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Polícia acusado da morte de Odair Moniz diz agora que afinal tem "a certeza que era uma faca"

Odair Moniz morreu no dia 21 de outubro de 2024 no bairro da Cova da Moura, depois de ter sido baleado pela polícia. Julgamento arrancou esta quarta-feira.

Arrancou, esta quarta-feira, o julgamento do agente da PSP Bruno Pinto pelo homicídio de Odair Moniz, crime punido com pena de prisão de oito a 16 anos. O Ministério Público pede ainda a pena acessória de proibição do exercício de função uma vez que considera que o polícia “agiu livre, deliberadamente e conscientemente” e “sabia que se um dos projéteis atingisse zonas vitais do corpo de Odair Moniz tal ação era apta a provocar a sua morte”.  

Odair Moniz
Odair Moniz DR

Antes de Bruno Pinto começar a falar, o advogado da família de Odair Moniz recordou o caso da morte de Elson Pina Sanches, jovem de 15 anos, baleado por um agente da PSP na Amadora em 2009. Nesse caso Elson, depois de uma perseguição, caiu numa vala no Bairro Quinta da Lage e, quando tentava soltar-se, o agente disparou a 50 centímetros da sua cabeça tendo a bala entrado por um lado e saído pelo outro. “Neste caso também apareceu uma arma de fogo depois", recorda o advogado. Esse agente foi acusado por homicídio por negligência e acabou absolvido, mas a defesa agora considera que a diferença é que “não havia câmaras nem telemóveis”, pelo que “neste caso vai ser provada a verdade e o arguido vai ser condenado”.

De seguida o arguido Bruno Pinto foi chamado, para confirmar os seus dados pessoais, e respondeu visivelmente comovido às questões da juíza Ana Sequeira. Como aliás se manteve enquanto a juíza lia a descrição dos acontecimentos que levaram à morte de Odair Moniz. 

Bruno Pinto começa por pedir desculpa à família e aos amigos da vítima, mais uma vez visivelmente emocionado e interrompido pelo próprio choro, mas afirma que não concorda com os factos da acusação. “Por volta das 5h30 da manhã estávamos na rua 25 de Abril quando vimos um BMW preto a descer a avenida” que segundo o agente teve “um comportamento suspeito”, originando o início da perseguição.

Bruno Pinto reforça que “havia pessoas na rua que tiveram de se desviar para não serem atropeladas”. Depois de o carro de Odair Moniz se ter despistado o agente parou a viatura da polícia ao lado da de Odair, Bruno Pinto reforça que pela velocidade e pelo embate noutros carros achava que “ele não ia sair do carro”, algo que não se verificou uma vez que Odair Moniz saiu mesmo do carro, “como se nada fosse”, a afirmar: “Calma eu sou doente, bastão não, arma não”.

Bruno Pinto refere que nenhum dos dois, tanto a vítima como o arguido, "mediu bem as forças" e descreve as ações de Odair Moniz como "astutas", pelo que considera que "ele ou praticou alguma arte marcial ou praticava". Durante os confrontos Bruno Pinto afirma que conseguiu perceber que Odair Moniz estava a pedir ajuda de forma indireta, perguntando “o quê que eu fiz? O quê que eu fiz?”, e de forma direta, pedindo ajuda “a um grupo de jovens que estavam no cimo da rua e que são conhecidos por estarem ligados à criminalidade violenta”. Mais tarde Bruno Pinto referiu que este grupo continha "entre dez a quinze indivíduos, certamente pelo menos dez". 

No seguimento Bruno Pinto efetuou o primeiro disparo para o ar e gritou: “Todos para trás, todos para trás”. No entanto apenas uma parte “das pessoas que estavam a descer pararam” o que o levou a disparar pela segunda vez e nem assim conseguiu demover Odair e imobilizá-lo.

Odair Moniz é descrito por Bruno Pinto como alguém que estava sempre a variar entre o "agressivo, passivo" de quem "queria sair dali a qualquer custo" e que várias vezes ameaçou os dois agentes de morte. De seguida o arguido refere que viu a vítima a fazer "um movimento para a zona da cintura" numa tentativa de agarrar uma arma branca - algo que gerou alguma indignação na audiência - o que o levou a disparar contra a vítima. 

Depois de afirmar que viu "uma lâmina" Bruno Pinto acaba por admitir que não tem "100% a certeza de que se tratava de uma faca": "Mas vi uma lâmina. depois de ser questionado pela juíza se viu a faca acabou por admitir: "Acabei por acreditar que era uma faca". 

Bruno Pinto partilha que disparou uma segunda vez porque "não achava que o primeiro disparo lhe tinha acertado", ou pelo menos , "surgido efeito" pelo que efetuou um segundo disparo. Foi aqui que Odair caiu no chão, "de barriga para cima". "Senti segurança", afirma: "Passado um bocado olho para a vítima, que já não representava ameaça a mim e ao meu colega, e acho estranho porque se lhe tivesse acertado na perna se calhar estaria a gritar e depois achei mais estranho ainda porque ele não responde". 

Ainda assim o agente garante que Odair "se encontrava a respirar" e que lhe mediu a pulsação.  

A viúva de Odair Moniz encontra-se na sala a ouvir este relato e está visivelmente emocionada, chegou mesmo a ter de abandonar a sala. 

Só uns momentos mais tarde é que Bruno Pinto verificou que existia um ferimento na zona do tórax e não dois nas pernas, para onde acreditava ter disparado. 

Avaliando a sua experiência na Cova da Moura, Bruno Pinto considera que "apesar de terem passado apenas dois anos e pouco" mantinha já relações com alguns dos moradores, "com os quais se dava bem" e que tinha por norma atuar de forma "calma". No entanto afirma que nem sempre as reações eram calmas.

