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Entrevista
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Tanka Sapkota: "A cozinha de autor é muito focada no ego"

Tanka Sapkota: 'A cozinha de autor é muito focada no ego'
Pedro Henrique Miranda 23 de março de 2025 às 14:00

Tanka Sapkota: "A cozinha de autor é muito focada no ego"

A celebrar 25 anos do seu primeiro restaurante no País, o chef nepalês diz que "vivemos superficialmente", que a melhor cozinha é a mais simples e que quer fazer de Portugal um país de trufa.

A celebrar 25 anos do seu primeiro restaurante no País, o chef nepalês diz que "vivemos superficialmente", que a melhor cozinha é a mais simples e que quer fazer de Portugal um país de trufa.

A maior autoridade em comida italiana em Portugal pode bem ser nepalesa. Chef de dois restaurantes classificados entre os melhores italianos do mundo - o Forno d’Oro e o Come Prima, além da Casa Nepalesa, dedicada ao receituário do seu país de origem -, Tanka Sapkota, de 51 anos, parece ter credenciais que o confirmam.

Pedro Catarino

A celebrar os 25 anos do Come Prima, o seu primeiro restaurante, Tanka Sapkota é também o maior promotor da trufa no País: em 2019, foi distinguido como Cavaleiro das Trufas Brancas pela Ordem do Tartufo de Alba, e, no ano passado, descobriu as primeiras trufas negras de verão em território nacional - um projeto que quer expandir para "transformar economicamente" Portugal, que, diz, também é o seu País.

Descobriu cedo a paixão pela cozinha?

Não, mas as pessoas à minha volta perceberam. 28 anos depois de sair do Nepal, uma vizinha lembrava-se de como eu cozinhava. Dizia-me: "Cada vez que corto batatas, lembro-me de si, porque não cortava como os outros." Não tinha percebido que tinha jeito para cozinhar, mas gostava de comer bem desde pequeno. Cresci rodeado de agricultura biológica e produtos bons, porque nas montanhas, com o aumento da altitude, qualquer vegetal é muito mais saboroso, e trouxe isso para a minha cozinha - os meus ingredientes são os melhores do mercado. Já na altura era um pequeno negociante, tinha uma mala para estudos e outra para negócios.

Pedro Catarino

Foi o que o levou à Europa?

Exato. Aos 18 anos entrei no curso de Direito e, um dia, o meu pai disse que estava na hora de me casar, os casamentos arranjados eram comuns. Não queria de maneira nenhuma e como tinha o meu irmão em Estugarda, decidi ir com ele. Andei atrás do meu pai, a dizer que precisava de mil dólares e um bilhete de avião e, como sou teimoso, com o tempo, ele cedeu. Quando cheguei lá, tinha a opção: ou lavar pratos ou voltar para casa e casar-me. E eu queria conhecer o mundo de qualquer forma, então fiquei a lavar pratos num restaurante, onde aprendi a cozinha italiana.

Foi aí o seu primeiro contacto com a trufa?

Na Alemanha experimentei trufas pretas, mas com trufas brancas foi só em 2002, quando comecei a explorar o ingrediente. Em 2007, tirei três semanas e fui viver com um caçador de trufas, todos os dias a caçar trufas, armazenar e vender, e comecei a pensar que a trufa poderia chegar a mais pessoas. Em 2006, havia um restaurante com trufa em Lisboa, o Eleven, num menu que custava €150. Este ano, esteve um pouco mais caro, porque as trufas estão caríssimas, mas os nossos pratos normalmente são 30 e tal euros. Porque não democratizar? No início, ninguém acreditava, diziam que não ia vingar, que não se conhecia a trufa. Por isso mesmo, queria fazê-la chegar a mais pessoas, e foi um sucesso.

Qual é o seu projeto para as trufas em Portugal?

