Dificuldades em arranjar quem vá para as mesas de voto, autarcas a organizar equipas para ir a casa de quem está confinado, emigrantes impedidos de votar. As eleições em ano de pandemia obrigam a uma complexa operação logística. E até há quem já tenha gastado 300 euros só para ir votar.
Esta terça-feira e quarta-feira equipas organizadas pelas autarquias vão fazer rondas por casas e lares para recolher os votos de quem está confinado. A tarefa é complexa e muitos autarcas são obrigados a improvisar, até porque um dia antes de a operação arrancar ainda havia câmaras sem toda a informação necessária sobre quem iria votar nesta modalidade.
Segunda-feira à tarde, o presidente de uma das maiores câmaras do país, Eduardo Vítor Rodrigues acompanhava o desenho das rotas para a recolha de votos em domicílios e lares de Vila Nova de Gaia. "Estamos a contar com 20 equipas, mas depende da dispersão", notava àSÁBADOo autarca, explicando que será "um processo moroso" recolher os votos dos cerca de 1300 que se inscreveram para votar em confinamento naquele município.
Boletins de voto desinfetados, autarcas a improvisar
Em cada um dos 59 lares de Vila Nova Gaia que se inscreveram para esta forma de votação, "é preciso chegar, desinfetar, ter uma sala isolada para recolher os votos". Nas casas, garante o autarca, "não se passa da soleira da porta" e há a vantagem de a maioria das idas ao domicílio "servirem para mais do que uma pessoa". Mas, como se está perante infetados ou potenciais infetados com covid-19, será preciso garantir que o boletim de voto é "colocado num plástico e desinfectado". E, claro, em todas as situações as equipas estarão equipadas com EPI (Equipamentos de Proteção Individual) que, em Gaia, foram já entregues pelo Ministério da Administração Interna (MAI).
RUI MINDERICO/LUSA
"Pessoal, viaturas, desinfetante, somos nós que pagamos", diz Eduardo Vítor Rodrigues, que já tinha mobilizado 40 carros para as 20 equipas que previa pôr no terreno.
Em Gaia, as equipas de recolha de votos dos confinados vão ter um elemento da Proteção Civil, "preferencialmente um bombeiro fardado", um polícia municipal e um administrativo da Câmara. Mas a composição destas mesas de voto itinerantes não é igual em todo o país, até porque muitos concelhos não têm polícia municipal e poderão recorrer à PSP para ajudar na recolha.
Em Braga, na véspera do primeiro de dois dias de votação para pessoas em isolamento, o autarca Ricardo Rio admitia a falta de informação sobre o processo para o qual já sabia haver 250 inscritos, mas não a quantos lares de idosos seria preciso ir. "Os lares ainda não estão apurados", reconhecia o autarca de Braga, explicando estar a montar equipas "com funcionários da Câmara e membros da Proteção Civil".
Na Câmara de Braga, na véspera do arranque do processo improvisava-se. "Não recebemos orientação do MAI sobre as equipas", acusava Ricardo Rio, que também não tinha recebido ainda material de proteção para estas mesas de voto especiais. "Estamos a disponibilizar equipamentos de proteção com os nossos recursos. Para já, não recebemos EPI do MAI", contava o presidente da Câmara de Braga, onde "alguma informação chegou de forma tardia" e que se via assim obrigado a "reagir sob pressão".
Segundo dados do MAI, avançados ontem, segunda-feira havia 12.906 pedidos para votar em confinamento. Mas esta possibilidade só esteve disponível para os eleitores a quem foi decretado confinamento pelas autoridades de saúde pública até quinta-feira, 14 de janeiro, dez dias antes das presidenciais.
Votos antecipados guardados nas câmaras
Em Cascais, Carlos Carreiras não deixou tudo para a última. "Estamos a preparar-nos desde setembro". Mas ainda ia na segunda-feira à tarde receber formação para poder – juntamente com outros vereadores do seu executivo – fazer parte das equipas de recolha de voto.
A situação pandémica está a tornar complicada a logística, mas Carreiras garante que o segredo é a preparação. E foi por isso, assegura, que não teve problemas de maior na votação dos seis mil eleitores de Cascais que se inscreveram para votar antecipadamente.
Agora, os votos estão à guarda da câmara – como acontece por todo o país – e os funcionários da autarquia já estão a começar a separá-los para os enviar às freguesias a que pertence cada um dos eleitores que votaram antecipadamente.
O processo é complexo. Quem votou por antecipação teve de colocar o boletim num envelope, na mesa de voto esse subscrito foi para dentro de outro envelope que, por sua vez, levou uma etiqueta para assegurar a identificação da freguesia a que deveria ser enviado. E, claro, agora há que voltar a confirmar que quem já votou fica assinalado nos cadernos eleitorais para evitar que vote segunda vez. Tudo feito por funcionários autárquicos.
