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Todas as violações de direitos humanos do país que vai acolher o mundial do futebol

Lusa 18 de novembro de 2022 às 18:38
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A dois dias do início do campeonato, o desrespeito pelos direitos humanos é uma questão tão ou mais importante do que os próprios jogos nos serviços de notícias de toda a Europa.

Exploração dos trabalhadores que construíram as infraestruturas para o Mundial de Futebol, discriminação das mulheres e pessoas LGBT e falta de liberdade de imprensa são algumas das acusações feitas ao Qatar pelas principais organizações de defesa de direitos humanos.

REUTERS/Fabrizio Bensch

A dois dias do início do campeonato, o desrespeito pelos direitos humanos é uma questão tão ou mais importante do que os próprios jogos nos serviços de notícias de toda a Europa.

Na segunda-feira, um dia depois do início do evento, os eurodeputados vão fazer um balanço da situação dos direitos humanos no Qatar, embora os abusos sejam amplamente denunciados, há meses, por organizações como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional. Eis as principais acusações dirigidas ao emirado:

Os abusos e mortes de trabalhadores migrantes

As mortes de milhares de trabalhadores migrantes na última década, a maioria dos quais ligados ao Campeonato do Mundo, permanecem inexplicáveis e sem investigação. Segundo a Amnistia Internacional, pelo menos centenas dessas mortes deveram-se ao trabalho em situações de calor extremo.

As condições de trabalho dos migrantes naquele país são, há muito, criticadas, já que incluem horários semelhantes a trabalho forçado, falta de folgas, salários reduzidos arbitrariamente e passaportes confiscados.

Os migrantes que vão trabalhar para o Qatar são também sujeitos a taxas de recrutamento que custam entre 1.000 e 3.000 euros, o que significa que muitos ficam meses ou anos a pagar essa dívida.

Apesar de o Qatar ter feito algumas reformas na legislação laboral, a Amnistia Internacional documentou vários casos em que empregadores lhes cancelaram vistos e os denunciaram por fuga quando quiseram mudar de emprego. Além disso, está também longe de estar concluída a questão das compensações aos que sofreram de abusos.

"O trabalho de proteger os trabalhadores migrantes da exploração está a meio, enquanto o de compensar aqueles que sofreram abusos mal começou (...) Apesar do enorme e crescente apoio a favor de compensações aos trabalhadores migrantes dado por adeptos, associações de futebol e patrocinadores, o Qatar e a FIFA ainda não concordaram em fazê-lo (...) a FIFA falhou em impor condições fortes para proteger os trabalhadores e se tornou um facilitador complacente para os abusos generalizados sofridos", afirmou o diretor da Amnistia Internacional para a justiça económica e social, Steve Cockburn.

O negar dos direitos das mulheres

Num relatório de 2021, a HRW documentou que as leis, regulamentos e práticas do Qatar impõem regras discriminatórias de tutela masculina, que negam às mulheres o direito de tomar decisões importantes sobre as suas vidas.

As mulheres têm de ter permissão dos seus tutores masculinos (membros da família do sexo masculino) para casar, estudar fora do país, trabalhar em empregos públicos, viajar e receber cuidados de saúde reprodutiva.

O código penal do Qatar criminaliza todas as formas de sexo fora do casamento (sendo que uma violação pode ser considerada uma confissão), com sentenças de até sete anos de prisão. Se forem muçulmanas, também podem ser condenadas a açoitamento ou apedrejamento.

As mulheres também são obrigadas a mostrar uma certidão de casamento para ter assistência à saúde sexual e reprodutiva e não têm acesso a contraceção de emergência.

No entanto, a FIFA garantiu que "está confiante de que as mulheres terão acesso total a assistência médica, incluindo numa possível gravidez, independentemente das circunstâncias e sem perguntas sobre o estado civil".

A perseguição à comunidade LGBT

O código penal do Qatar pune relações sexuais consensuais entre homens a partir dos 16 anos de idade com até sete anos de prisão e penas de um a três anos para quem "instigue" ou "induza" outro homem a "cometer um ato de sodomia ou imoralidade".

Uma pena de até 10 anos é imposta a quem se envolver em relações sexuais consensuais fora do casamento, o que se aplica tanto a relações homossexuais como heterossexuais.

Em outubro, a HRW denunciou que o Ministério do Interior mandou prender arbitrariamente pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero) submeteu-as a maus-tratos, incluindo espancamentos graves e assédio sexual.

Como requisito para as libertar, as forças de segurança exigiram que pessoas transgénero fossem obrigadas a participar em sessões de terapia de conversão.

As limitações à liberdade de imprensa 

O Qatar criminaliza críticas ao emir, insultos à bandeira, difamação da religião e incitação "ao derrube do regime". A lei prevê até três anos de prisão e multas de cerca de 140 mil euros para quem espalhar "notícias falsas" na Internet ou conteúdos que "violem valores ou princípios sociais".

Alguns jornalistas internacionais foram detidos enquanto faziam reportagens no Qatar, forçados a fazer "confissões" e viram todo o seu trabalho destruído. A Amnistia Internacional documentou casos de cidadãos do Qatar que foram "detidos arbitrariamente por criticarem o governo e condenados após julgamentos injustos com base em confissões obtidas à força".

O país tem pouca imprensa independente ou crítica, sendo que as autoridades impõem restrições às emissoras, inclusive proibindo as filmagens em determinados locais, como prédios do Governo, hospitais, universidades, alojamento de trabalhadores migrantes e residências particulares.

As difíceis reações internacionais

As violações dos direitos humanos no Qatar afastaram muitos líderes mundiais do Mundial deste ano, mas não todos. Em Portugal, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma declaração de apoio à seleção portuguesa de futebol em que afirmou: "O Qatar não respeita os direitos humanos... Mas, enfim, esqueçamos isso".

Também em França, o Presidente, Emmanuel Macron, preferiu focar-se no apoio à seleção: "Não devemos politizar o desporto", disse admitindo que irá ao Qatar apoiar a equipa francesa, caso esta chegue à semifinal.

Mas na União Europeia, nenhum dos grandes responsáveis - a presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, o presidente do Conselho, Charles Michel, a presidente do Parlamento, Roberta Metsola, e ministro dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrell - cedeu e todos anunciaram que não marcarão presença no campeonato.

Ainda assim, só Van der Leyen mostrou uma posição de boicote, enquanto todos os outros alegaram que a viagem não estava, para já, planeada ou que razões de agenda se sobrepunham.

O Qatar tem a segunda maior reserva de gás natural do mundo, depois da Rússia, o que lhe confere um papel de relevo num momento em que a União Europeia luta para encontrar fornecedores alternativos devido à invasão da Ucrânia.

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