Sábado – Pense por si

Ricardo Salgado: "Vou responder às questões do meritíssimo juiz"

08 de julho de 2019 às 14:01
As mais lidas

Salgado é um dos principais arguidos da Operação Marquês. Foi acusado da prática dos crimes de corrupção ativa de titular de cargo político e corrupção ativa, entre outros.

O antigo banqueiroRicardo Salgado, um dos principais arguidos daOperação Marquês, disse hoje à entrada do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, que tenciona responder às perguntas do juiz.

"Vou responder às questões do meritíssimo juiz", disse aos jornalistas Ricardo Salgado, que entrou no tribunal, acompanhado pelos seus dois advogados, cerca das 13:30.

No processo Operação Marquês, o Ministério Público questiona, entre outras matérias, a eventual influência de Ricardo Salgado junto do Governo de José Sócrates em negócios que tiveram a participação do Grupo Espírito Santo (GES), tais como a contestação à OPA da Sonae sobre a PT em 2006/2007, a cisão da PT Multimédia, a venda da Vivo à Telefónica em 2010 e a compra de 22,28% do capital da Oi por parte da PT.

Ricardo Salgado foi acusado da prática dos crimes de corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.

A Operação Marquês conta com 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas - e está relacionada com a prática de mais de uma centena e meia de crimes de natureza económico-financeira.

José Sócrates está acusado de crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada.

A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no GES e na PT, bem como garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

Na Operação Marquês foram ainda acusados, entre outros, o empresário Carlos Santos Silva (apontado como "testa de ferro" de Sócrates), o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, Armando Vara, antigo deputado e ministro e ex-administrador da CGD, Henrique Granadeiro (ex-gestor da PT) e José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates).

O processo foi investigado durante mais de três anos, culminado com uma acusação com cerca de quatro mil páginas, tendo a fase de instrução, dirigida pelo juiz Ivo Rosa, tido início em janeiro, devendo prolongar-se durante todo o ano de 2019.

Salgado, o antigo senhorio disto tudo

A julgar pela acusação do Ministério Público,Ricardo Salgado, antigo presidente doBanco Espírito Santo, não foi só o "dono disto tudo" como também era um grande manipulador. A ligação umbilical da PT ao BES fazia da primeira uma autêntica torneira financeira para o Grupo Espírito Santo. As contas foram feitas pela investigação. "Entre 2001 e 2015, por Ricardo Salgado ter conseguido condicionar a gestão da PT aos seus interesses, o grupo BES recebeu daPT, a título de pagamentos de serviços prestados, recebimento de dividendos e disponibilidade financeira por via da concentração no BES das aplicações de tesouraria, um valor superior a 8,4 mil milhões de euros.". Esta segunda-feira, perante o juiz Ivo Rosa, o antigo banqueiro vai tentar defender-se dos 21 crimes (corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal, entre outros) que lhe foram imputados pela acusação

Segundo os investigadores, o ponto de partida para explicar todos os acontecimentos entre 2006 e 2010: a OPA da Sonae, a separação entre a PT e a PT Multimédia e, por fim, a compra de dívida da Rioforte. Quando, em 2006, Paulo de Azevedo surgiu acompanhado por António Horta Osório, então presidente do Santander, lançando uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) à PT, Ricardo Salgado assustou-se: "Caso se verificasse o sucesso da operação, Ricardo Salgado visualizava o fim da parceria estratégica entre os dois grupos e, sobretudo, sabia ser certo não se poder manter quer a política de aplicações financeira no GES, que garantia financiamento ao grupo, quer a contratação do BESI para prestar assessoria à PT." Ora, tendo por base os números apresentados na acusação, entre dividendos, faturação e aplicações (compra de dívida), o BES poderia perder, a partir de 2007, 3,7 mil milhões de euros (valor recebido pelo GES a partir daquela data).