Autarca ataca CNE por filas no voto antecipado
Eduardo Vítor Rodrigues já se estava a preparar em Gaia "há um mês e meio", mas garante que a forma como Comissão Nacional de Eleições (CNE) deixou tudo para a última dificultou muito um processo logístico que já de si é complicado.
"A CNE tem de pôr a mão na consciência e perceber os equívocos em que lavrou", ataca o autarca socialista, acusando aquele organismo de autorizar um número de mesas de voto "aquém" do que seria necessário.
O autarca frisa que, sendo o voto antecipado pedido por pessoas que não fazem intenção de se abster, não faz sentido manter o número de mesas de voto que está previsto para situações em que a abstenção é grande. E aponta o dedo à CNE por estar a limitar as mesas de voto autorizadas, "se não pela despesa, pela incompetência".
A falta de planeamento é uma das grandes críticas feitas à CNE. "Sexta-feira às 15h estávamos à espera de autorização da CNE para aumentar o número de mesas", revela o autarca.
No caso de Gaia, a participação no dia 17 de janeiro foi de 80% dos inscritos no voto antecipado. "Como é um processo que implica uma média de três minutos a três minutos e meio, bastava aparecer um idoso mais vagaroso para entupir tudo", nota Rodrigues. O resultado foram longas filas.
Voluntários para as mesas de voto precisam-se
Tanto no voto antecipado como no dia das eleições, há ainda outro problema para os autarcas resolverem: garantir que há cinco membros – o mínimo legal são três – por cada mesa de voto. E esse está a ser um quebra-cabeças.
Este ano a pandemia fez aumentar o número de mesas de voto para se assegurar o distanciamento físico, mas também provocou medo entre quem habitualmente se oferecia para esta tarefa. A somar a isso há a incerteza causada por se saber que, de repente, quem era voluntário pode ter de entrar em confinamento por causa da covid-19.
Em Braga, haverá no próximo domingo quase mais 50% de mesas em relação às últimas eleições, porque – por causa da pandemia – cada mesa terá no máximo mil eleitores em vez de 1500 como até aqui.
Como se resolve, então, a necessidade de encontrar voluntários para todas as mesas? "Ainda não está resolvido. Hoje mesmo há pessoas a desistir. Até à última hora esse problema vai continuar a colocar-se", reconhece Ricardo Rio, explicando que a autarquia criou "uma bolsa de agentes em parceria com as freguesias" para tentar ter quem chamar.
Votantes podem ser obrigados a ficar nas mesas de voto
Se tudo falhar, a lei prevê que fiquem na mesa os primeiros eleitores que se apresentem para votar. Fazer parte da mesa dá direito a uma senha de presença de 50 euros, mas o trabalho está longe de ser fácil. "É horrível", descreve àSÁBADOuma voluntária que há vários anos participa no processo e explica que é preciso estar na mesa às 7h da manhã "e depois é pela noite dentro", num processo "arcaico" de contagem e verificação de votos e cadernos eleitorais, "que é ainda pior quando quem está na mesa não tem experiência nem preparação".
Em Cascais, Carlos Carreiras resolveu o problema da dificuldade em encontrar voluntários para as mesas de voto recorrendo à bolsa de voluntariado de que fazem parte funcionários camarários e trabalhadores de empresas municipais e garantindo o pagamento – pela autarquia e não pela CNE – da senha de presença a quem fica de prevenção para o processo.
"Em situações normais há 5% que faltam, desta vez prevemos 10 a 15% de faltas", diz o autarca, explicando que teve apenas de assegurar que cada voluntário pertence à freguesia em que vai participar na mesa de voto.
Além dos membros das mesas de voto, que na maior parte das eleições são indicados com a ajuda dos partidos - que nestas presidenciais estão muito menos envolvidos -, está previsto que haja também delegados de cada uma das candidaturas.
Marcelo Rebelo de Sousa já anunciou, contudo, que prescindirá dessa possibilidade. E em alguns casos torna-se difícil corresponder à necessidade de ter pessoas em todas as mesas. No caso de André Ventura, por exemplo, o Chega só indicou duas pessoas para aquela que é uma das maiores freguesias de Lisboa, o Lumiar. E há freguesias, como Campo de Ourique, onde – como explica o autarca Pedro Costa – "não há a tradição de haver delegados das candidaturas".
Pagar 300 euros e perder três dias para votar
Se há quem já tenha votado para eleições de dia 24 e quem até possa votar em casa, para muitos emigrantes desta vez será impossível escolher o Presidente da República. O problema é que o voto para residentes no estrangeiro nas presidenciais tem de ser presencial e feito num consulado. Isso é um problema para quem, em plena pandemia, tem dificuldade em deslocar-se até ao consulado mais próximo – que em alguns casos fica a milhares de quilómetros – mas também para quem se inscreveu como votante no estrangeiro mas entretanto está em Portugal, por exemplo, em teletrabalho.
