Em 75 minutos, os dois principais candidatos debateram ideias para o país sem menções às mudanças na geopolítica e economia mundial. Pedro Nuno despejou o balde das suspeições sobre a conduta ética de Montenegro - não é todos os dias que um líder do PS cita uma investigação judicial em curso - e Montenegro acusou-o de "maledicência". Ambos 'flirtaram' com os pensionistas. Nenhum venceu por margem clara.
No debate equilibrado entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro, os primeiros nove minutos e meio foram de mero aquecimento. O tema de abertura foi a gestão do apagão de eletricidade e nem os jornalistas perguntaram, nem Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos falaram das razões para termos ficado tanto tempo sem energia – a escolha foi para a comunicação do Governo nas horas da crise. Montenegro estava naturalmente à defesa por ter responsabilidades de governação e puxou para si os triunfos técnicos da REN em repor o serviço, forçando a nota quando colou a Pedro Nuno a imagem de inexperiência por causa da sua decisão precipitada no novo aeroporto. Já o líder socialista procurou mostrar o seu domínio do funcionamento da máquina administrativa em caso de emergências, citando muitos nomes com quem se reuniria numa sala de gestão de crise, e criticando a ausência de comunicação e coordenação do Governo. À passagem para o tema seguinte, o ambiente estava morno.
Montenegro PNSRúben Sarmento
A seguir veio a economia, assunto sobre o qual a AD e o PS falam quase sempre sem referir a turbulência internacional causada pelos Estados Unidos – hoje não foi exceção, parecendo que lá fora quase nada se passa (a conjuntura internacional, com implicações na defesa e na economia, esteve ausente do debate). Nesta toada, Pedro Nuno procurou denunciar o programa da AD como "um embuste" assente em "taxas de crescimento que não são previstas por nenhuma instituição internacional" – fê-lo para responder à pergunta sobre como iria financiar todas as medidas "simpáticas" que constam no programa do PS. "O que prometemos é para todos", vincou, por oposição às medidas da AD, "para uma minoria e as empresas".
Montenegro começou aqui uma linha que não largaria no resto do debate: argumentar que Pedro Nuno não estava a ser sério ("temos de ter seriedade", "o sr. Pedro Nuno Santos não tem limites", foram sendo ouvidas nos 70 minutos). As taxas de crescimento previstas pela AD incluem o impacto das medidas que o futuro governo espera lançar, argumentou, pondo a tónica na importância de apoiar as empresas para aumentar a riqueza, uma linha clássica de argumentação do PSD. Nenhum dos dois falou de contas públicas, um sinal de que numa era de excedentes orçamentais este problema crónico na democracia está em hibernação.
Fogo na ética, paixão nas pensões
A Saúde – área na qual Montenegro deixou cair, como outros antes dele, o prazo para a promessa de arranjar os médicos de família em falta – foi o tema de transição para chegar ao da ética e da Spinumviva, onde o debate mais aqueceu. Pedro Nuno não moeu as palavras e despejou o balde das dúvidas, perguntas por responder e ligações que abrem suspeitas sobre riscos éticos de Montenegro, ajustes diretos feitos por câmaras do PSD ao seu antigo escritório de advocacia depois de sair da política – não é todos os dias que se vê um líder socialista a citar inquéritos em curso do Ministério Público, cruzando-o com suspeitas sobre um adversário.
Montenegro respondeu no seu tom mais agressivo, dizendo que não reconhece "vida cívica e empresarial" a Pedro Nuno para "falar assim" dele ("não tem vida cívica e empresarial"), acusando-o de querer "saber qual era o [meu] trabalho quando estava fora da política" – e puxando a carta de que sempre respondeu a tudo (o que não corresponde à verdade) e que é vítima de um escrutínio sobre si e a sua família que serve para "tirar proveitos políticos". Na única coisa nova trazida a lume, Pedro Nuno parece ter pisado gelo fino ao acusar o Governo de atrasar o concurso para as licenças do jogo (beneficiando assim a Solverde, cliente da Spinumviva) – Montenegro desviou-se bem dessa bala, dizendo que não há atraso algum. E haverá comissão parlamentar de inquérito, perguntou-se ao líder do PS? "Depende de Luís Montenegro", respondeu vagamente, sublinhando que já disse que nunca chamaria a mulher e os filhos. Nada de novo ou relevante, as posições entrincheiradas de sempre.
