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Parlamento podia expulsar Miguel Arruda? Não

Débora Calheiros Lourenço
Débora Calheiros Lourenço 27 de janeiro de 2025 às 15:04
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"Qualquer pessoa com um pingo de vergonha na cara preferiria sair para evitar esta situação", aponta o ex-Presidente da Assembleia da República Santos Silva. João Paulo Batalha aponta que no Reino Unido, há ferramentas que deviam existir em Portugal. Marques Mendes também defendeu que Arruda devia sair.

Miguel Arruda, o deputado do Chega agora independente sob suspeita de ter furtado malas de viagem no aeroporto de Lisboa e Ponta Delgada, disse que ia colocar "baixa psicológica" e por isso, não estará no Parlamento nos próximos tempos. É por vontade própria; mas afinal, o que poderia a Assembleia da República fazer perante o caso do deputado suspeito? Augusto Santos Silva, ex-Presidente da Assembleia da República, explica à SÁBADO que "o Parlamento não pode obrigar nenhum deputado a sair do Parlamento" porque "o mandato é seu por direito".  

António Pedro Santos/Lusa

Santos Silva explica que Miguel Arruda é deputado por "direito" uma vez que os cidadãos, neste caso os do círculo eleitoral dos Açores, votaram nele para os representar no Parlamento, ou seja, trata-se de um mandato representativo legítimo e é por isso que "o Parlamento não o pode obrigar a sair". Segundo o site da Assembleia da República, podem perder o mandato os deputados com "incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei", como por exemplo outros cargos, como Presidente da República ou embaixador; os que excedam o número de faltas injustificadas ou "não tomem assento" na AR; os que "se inscrevam em partido diferente daquele pelo qual foram apresentados às eleições"; os que "sejam judicialmente condenados por participação em organizações de ideologia fascista ou racista", e os que "não cumpram as suas obrigações declarativas definidas por lei". 

Luís Marques Mendes defendeu, ao Negócios e no seu programa televisivo semanal, que o ex-deputado do Chega "devia suspender funções até ao fim do processo judicial em que está envolvido" e que, quando estava no Parlamento, o próprio Marques Mendes tentou aprovar regras nesse sentido. No entanto, uma vez que não foi isso que o deputado decidiu fazer, Marques Mendes acredita que, nestes casos "chocantes e desviantes", a Assembleia da República deveria ter "um instrumento legal para suspender deputados do exercício de funções".

"Qualquer pessoa com um pingo de vergonha na cara preferiria sair para evitar esta situação", aponta Santos Silva à SÁBADO.

Já João Paulo Batalha, consultor de política anticorrupção, concorda que "faz sentido" existir pelo menos uma comissão de transparência ou de ética "como já aconteceu há uns anos", porque "o Parlamento deve ter mecanismos para avaliar a idoneidade de um deputado e sancionar situações de incumprimento".  

Ainda assim, alerta que "tem de ser um mecanismo bem calibrado para não existir o risco de ser utilizado como método de perseguição política". Este tipo de ferramentas, "como existe em vários parlamentos, nomeadamente no britânico", tem a capacidade de passar "sanções como multas, não pagamento de ajudas de custo ou até a suspensão do mandato", explica à SÁBADO.

Miguel Arruda devia ser punido, mas líder parlamentar também

Esta solução não deveria ser usada apenas para casos tão graves como o de Miguel Arruda, mas também para condenar declarações como a de Pedro Pinto, considera Batalha. O líder parlamentar do Chega, na primeira sessão plenária depois de ser conhecido o escândalo, afirmou: "Não nos sentimos confortáveis por o deputado Miguel Arruda se sentar ao lado dos deputados do Chega porque, como sabem, as coisas não foram pacíficas, não posso responder pelo meu grupo parlamentar e pelo que posso acontecer nesta sessão plenária." 

"Também não temos mecanismos que proíbam o deputado Pedro Pinto de dizer que a sua bancada parlamentar não se responsabiliza pelo que acontecer, isto é uma ameaça à integridade física e no parlamento britânico o deputado teria sido impedido de participar no resto daquela sessão", salienta João Paulo Batalha. Alguns exemplos das atuações de decoro parlamentar que poderiam ser avaliadas por este mecanismo são "os abusos nas ajudas de custo, despesas de deslocação, casos de moradas falsas ou presenças falsas".  

O consultor de política anticorrupção recorda que "quando o Parlamento não tem autonomia para sancionar casos de má conduta, nem com um julgamento de censura, as ações de um deputado tornam-se a imagem de toda a instituição, o que acaba por prejudicar a Assembleia como um todo".

Arruda tem direito à presunção de inocência, mas devia afastar-se, diz Santos Silva

Augusto Santos Silva partilha que é "a favor dos regimentos atuais" e que "Miguel Arruda tem direito à presunção de inocência de um ponto de vista legal", apesar de considerar que de um ponto de vista político, o deputado independente devia ter tomado outra decisão.  

Todos os deputados gozam de imunidade parlamentar como garantia de que podem exercer livremente o seu mandato. Porém, Augusto Santos Silva descreve que "quando existem questões legais, o Ministério Público faz um pedido de levantamento da imunidade ao Parlamento". Se o crime em questão "for punível com pena superior a três anos o presidente da Assembleia da República é obrigado a levantar a imunidade, se for inferior tem de decidir se vai levantar a imunidade ou não". No caso de Miguel Arruda, os crimes são puníveis com pena superior a três anos, pelo que o Parlamento será obrigado a levantar a imunidade.  

Augusto Santos Silva esclarece: "O presidente da Assembleia da República pode dar sanções por coisas que acontecem dentro do Parlamento, como por exemplo, interromper ou terminar a intervenção de um deputado pela forma como este se está a dirigir aos outros. Na minha opinião, em casos mais extremos pode até expulsar um deputado da sala, mas não pode ter qualquer tipo de atuação sobre os comportamentos fora do Parlamento". 

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