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Empresa de marido de governante fatura quase €200 mil em contratos públicos

Alexandre R. Malhado
Alexandre R. Malhado 25 de fevereiro de 2025 às 19:30
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A empresa do marido da secretária de Estado das Pescas firmou quase 200 mil euros em seis contratos públicos desde a tomada de posse deste Executivo. Governante confirma quota do marido, mas diz que a suspendeu durante o mandato. Advogados colocam suspensão em causa.

O marido da secretária de Estado das Pescas, Cláudia Monteiro Aguiar, com quem está casada em comunhão de adquiridos, ainda é sócio de mais de 30% da Mobinteg, uma empresa de consultoria de sistemas de informação, que firmou quase 200 mil euros em seis contratos públicos desde a tomada de posse deste Executivo.

Segundo o Portal Base, a Mobinteg assinou desde abril de 2024 dois contratos em processos de consulta prévia, um no valor de 67 mil euros com a Ordem dos Enfermeiros, e outro com o Município de Carregal do Sal, por 74 mil; e quatro ajustes diretos com o Município de Elvas (11 mil), a Parques de Sintra (19 mil), CRPG – Centro de Reabilitação Profissional (13 mil) e o Instituto Politécnico de Viseu (8 mil). Estes contratos constituirão uma irregularidade: o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos impede de "participar em procedimentos de contratação pública" as empresas onde "cônjuges [de titulares de cargos públicos] que não se encontrem separados de pessoas e bens" e que detenham uma participação superior a 10%.

A promessa de voltar

À SÁBADO, o gabinete da governante confirma que "a senhora secretária de Estado das Pescas é casada em comunhão de adquiridos com um sócio da empresa Mobinteg, empresa referida na pergunta supra". No entanto, garante que o marido suspendeu a quota (e que neste regime poderá voltar aos órgãos sociais da empresa automaticamente depois do fim de mandato da secretária de Estado das Pescas): "Não se verifica qualquer impedimento, ou incompatibilidade, uma vez que foi oportunamente comunicada a suspensão da participação social em causa, durante todo o período em que vigorar o exercício das funções, nos termos e para os efeitos previstos no nº 7 do artigo 9º da Lei nº 52/2019, de 31 de julho. Assim sendo, foi cumprida a lei."

De facto, a lei das incompatibilidades menciona a possibilidade de "suspensão da sua participação social durante o exercício do cargo", mas o advogado Paulo Veiga Moura, especialista em Direito Administrativo, desconhece a figura jurídica. "Só conheço a figura da liquidação, nunca ouvi falar de suspensão – e parece-me uma figura metida nesta [lei] aos trambolhões", considera. De facto, não está claro no Código das Sociedades Comerciais a existência dessa figura. Em geral, "a suspensão da participação social" levanta algumas dúvidas: "Em que moldes se põe em stand-by (para voltar) uma participação? Que direitos prevê esta figura? Há vários questões que se colocam." Também João Paulo Batalha, consultor em transparência e vice-presidente da Frente Cívica, estranha: "O que acontece? A distribuição de dividendos é suspensa? Para onde vai? Existem noutros países figuras semelhantes, como o blind trust, mas são figuras previstas por lei. Isto parece-me apenas mais um álibi do que uma suspensão."

A SÁBADO questionou o gabinete da secretária de Estado das Pescas em que moldes se processa a invocada suspensão. A suspensão ocorreu em assembleia geral da sociedade, sem registo público: "A suspensão da participação social em causa foi formalmente efetuada, nos termos legais, no dia 19/04/2024, tendo sido consignada em assembleia geral da sociedade, registada em ata que não obriga a registo, e vigora durante todo o mandato da senhora Secretária de Estado das Pescas", explica a mesma fonte oficial. "Durante o período da suspensão, não há direito ao recebimento de dividendos relativos ao período em causa, nem à participação em assembleias gerais da sociedade, incluindo a possibilidade de deliberar sobre qualquer matéria da sua competência nos termos do Código das Sociedades Comerciais. Quanto a decisões futuras, na devida altura será avaliada a situação", acrescenta.

[notícia atualizada face à edição em papel com novos esclarecimentos do gabinete da secretária de Estado das Pescas]

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