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O caso Spinumviva morreu. A Spinumviva ela própria continua viva e de saúde.
Deu na televisão, mas parece que ninguém reparou. O primeiro-ministro apareceu em direto, em horário nobre, a acusar o procurador-geral da República de conduzir investigações ilegais: “o Ministério Público, coadjuvado pela Polícia Judiciaria, promoveu uma averiguação preventiva que, na prática, foi um autêntico inquérito criminal, tal foi o alcance das diligências efetuadas e os elementos probatórios apreciados”, queixou-se ontem Luís Montenegro. “Em certo sentido se foi mais longe do que o normalmente admissível num inquérito, uma vez que os visados aceitaram uma total inversão do ónus da prova, e alguns elementos solicitados e disponibilizados esbarrariam no critério de um juiz de instrução, acaso carecessem da sua autorização.”
Foi taxativo. O primeiro-ministro acusou o Ministério Público de ter feito no âmbito de uma mera avaliação preventiva o que nenhum juiz aceitaria que se fizesse num inquérito-crime. Fê-lo invocando a sua autoridade de “advogado com prática forense” para sublinhar que sabia o que dizia. Não sei como é possível que isso acontecesse sem que os procuradores responsáveis praticassem crimes de denegação de justiça, prevaricação ou abuso de poder. Incluindo o próprio procurador-geral da República, que acompanhou de perto as averiguações e foi mantendo o país informado dos seus trâmites. É assim que Luís Montenegro paga a Amadeu Guerra o obséquio de não ter aberto um inquérito à Spinumviva.
A “averiguação preventiva” era problemática desde o início – e, no fim, não resolveu nada. Face às denúncias de que os conflitos de interesses do primeiro-ministro poderiam ter contornos criminais, o Ministério Público tinha duas opções: ou abria um inquérito para investigar os negócios da Spinumviva, ou não o abria, por não ver nas denúncias indícios suficientes de que Luís Montenegro tivesse continuado a trabalhar na empresa depois de empossado como primeiro-ministro, ou de que a empresa andasse a cobrar por serviços fictícios. Em vez disso, o procurador-geral da República optou por uma espécie de inquérito-light, através da averiguação preventiva, que não foi criada para isto nem devia ter sido usada desta maneira, numa espécie de inquérito-que-não-inquire, porque não tem estatuto legal nem poderes para isso, e fica inteiramente dependente do que se apure em fontes abertas ou pela colaboração voluntária dos visados. Fê-lo para poupar a Montenegro o embaraço político de ter um primeiro-ministro alvo de um inquérito-crime, e acaba acusado de conduzir uma investigação fora da lei e das garantias do processo penal. Valeu-lhe a pena a simpatia.
Seria útil conhecer o relatório final da averiguação preventiva, bem como o despacho de arquivamento – coisas que seriam consultáveis e escrutináveis num inquérito-crime. O MP deve publicar estes documentos – meros documentos administrativos, nos termos da lei, e por isso de natureza pública. Deve fazê-lo para podermos avaliar se a investigação esclareceu mesmo tudo o que havia a esclarecer (não vimos no comunicado do DCIAP, por exemplo, qualquer menção às suspeitas sobre a construção da casa do primeiro-ministro, em Espinho, pela construtora que fez a obra de enterramento da linha ferroviária na cidade, na qual Montenegro interveio como advogado da Câmara). Mas, depois do que disse o primeiro-ministro, ainda mais deve Amadeu Guerra publicar os relatórios finais da averiguação preventiva para sabermos se o processo foi legal ou, se como apontou Montenegro, o Ministério Público se dedica agora a investigações fora-da-lei. O diretor do DCIAP já veio, e bem, negar que o MP tivesse extravasado os poderes que lhe cabem numa averiguação preventiva, mas a suspeita lançada pelo primeiro-ministro é grave e só se esclarece consultando o processo.
Mesmo assumindo que as acusações de Luís Montenegro, ontem à noite, foram dramatização excessiva (e aldrabona) para teatro de vitimização política, mesmo assumindo que o caso está bem arquivado e que não há mesmo matéria criminal no assunto (hipótese que, desde o início, sempre me pareceu a mais plausível), o país continua com a Spinumviva ao colo. O primeiro-ministro continua a ter na sua esfera pessoal a empresa que ele próprio fundou, para prestar uma panóplia de serviços que ele próprio definiu a clientes que ele próprio angariou. Qualquer cliente, ex-cliente ou futuro cliente da Spinumviva com interesses junto do Estado levanta conflitos de interesses, que não conseguiremos identificar ou escrutinar.
Luís Montenegro podia ter resolvido isto quando o assunto surgiu, em fevereiro. Bastava extinguir a empresa e livrar-se dos clientes. Recusou sempre solucionar o seu conflito de interesses e libertar-se das suas relações de negócio – ao ponto de preferir provocar uma crise política e eleições antecipadas. Chamada a tratar do que o político não tratou, a Entidade para a Transparência anda desde então em silenciosa litigância com o primeiro-ministro sobre os seus registos de interesses e património, sem também oferecer qualquer solução para o problema. Agora, é a justiça que conclui não ser para aqui chamada. Em resumo, a empresa do primeiro-ministro – e é dele a empresa, dada de oferta aos filhos – continua alegremente a faturar, sabe-se lá a quem, e ninguém escrutina estas relações. À vez, a esfera política, a esfera administrativa e a esfera judicial recusaram resolver o assunto. O caso morreu mas a empresa vive, uma Spinumzombie a atestar o triunfo legal da promiscuidade entre política e negócios. O país come e cala.
Legitimada a sua culpa, estará Sócrates tranquilo para, se for preciso, fugir do país e instalar-se num Emirado (onde poderá ser vizinho de Isabel dos Santos, outra injustiçada foragida) ou no Brasil, onde o amigo Lula é sensível a teses de cabalas judiciais.
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