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Por agora, o futuro não conta. O efeito político imediato de um acordo entre Trump e Putin é o que importa.
Compromissos retumbantes ou discórdia espaventosa não seriam de esperar de uma cimeira convocada com uma agenda em aberto para seis horas de conversações.
É de crer que cautela e calculismo tenham permitido a Vladimir Putin jogar a seu favor com a inconstância de Donald Trump e obviar a um fiasco da cimeira que prejudicaria acima de tudo a Rússia.
A avaliação que a partir de agora se possa fazer da cimeira tem de levar em conta que extrema cortesia e consideração, sem sinal de subserviência, convinham a Putin.
Tal atitude seria imprescindível para Putin enredar Trump numa negociação entre iguais sobre princípios genéricos que não exasperasse um parceiro notoriamente susceptível e muito dado a declarações precipitadas e intempestivas.
Para a viagem a Anchorage o líder russo tinha um objectivo essencial: evitar novas sanções norte-americanas a troco de manifestar a intenção de aceitar um cessar-fogo a curto prazo e futuras conversações de paz com a Ucrânia.
Seria de excluir, portanto, da parte do líder russo um cenário de confronto e de demonstração de força numa conjuntura em que o favorece o crescente afastamento entre Washington e os aliados da NATO.
Afastada a ameaça de mais sanções financeiras e comerciais ficariam, em primeiro lugar, salvaguardadas as vendas de petróleo que representam ? do orçamento de Moscovo e uma imensa valia diplomática por cimentarem, também, uma convergência de interesses da Rússia com os dois principais compradores, a Índia e a China.
Abertura do mercado russo a exportações norte-americanas, expectativas de investimentos conjuntos na exploração de matérias-primas, passavam, assim, à agenda de futuras conversações entre Moscovo e Washington.
A declaração de intenção de Putin em aceitar um cessar-fogo, que Volodomir Zelenskii nunca poderia recusar, seria a forma de suspender a curto prazo das hostilidades e permitir a abertura de conversações directas entre a Rússia e a Ucrânia sobre um acordo de paz, graças à mediação de Trump.
Tanto bastaria para Trump proclamar o êxito da cimeira, podendo, ademais, informar que Washington e Moscovo irão abrir negociações sobre a revisão ou prorrogação do Tratado de Redução e Limitação de Armas Estratégicas Ofensivas em vigor desde 2011 e que expira em Fevereiro do próximo ano.
Quando, mais tarde, se vier a ouvir falar de entendimentos confidenciais sobre cedências territoriais da Ucrânia, limitações ao fornecimento de armamento norte-americano a Kiiv, garantias russas de contenção ante previsíveis violações de cessar-fogo ou de transferências de tecnologia de mísseis para a Coreia do Norte, será já num contexto em que o acordo russo-norte-americano prevalecerá por si próprio.
Objecções e exigências de Kiiv ou de aliados europeus – do retorno de crianças raptadas a reparações de guerra – não poderão ser obstáculo a uma nova fase nas relações bilaterais entre duas superpotências, ainda que condicionada a progressos num processo de paz na Ucrânia.
Acresce que nem Londres, Paris, Berlim ou Varsóvia podem opor-se ao congelamento da linha da frente que conviria, no imediato, a Kiiv para evitar mais avanços russos no Donbass, obviar a maiores perdas em Kherson e Zaporijjia e aliviar a pressão dos bombardeamentos aéreos.
É certo que a Rússia beneficiaria, por sua vez, de maior margem de manobra no Mar Negro e livrar-se-ia, igualmente, dos danos que a Ucrânia inflige no seu território.
Vislumbra-se, por fim, uma discussão sobre a situação de jure dos territórios ocupados a arrastar-se indefinidamente o que apresenta um imenso óbice para a Ucrânia; a linha de cessar-fogo tenderá a transformar-se numa linha de facto de demarcação fronteiriça.
Por agora, o futuro não conta.
O efeito político imediato de um acordo entre Trump e Putin é o que importa.
Assim se entrará numa sequência de compromissos de curto prazo em que só Putin tem a ganhar no fito estratégico de anexar parte da Ucrânia e submeter politicamente e neutralizar militarmente o segundo maior país europeu.
Muito provavelmente é assim que se terá de começar a pesar as consequências imediatas e as repercussões a mais longo prazo da cimeira no Alasca.
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"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".