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As mercadorias explosivas que quase começaram uma guerra

Pedro Henrique Miranda
Pedro Henrique Miranda 16 de janeiro de 2025 às 07:00
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EUA acreditam que explosões na Europa fizeram parte de um plano de escalar a guerra sem confrontar diretamente a NATO, e tentaram avisar Putin das consequências.

Quando, no passado verão, começaram a surgir relatos de explosões de mercadorias em aeroportos e armazéns no Reino Unido, Alemanha e Polónia, foi fácil desvalorizar a situação à luz dos temas mais graves que dominavam o espaço mediático: a persistência das guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza ou o furor em torno das eleições americanas.

Sputnik/Gavriil Grigorov/Kremlin via REUTERS

Nos bastidores, no entanto, os centros de decisão nos Estados Unidos e na Europa estavam convencidos que estas explosões se tratavam de agressões russas encobertas, e contemplava-se um cenário com repercussões bastante mais dantescas: a tentativa, por parte do exército russo, de levar o conflito na Ucrânia, prestes a completar três anos, ao território norte-americano, revela o New York Times

De acordo com conversas tidas pelo jornal com oficiais de topo da administração Biden, dirigentes da G.R.U., homólogo russo da C.I.A., puseram em prática um plano de envio de encomendas com pequenos equipamentos eletrónicos, como dispositivos de massagens, que explodiriam propositadamente quando chegados ao destino. Não era claro para os oficiais, no entanto, se o presidente Vladimir Putin havia ordenado (ou sequer estava a par de) estes ataques.

Depois de um primeiro lote de envios para a Europa, como teste para averiguar a sua eficácia e tempo de detonação, o plano seria fazê-los chegar a destinos nos Estados Unidos e Canadá, o que representaria um considerável escalar de um conflito entre potências que se tem mantido, ainda que de forma ténue, indireto. Caso concretizado, o plano colocaria em risco aviões de transporte de mercadorias, mas também de passageiros, que ocasionalmente transportam este tipo de carga.

De acordo com os mesmos oficiais, que falaram em condição de anonimato, a resposta foi enviar avisos através de diversos canais com altos oficiais de Putin - que não fala diretamente com o ainda presidente Biden desde o início da guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022 - de que, caso estas explosões resultassem em mortes, os Estados Unidos considerariam a Rússia responsável por "facilitação de terrorismo", o que "levaria a guerra entre Washington e Moscovo a novos níveis", refere o jornal.

É provável que o aviso tenha chegado a Putin, continuam os oficiais, já que as explosões na Europa cessaram desde os esforços norte-americanos. Não se sabe, no entanto, se o Kremlin ainda tem projetos de desenvolver melhores e mais eficazes explosivos, e se os ataques poderão retornar: nos Estados Unidos, foram impostas novas restrições às importações como medida de precaução, e, na Europa, a vigilância foi apertada em portos, aeroportos e nas ruas de cidades como Londres e Berlim.

O canal direto de comunicação entre Washington e Moscovo poderá ser reposto com a mudança de governo americana, que ocorre a 20 de janeiro: Donald Trump disse na passada quinta-feira que Putin "quer encontrar-se" com ele e que a reunião "está a ser combinada", mas não confirma que já tenha falado diretamente com o presidente russo. O Kremlin, por sua vez, nega a existência de conversações diretas nesse sentido. 

Atos de sabotagem

Os mecanismos de explosão estão a ser encarados pelo Ocidente como uma resposta por parte das forças armadas russas - com ou sem o conhecimento de Putin - aos ataques ucranianos em solo russo, que dependeram, pelo menos em parte, de armas e equipamento bélico enviados pelos Estados Unidos e outros membros da NATO. 

Os ataques indiretos seriam uma forma de escalar o conflito sem entrar em guerra aberta com a NATO, cujos estatutos preveem uma resposta conjunta em caso de ataque a um dos seus estados-membros. No Pentágono, contempla-se ainda que estes explosivos sejam uma resposta a ordens não-específicas de aumentar a pressão sobre a NATO - uma tática, dizem os oficiais americanos, já utilizada pelas forças armadas russas, que preserva a possibilidade de Putin ilibar-se da responsabilidade. 

As suspeitas de hostilidade russa no território da NATO surgiram em 2024, quando começaram a registar-se atos de sabotagem ligados pelos serviços secretos americanos ao Kremlin: incêndios em armazéns de empresas que fornecem armas à Ucrânia, ataques de GPS que disromperam sistemas de navegação e cortes de cabos submarinos de fibra ótica atribuídos a âncoras de navios não-oficiais russos.

Além disso, um plano para assassinar o CEO da alemã Rheinmetall, um dos principais fabricantes da artilharia empregue pela Ucrânia, foi desmantelado com a ajuda de Washington, embora, perante os dirigentes americanos, o Kremlin tenha negado envolvimento no caso.

A partir de julho do ano passado, três encomendas provenientes de Vilnius, na Lituânia detonaram em Leipzig, na Alemanha, Birmingham, Reino Unido e num posto de correios no leste da Polónia. De acordo com os americanos citados pelo New York Times, conversas entre oficiais do G.R.U. indicam que eram testes para determinar o percurso das embalagens dentro da Europa - com planos futuros de destinar essas encomendas aos EUA e Canadá.

A SÁBADO contactou o Ministério da Defesa Nacional sobre a avaliação do risco, as medidas de vigilância em vigor e a coordenação com a UE e a NATO na prevenção de situações semelhantes em Portugal, mas ainda não obteve resposta.

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