Os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal situaram as manobras de Ricardo Salgado em dois planos: político, com a alegada corrupção de José Sócrates, e financeiro, através do financiamento à Ongoing e Fundação Berardo, de forma a assegurar votos suficientes na Assembleia-Geral da PT contra a OPA da Sonae. Ao mesmo tempo, os dois pontas-de-lança da empresa de telecomunicações, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, também terão recebido comissões de forma a travar a oferta do grupo de Belmiro de Azevedo. "Entre 1 de março e 18 de abril de 2006, Ricardo Salgado, temendo o sucesso da oferta do grupo Sonae, propôs a José Sócrates que, no exercício das suas funções governativas e em contrapartida pelo pagamento de uma quantia avultada, condicionasse a atuação do Governo aos interesses do GES." Um primeiro pagamento de 6 milhões de euros terá sido feito, em maio de 2006, através da circulação de fundos entre contas de Hélder Bataglia e Pedro Ferreira Neto até chegar ao primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa. Ouvido como testemunha, numa segunda inquirição, o próprio Pedro Neto confirmou ter participado na montagem de um esquema financeiro que justificasse a movimentação de fundos, acabando assim por comprometer Salgado logo numa transferência de 3,5 milhões de euros, em Maio de 2006, para Hélder Bataglia, após uma passagem pelas suas contas. "Para fazer aquilo, tinha de ter o conforto do dr. Ricardo Salgado, senão não fazia", disse.

Pedro Neto fundamental para contextualizar

Em junho de 2007, de acordo com declarações do próprio Pedro Neto, foi constituída a sociedade offshore Pinsong, na presença de Hélder Bataglia e Ricardo Salgado. "No decurso do mesmo encontro, os arguidos Ricardo Salgado e Hélder Bataglia referiram a Pedro Neto que a celebração do contrato em causa era muito importante para o Grupo GES e que estava relacionado com a operação da PT."

Ainda em 2006, seguiram-se uma série de passos dados pelo governo de Sócrates, os quais, segundo o despacho final, se podem classificar como mera fachada.

Por indicação do então ministro das Obras Públicas, Mário Lino, o secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, nomeou Luís Ribeiro Vaz como assessor para acompanhar o processo da OPA. Vaz aceitou o cargo ainda que, segundo documentos apreendidos no processo, em setembro de 2005 tenha enviado o seu curriculum vitae para um administrador do BES, Joaquim Goes, depois de, segundo o Ministério Público, ter solicitado a Ricardo Salgado que "diligenciasse pelo seu ingresso nos quadros" da PT.

Só que, de acordo com outros documentos apreendidos e o testemunho de Paulo de Azevedo, o papel do assessor do governo foi tudo menos ativo. A sua atuação "limitou-se à elaboração de alguns memorandos e à participação em reuniões realizadas no âmbito de contactos mantidos entre a Caixa Geral de Depósitos e o Grupo Sonae durante o ano 2006", explica a acusação. Publicamente, Sócrates alardeava a "neutralidade" do governo, mas nos bastidores "não deixou de transmitir" a Carlos Santos Ferreira, então presidente da CGD, e a Armando Vara, administrador, uma orientação: que o banco público deveria votar contra à OPA.

Chegado o dia da Assembleia-Geral da PT, 2 de março de 2007, o representante do Estado, Sérvulo Correia, chegou à reunião sem nenhuma instrução de voto clara na chamada "carta mandadeira", documento que lhe outorgava poderes de representação. Para o MP, Sócrates "diligenciou" no sentido de lhe ser transmitido "oralmente" que se deveria abster na votação, mas "assegurando-se" que, caso a OPA reunisse dois terços de votos favoráveis dos acionistas, Sérvulo Correia deveria usar a golden share, votando contra.

Mas, mesmo com o poder político, alegadamente, alinhado com os seus interesses, Ricardo Salgado não quis correr riscos e, entre 2006 e 2007, financiou dois empresários para assegurar um alinhamento completo na Assembleia-Geral: Joe Berardo e Nuno Vasconcellos. E assim foi, com o BES a emprestar até 200 milhões para a Fundação Berardo comprar ações da PT, sendo que apenas tinha que se comprometer "a exercer os direitos de voto inerentes às ações a adquirir de forma a rejeitar a OPA da Sonae", lê-se na acusação. As ações, refira-se, foram a única garantia para o financiamento. Depois de cumprida a "missão", Joe Berardo vendeu as acções da PT.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!

Gaza e a erosão do Direito Internacional

Quando tratados como a Carta das Nações Unidas, as Convenções de Genebra ou a Convenção do Genocídio deixam de ser respeitados por atores centrais da comunidade internacional, abre-se a porta a uma perigosa normalização da violação da lei em cenários de conflito.

Por nossas mãos

Floresta: o estado de negação

Governo perdeu tempo a inventar uma alternativa à situação de calamidade, prevista na Lei de Bases da Proteção Civil. Nos apoios à agricultura, impôs um limite de 10 mil euros que, não só é escasso, como é inferior ao que anteriores Governos PS aprovaram. Veremos como é feita a estabilização de solos.