Há, contudo, quem faça finca-pé em votar nem que para isso tenha de gastar centenas de euros em viagens de avião. É o caso de Nuno Ramos de Almeida, que se pode gabar de ter um dos votos mais caros de sempre: já gastou cerca de 300 euros para votar.
Ramos de Almeida, que é jornalista, estava inscrito para votar no Luxemburgo onde vivia e trabalhava. Entretanto, a vida mudou e regressou a Lisboa. Mas isso não lhe dá a possibilidade de votar em Portugal. Para exercer o seu direito, comprou viagem de ida e volta pela Ryanair, mas em plena pandemia os horários dos aviões têm sofrido várias alterações. Teve de comprar outros voos, pela Luxair. E isso custou caro.
"O meu voto vai-me custar 300 e tal euros à conta das mudanças de aviões", conta àSÁBADO, acrescentando que, além disso, vai perder três dias no processo. "Vou sábado e volto segunda".
Nem todos estarão dispostos ou poderão investir o tempo e o dinheiro que Nuno Ramos de Almeida vai gastar para votar. À candidatura de Ana Gomes – a candidata que trouxe o tema do voto por correspondência para a campanha – têm chegado relatos de quem se vê impedido ou com sérias dificuldades para exercer o direito de voto.
"Têm-nos chegado, via e-mail, algumas reclamações de eleitores emigrantes", afirma àSÁBADOFilipe Vasconcelos Romão, da candidatura de Ana Gomes, que dá o exemplo de um eleitor emigrado no Reino Unido, "que está Portsmouth tendo que se deslocar a Londres, com a limitação de circulação entre cidades, que está em vigor desde o início do mês". Ou o de um emigrante nos Estados Unidos que "está a 8 horas de carro do consulado mais próximo, em Washington".
Do estrangeiro, Ana Gomes recebeu também reclamações sobre o voto antecipado. "Em Marrocos, os boletins de voto não chegaram a Rabat. O avião está avariado em Espanha, sem plano B", conta Vasconcelos Romão.
Votação de emigrantes por revisão constitucional de Marcelo
Mas por que é que não é possível votar por correio nas presidenciais se está previsto o voto por correspondência para os residentes no estrangeiro nas legislativas e nas europeias? A resposta está na revisão constitucional de 1997, feita por acordo entre o PS de António Guterres – na altura no Governo – e o PSD liderado então por Marcelo Rebelo de Sousa.
José Magalhães recorda "a grande discussão que houve no PS, onde havia gente firmemente contra e a favor" do voto por correspondência nas presidenciais. "O argumento era o risco de chapelada eleitoral organizada no exterior numa eleição em que por um voto se ganha por um voto se perde", recorda o socialista, explicando que autorizar a participação de emigrantes no voto presidencial "foi um dos aspetos mais controversos da revisão constitucional de 1997".
O que parece não ter levantado grandes polémicas nas eleições presidenciais que ocorreram desde 1997 "em pandemia resulta numa coisa brutal", porque, como frisa José Magalhães, "os movimentos estão restringidos e, mesmo quando são possíveis, são penosos e caros".
De qualquer modo, José Magalhães sublinha que a questão nunca poderia ser alvo de solução a tempo destas eleições, porque "depende uma revisão constitucional", o que obedece a prazos próprios, não pode ser feito em Estado de Emergência e precisa de uma maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções na Assembleia da República.
Magalhães foi, no MAI, o responsável político pela reforma que permitiu em 2009 o recenseamento eleitoral eletrónico. Agora, diz estar na altura de se desenvolver um sistema de votação eletrónica "numa plataforma segura em lugares verificados e vigiados".
"Essa plataforma hoje em dia é perfeitamente possível", afirma, considerando uma "aberração" manter nos dias de hoje um sistema como o voto por correspondência, que implica uma operação de envio de envelopes com boletins que têm de ser novamente devolvidos pelo correio.
Pelo meio, José Magalhães aproveita para sugerir mais uma inovação: "acabar com o dia de reflexão", que impede que haja notícias sobre a campanha ou quaisquer atos de promoção de candidaturas 24 horas antes da ida as urnas. Uma proibição que faz pouco sentido "quando há até quem já tenha votado no voto por antecipação", nota, apontando para o número recorde de eleitores inscritos para votar uma semana antes do dia das eleições: cerca de 250 mil.
ASÁBADOpediu esclarecimentos à CNE e à Câmara de Lisboa sobre o processo eleitoral, mas não obteve respostas.
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Num mundo incerto e em permanente mudança, onde a globalização e a tecnologia redefinem o modo de conceber e fazer justiça, as associações e sindicatos de magistrados são mais do que estruturas representativas. São essenciais à vitalidade da democracia.
Só espero que, tal como aconteceu em 2019, os portugueses e as portuguesas punam severamente aqueles e aquelas que, cinicamente e com um total desrespeito pela dor e o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares dos falecidos, assumem essas atitudes indignas e repulsivas.