. No pior caso possível, teremos de tomar a decisão que estamos a discutir hoje.
Vladimir Putin: O que isso significa? "No pior caso possível". Está a sugerir que iniciemos negociações?"
Naryshkin: Uh.. Não, eu…
Putin: Ou a reconhecer a soberania?
Naryshkin: Ah, eu…
Putin: Fale. Fale claramente.
Naryshkin: Eu… eu vou apoiar a proposta de reconhecimento…
Putin: "Eu vou apoiar? ou "eu apoio"? Fale claramente, Sergey!
Naryshkin: Eu apoio a proposta.
Putin: Então diga-o assim. Sim ou não.
Naryshkin: Sim. Eu apoio a proposta de entrada das repúblicas de Donetsk e Lugansk na Federação Russa.
Putin: Não estamos a falar sobre isso. Não estamos a discutir isso. Estamos a discutir o reconhecimento da independência ou não.
Naryshkin: Sim. Eu apoio a proposta de reconhecer a independência.
O companheiro de Putin no KGB que compara a Ucrânia à Alemanha Nazi
Naryshkin é um velho amigo de Vladimir Putin. Conheceram-se há cerca de 40 anos em Leningrado, nos corredores da sede regional do KGB, o principal serviço de inteligência da União Soviética, numa altura em que o presidente russo era agente e o agora chefe da inteligência no Kremlin se tinha acabado de formar numa das academias do KGB, em Moscovo. "Ele já estava a trabalhar lá e foi lá que nos conhecemos", disse Sergey numa entrevista em 2018.
Em comum, Sergey e Vladimir têm o trauma de terem perdido membros da família devido à Segunda Guerra Mundial e o facto de terem crescido à margem de partidos políticos, subindo na carreira através do KGB. Dentro do serviço de inteligência soviético, escolheram caminhos diferentes: Putin formou-se em direito; Naryshkin em engenharia mecânica. No Instituto tinham os nomes-código de Platov e Naumov, respetivamente. Putin aprendeu alemão, Naryshkin alemão.
Dentro do KGB, Sergey assumiu um papel mais preponderante, tendo recebido uma missão como diplomata em Bruxelas, a casa da NATO e da União Europeia, um ponto estratégico de espionagem entre o Ocidente e a União Soviética. Durante o dia, era um funcionário da embaixada da Rússia na Bélgica. De noite recrutava espiões para roubarem segredos dos países da Europa para Moscovo.
Tal como Putin, Naryshkin deixou o serviço de inteligência russo após o fim da União Soviética em 1991 e abraçou um trabalho no governo municipal de São Petersburgo, tornando-se também um investidor. De 1996 a 2004, fez parte da administração da filial russa da gigante do tabaco Philip Morris. Nesse ano, que marcou o início do segundo mandato de Putin como presidente da Rússia, deixou São Petersburgo e ocupou a posição de chefe de gabinete de assuntos económicos. Meses depois já tinha sido promovido, para ministro, e em 2007 tornou-se vice-primeiro-ministro de Putin.
"Fale claramente": Quem é Sergei Naryshkin, o chefe da inteligência russa que Putin repreendeu?
Quando Medvedev se tornou presidente, trocando com Putin o cargo de primeiro-ministro, Sergey assumiu o cargo de gabinete no Kremlin, com o objetivo de "meter um olho" em Medvedev por Putin, escreveu na altura o Financial Times.
Os esforços de Naryshkin foram reconhecidos e, três anos depois, foi candidato pelo Rússia Unida nas eleições ao parlamento de 2011, tornando-se depois presidente da Duma, a câmara baixa legislativa, mesmo não tendo qualquer experiência parlamentar, ocupando o cargo até 2016.
Nesse ano, Putin optou por não o colocar nas listas para uma possível reeleição e nomeou-o chefe da inteligência russa, colocando-o de volta entre espiões. O agora chefe da SVR tem sido conhecido pelas suas duras posições sobre a Ucrânia, território que tem comparado à Alemanha Nazi que ocupou parte da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Evocando a memória de Pavel Fitin, o homem que liderou o serviço de inteligência soviético e que tentou avisar Estaline para o perigo de uma invasão dos nazis à União Soviética sem sucesso, Naryshkin tem feito propaganda para causar alarme entre russos de que o perigo de uma nova invasão é iminente.
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O Estado português falha. Os sucessivos governos do país, falham (ainda) mais, numa constante abstração e desnorte, alicerçados em estratégias de efeito superficial, improvisando sem planear.
A chave ainda funcionava perfeitamente. Entraram na cozinha onde tinham tomado milhares de pequenos-almoços, onde tinham discutido problemas dos filhos, onde tinham planeado férias que já pareciam de outras vidas.