No ano passado, disse ao Governo, cientistas e universidades que queria procurar trufas em Portugal, e toda a gente disse que não havia. Mas todos deram apoio, e tornaram este projeto possível, e ainda bem, porque daqui a 100 anos o trabalho vai continuar a ser feito. Em Espanha já há muito turismo de trufas; em Itália, fatura-se milhões por ano, e nós podíamos fazer algo parecido com o nosso País - é o meu País também, vivo aqui há muitos anos e estou a pensar morrer cá. Queria tentar cultivar trufas de verão ou trufas pretas em Portugal, para podermos dizer: "Esta é a nossa trufa." Isto tem rumo traçado: mais cedo ou mais tarde, vai dar certo. Mas temos de fazer barulho, pressionar para se dar mais apoio à agricultura, para podermos fazer estudos e experimentar.

Pedro Catarino

Segue a receita autêntica italiana ou dá um toque próprio?

Eu não gosto de dar toques. Respeito muito as pessoas que inventam pratos, mas respeito ainda mais quem respeita as receitas antigas. Tento dar o menor toque possível, porque a minha forma de ser é ser o mais simples possível, no dia a dia, na minha vida e na cozinha. O prato típico português demorou 300 ou 400 anos para chegar onde chegou.

Não se identifica com a cozinha de autor?

Em 2006, tinha duas opções: ou o caminho da estrela Michelin, ou outro caminho qualquer sem estrela. Mas não gosto de andar a concorrer com os outros, na lógica de quem é melhor ou pior, é um caminho muito focado no ego. Decidi fazer o meu caminho sem sonhar com a estrela, e desde 2016 o Forno d’Oro é a única pizzaria em Portugal classificada entre as melhores do mundo. Não temos de ser os melhores chefs, temos que ser nós próprios. Até aos 35 anos, eu tinha muito ego, queria fazer e mostrar. Pouco a pouco, tenho perdido isso, e o resultado é ainda melhor. Se conseguir meditar bem, o meu ego baixa drasticamente. Já cheguei a essa fase, e agora o ego tem subido um bocadinho outra vez [risos].

A meditação tem influência no seu trabalho?

O problema do mundo hoje é este: vivemos muito superficialmente e complicamos tudo. Muita gente não tem lucidez suficiente e começa a baralhar demasiado as coisas. Medito três vezes por dia e isso traz-me lucidez para contribuir da melhor forma para a sociedade. Meditar permite-me não fazer dez coisas, mas fazer uma como deve ser.

Pedro Catarino

É daí que vem a simplicidade na cozinha?

Absolutamente. Qualquer livro, filme, poema, é mais conhecido quando é mais simples. O mesmo com a cozinha: as mais populares são as mais simples, mas também as mais difíceis de fazer. Quando se mistura várias coisas, é fácil: põe-se um pedaço disto e daquilo e não se distinguem os ingredientes. Mas em algo como o spaghetti al pomodoro, só temos massa, tomate e manjericão para fazer um bom prato. Se souber cozinhar, não é preciso muita coisa para saber bem. A minha casa no Nepal já era assim, simples, e isso fez a minha ponte para a cozinha italiana.

O que foi importante ao longo destes 25 anos para manter tudo a funcionar?

Isto tem a ver com toda a gente, não fui só eu que nos trouxe até aqui. Mas acho que a vida é como um mar: se não tiver nenhuma onda, já não é mar, é mais um lago. Grandes ondas também são muito difíceis de aproveitar, mas pequenas ondas fazem falta, fazem a vida melhorar um pouco. Nós andamos à procura de grandes transformações. E a essência da vida, do negócio, da nossa relação com as pessoas, são várias pequenas transformações, pouco visíveis, que fazem uma grande diferença.

Trabalha a cozinha italiana e a nepalesa. Como olha para a cozinha portuguesa?

É culinária, é tudo igual. O problema é que só olhamos para a casca da árvore. Depois da casca e do tronco, a medula é toda a mesma. Como as árvores, a religião a cultura ou a cozinha são diferentes por fora, mas a sua essência é a mesma. Um cozinha com porco, outro com vaca, outro vegetariano, mas a cozinha é a mesma. Às vezes dizem: "Eu não gosto da comida portuguesa." É uma grande mentira! Mas eu gosto mais da cozinha portuguesa na grelha. Não gosto muito de cozido à portuguesa, porque tem muita gordura. Mas coisas mais simples, adoro.

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