A seguir, com 41 minutos de debate já passados, veio o tema preferido dos políticos que querem ser primeiro-ministro: as pensões (a Educação, em contraste, foi um tema ausente do debate). Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro concorreram durante quase nove minutos ao título de melhor amigo dos mais de dois milhões de pensionistas (um eleitorado que vota mais ao centro e que vota proporcionalmente mais do que as restantes faixas etárias). Pedro Nuno procurou colar um estudo pedido pelo governo da AD à ideia de privatizar parte do sistema de pensões, coisa que Montenegro negou. A dada altura, o candidato da AD olhou de frente para a câmara (a única vez que o fez em todo o debate, tirando o minuto final que é feito neste modelo) e disse "os pensionistas sabem que vamos valorizar as pensões".
Estabilidade governativa: garantias vazias
A habitação foi o último tema de política pública, com os dois candidatos a convergirem na necessidade de se construir mais a preços controlados. Entre críticas mútuas sobre atrasos e inações, Pedro Nuno lembrou que as medidas do Governo de apoio à compra de casas pelos jovens levaram a um aumento da procura no mercado (não acompanhado pela oferta) e uma subida de preços que engoliu o efeito das isenções fiscais. Montenegro passou ao lado disto – como passou ao lado das perguntas com que os jornalistas o iam interrompendo – e falou muito nos jovens, um eleitorado que a AD procura claramente cativar.
Sobre a política de alianças, o líder do PS garantiu que faria tudo para encontrar uma solução de estabilidade caso vença as eleições – e apelou ao voto útil. Os dois candidatos, cada um responsável (com destaque para o primeiro-ministro) na escalada do caso Spinumviva que provocou a ida para eleições, apresentaram-se como garantes da "estabilidade". Nenhum dos dois se comprometeu sobre a viabilização quer do governo do outro, quer do Orçamento do Estado.
No minuto final, Montenegro terminou mais forte porque tem a obra de um ano de governo para mostrar e uma mensagem simples de passar sobre vitimização: "não estou aqui para ataques pessoais, para maledicência, mas para governar, executar, decidir". Pedro Nuno enrolou-se mais - repetiu várias vezes "as mulheres" –, um sinal da maior dificuldade à partida do PS para estas eleições que o eleitorado não queria. No dia 18 haverá decisão – este debate dificilmente terá sido decisivo para cada lado.
Embaraço: Pedro Nuno Santos acabara de levantar uma folha A4, momento que nunca falha num debate, com a diferença entre as previsões económicas mais modestas que a AD levou a Bruxelas e as mais ambiciosas que estão no seu programa. Luís Montenegro apanhou o argumento dizendo que as primeiras são em políticas invariantes, ou seja, não contam com o impacto das medidas que o Governo ainda não aprovou. Para um jornalista de economia isto foi emabaraçoso de ver - não sei se o "espetacdor lá em casa" pensou o mesmo.
KO: Houve tentativas de KO: "o Dr. Pedro Nuno Santos não tem vida cívica, nem profissional, para falar assim de mim", disse o líder da AD; e "não se vitimize porque a vida não o tratou mal, não é toda a gente que sai da política e consegue dois ajustes diretos", atirou o líder do PS. Nenhuma foi eficaz.
Pinóquio: Horas antes do debate saiu a notícia de que Luís Montenegro enviara a lista de clientes da Spinumviva para a Entidade para a Transparência (EpT) - algo que os jornalistas que conduziram o debate interpretaram como um passo para "destrunfar" Pedro Nuno. O líder socialista aproveitou para apontar a "vergonha" de não responder à pergunta sobre quais foram todos os clientes para depois revelá-los antes do debate. Montenegro explicou, de forma cândida, que não foi ele a divulgar os clientes à imprensa e que a EpT lhe comunicou que também não divulgou - e que terá partido do Parlamento a fuga para a imprensa. E Luís Montenegro, deputado experimentado, não sabia que a fuga para os media era certa? Está bem.
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