Questionado por outro juiz, Bruno Pinto acaba por referir que desde que chegou à esquadra da Damaia não teve mais formação de tiro, ou seja, desde que saiu da escola da polícia não tinha sido chamado para formação contínua.

Bruno Pinto fala de uma "entreajuda local" que torna a zona onde os confrontos decorreram mais perigosa devido "à presença dos jovens no cimo da rua que passam a noite a vender estupefacientes".

"Acredito que tivesse sido esfaqueado", afirmou o arguido quando questionado sobre se teria sido necessário utilizar a arma de fogo.

As imagens das câmaras de vídeovigilância, onde é possível ver toda a ocorrência foram transmitidas na sala de audiências e acompanhadas por um silêncio quase ensurdecedor, apenas cortado pelos choros da família de Odair Moniz.

Depois das imagens serem mostradas uma terceira vez, nas duas últimas com a descrição de Bruno Pinto, o juiz questiona se o agente alguma vez quis este desfecho e, mais uma vez emocionado, Bruno Pinto responde que não.

O procurador questiona agora se o agente da PSP acha possível ter apontado a arma para a parte inferior do corpo de Odair e ter acertado da zona do tórax. Além disso é questionado como é que, estando tão próximo da vítima, poderia haver dúvidas de que o primeiro disparo não tinha atingido Odair Moniz.

"Optei pela minha vida e pela do meu colega", começou por referir Bruno Pinto. Esta é uma questão leva alguns minutos a esclarecer, e parece não ficar totalmente esclarecida para o procurador. O arguido garante que disparou as duas vezes contra a parte inferior do corpo de Odair Moniz e que achava que o primeiro disparo não o tinha atingido.

O procurador questiona Bruno Pinto sobre "acha proporcional os meios empregues e o uso da força utilizada" numa ocorrência que começou com um flagrante delito em condução rodoviária e acaba com uma morte. Ao que o arguido volta a referir as atitudes "astutas" de um suspeito que se soube entrar no bairro onde poderia ter auxílio.

Sobre a questão da faca, Bruno Pinto acaba por se contradizer e afirma agora que tem "a certeza de que era uma faca".

Na resposta às questões do advogado de defesa Bruno Pinto voltou a referir que chegou a temer pela sua vida e explica a forma como a formação de tiro é feita na PSP. Tratam-se de alvos estáticos a 5 e 7 metros: “Costumamos dizer que os autos parecem anões a voar. São placas de madeira em têm fixo o alvo e a estrutura pode estar a esta altura [aponta para cerca de um metro] e um alvo da zona dos joelhos para cima. Parece um anão a voar”.

Sobre o que aconteceu depois da morte de Odair Moniz o arguido recorda que "por ordem superior” foi para o hospital com queixas no ombro direito, de forma "preocupante", o maxilar pisado e tinha um arranhão no pescoço de um lado ou outro "que não ficou registado em lado nenhum".

A descrição do Ministério Público

Na madrugada de 21 de outubro de 2024, o cozinheiro cabo-verdiano estava a sair do interior da Cova da Moura em direção à avenida 25 de Abril, na Amadora, quando avistou uma viatura da polícia e mudou a trajetória da marcha passando um traço contínuo. Nesse momento, o carro de patrulha onde se encontravam os agentes da PSP Bruno Pinto e Rui Machado iniciou uma perseguição a Odair Moniz, que se manteve em fuga e voltou a entrar na Cova do Moura pela rua 8 de Dezembro. 

Já dentro do bairro, Odair perdeu o controlo e despistou-se batendo em três carros estacionados na Rua Principal. Foi aqui que saiu do carro e começaram os confrontos físicos entre o arguido e Odair Moniz, a dificuldade em imobilizar o cabo-verdiano levou Bruno Pinto a disparar para o ar duas vezes, o que não demoveu Odair Moniz de tentar fugir e de resistir à detenção. Já quando se encontravam a uma distância de apenas 20 a 50 centímetros, Bruno Pinto disparou a arma para a zona do tórax da vítima. Como Odair permaneceu em pé, Bruno Pinto andou uns passos para trás voltou a disparar, desta vez contra a parte superior da perna direita. 

Mais tarde. os exames toxicológicos demonstraram que a vítima se encontrava com uma concentração de álcool no sangue de 1,98 gramas por litro e uma concentração de canabinóides de 1 nanogramas por mililitro.

Processo por falsidade de testemunho  

Relativamente ao mesmo caso existe outro processo em que , pelo Ministério Público, do crime de falsidade de testemunho, por ambos terem referido, no processo que investigou a morte de Odair Moniz, que viram uma faca debaixo do seu corpo.  

Segundo o despacho final deste processo, a que o NOW teve acesso, a procuradora Patrícia Naré Agostinho recorda que os agentes Rui Machado, que se encontrava a fazer a patrulha com Bruno Pinto, e Daniel Nabais, “aquando da sua inquirição como testemunhas”, afirmaram “que viram o punhal por baixo do corpo de Odair Fernandes e o deixaram lá” o que “não corresponde à verdade”.  

A realidade é que depois de serem realizados exames periciais ao punhal presente no local não foi encontrado qualquer vestígio de Odair Moniz, mas no final da investigação, apesar da existência de câmaras de videovigilância na zona da Cova da Moura, não foi possível apontar um responsável pela eventual colocação no punhal na cena do crime. O jornal Público avançou também que as filmagens de uma testemuna e da videovigilância da Rua António Aleixo revelam que o punhal apenas aparece nas imagens de Odair estar caído no chão.

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