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Os 5 pontos-chave na audição de Medina (que não desfez as dúvidas)

O ministro das Finanças levava duas prioridades à comissão de inquérito da TAP: demonstrar que nada sabia sobre a indemnização paga a Alexandra Reis e que a sua decisão de despedir a CEO da TAP com justa causa é juridicamente sólida. Em ambas as frentes, Fernando Medina não conseguiu dissipar as dúvidas.

O ministro das Finanças, Fernando Medina, era o último a ser ouvido na comissão de inquérito sobre a gestão da TAP e levava duas prioridades: demonstrar que nada sabia sobre a indemnização paga a Alexandra Reis – cuja nomeação por Medina foi central para a dimensão que o caso ganhou – e que a sua decisão de despedir a CEO da TAP com justa causa não expõe os contribuintes a um risco elevado de derrota em caso de litigância. Em ambas as frentes, o ministro não conseguiu dissipar as dúvidas ao longo das quase sete horas de audição. Vamos por partes.

1. Medina não sabia da indemnização, mas conhecia as divergências

Fernando Medina assumiu a responsabilidade da escolha de Alexandra Reis – disse que não foi Pedro Nuno Santos, mas não adiantou quem recomendou a gestora – e justificou-a com o facto de corresponder ao perfil desejado: experiência na gestão de empresas públicas e no setor privado. Reis, diz o ministro, "não era uma desconhecida do universo do Ministério das Finanças", uma vez que fora "administradora de duas empresas públicas", a TAP e a NAV. Para Medina "não havia nada que contraindicasse sobre o desempenho da sua função".

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Quando Hugo Carneiro, deputado do PSD, lhe perguntou se uma "eventual saída da TAP em divergência com a CEO indo depois Alexandra Reis tutelar a TAP não podia gerar um problema nessa tutela", o ministro admitiu ter tido conhecimento dessas divergências. "Depende da natureza das divergências (…) são muito frequentes em todos os contextos e, muitas vezes, desaparecendo o contexto que gera essa divergência a divergência em si desaparece", afirmou Medina. "A minha preocupação era sobre se existiam divergências estratégicas, isso sim tornaria o convite… o convite não teria acontecido", acrescentou.

A resposta sugere queo ministro das Finanças conhecia as divergências entre Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener, que levaram a que a então CEO da TAP avançasse para despedir a gestora da qual discordava. Mais à frente na audição, o ministro diria que a "informação que tinha era muito difusa", mas chegou a dar exemplos das divergências, como a localização da sede da TAP e a despesa na nova frota de automóveis. As duas gestoras, Reis e Ourmières-Widener, divergiram sobre essas divergências – para a CEO da TAP estas eram mesmo sobre questões estratégicas.

Apesar deste conhecimento – e do conhecimento que referiu que as Finanças tinham da gestora, com quem tinham uma relação "forte" de trabalho –, Fernando Medina manteve que só soube da saída com indemnização a Alexandra Reis quando o Correio da Manhã lhe perguntou sobre o tema a 21 de dezembro do ano passado. Mesmo sobre a conversa inicial que teve com Alexandra Reis, antes de formalizar o convite, manteve que não falou sobre a TAP – a gestora, na sua audição, disse o mesmo.   

2. Medina fugiu a responder sobre quando soube do ok do Governo à indemnização

Dias depois de o escândalo da indemnização rebentar, com a notícia do Correio da Manhã, Fernando Medina e Pedro Nuno Santos emitiram um despacho conjunto no qual exigiam esclarecimentos à TAP sobre o enquadramento jurídico para a indemnização e para o respetivo valor. Desde então tornou-se público que o ministério de Pedro Nuno Santos não só acompanhara todo o processo de saída de Alexandra Reis, como o aprovara, a ponto de um secretário de Estado desse mesmo ministério estar na equipa da TAP que respondeu ao despacho do Governo.

Os deputados quiseram saber se Fernando Medina não soube, antes do despacho, que o ministério das Infraestruturas aprovara a indemnização sobre a qual estava a perguntar – mas não foi fácil ter uma resposta de Medina. "A informação de que tinha havido autorização do Ministério das Infraestruturas para o pagamento dos 500 mil euros, teve essa informação quando foi tornada pública ou antes?", perguntou o deputado Pedro Filipe Soares do BE. "Não lhe consigo precisar", respondeu o ministro. O ministro também não soube responder se falou a então CEO da TAP antes de emitir o despacho (embora se tenha lembrado de falar com a gestora depois do despacho). "Não lhe posso responder com rigor a essa questão", afirmou mais do que uma vez.

É pouco provável que o ministro não tenha sabido mais sobre o envolvimento do Governo na indemnização, uma vez que admitiu – sem grande detalhe – que a própria Alexandra Reis lhe explicou os contornos do caso quando surgiram as perguntas do Correio da Manhã. Medina, contudo, centrou as suas afirmações no despacho, evitando a todo o custo responder se antes de o emitir já conhecia as respostas que estava a pedir à TAP.

3. Medina desmente Christine – e aposta tudo na IGF

A decisão de demitir Christine Ourmières-Widener com justa causa foi comunicada pelo ministro à gestora numa reunião a um domingo, a 5 de março deste ano, afirmou Fernando Medina. A afirmação contradiz diretamente a da ex-CEO da TAP, que na sua audição disse que não foi informada da intenção de a despedir com justa causa, facto que ficou a conhecer ao mesmo tempo que os portugueses, quando o Medina (ao lado do ministro João Galamba) anunciou numa conferência de imprensa a decisão de demitir a gestora com justa causa.

Fernando Medina recuou nas palavras usadas, dizendo que isso foi um "anúncio de uma intenção" e que a decisão só foi tomada formalmente mais tarde. Sobre a justificação para o despedimento com justa causa, o ministro centrou tudo no relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), que considerou ilegal o despedimento e apontou várias falhas no reporte dessa decisão à tutela das Finanças. Quando interrogado sobre se tinha mais algum parecer jurídico – a questão do parecer foi alvo de informação contraditório dentro do próprio Governo –

Medina foi claro: o relatório da IGF é "muito mais sólido do que qualquer parecer jurídico". Mais: "É a base única" para avançar com o processo de demissão. Não há necessidade de nenhum parecer adicional", acrescentou. O ministro reiterou que o Governo não procurou a assessoria de firmas privadas, tendo enquadrado a participação da Vieira de Almeida numa reunião sobre a TAP como decorrente do facto de esta ser assessora da Parpública (não tendo sido contratada para robustecer a decisão). O trabalho, segundo o ministro, foi todo feito dentro de casa: pela IGF e, depois, pelos juristas do JurisApp, que trabalha na Presidência do Conselho de Ministros.

4. Christine, Reis, Pedro Nuno não tiveram dolo, diz o ministro

Outro dos pontos relevantes das cerca de sete horas de audição foi a repetição por Fernando Medina de que nenhum dos envolvidos teve dolo nas decisões que levaram à saída de Alexandra Reis da TAP, com 500 mil euros brutos de indemnização. "Tenho a convicção profunda de que todos os envolvidos no processo agiram na convicção de que o estavam a fazer no cumprimento da lei", afirmou o ministro das Finanças. "Infelizmente não estavam", acrescentou de cada vez que foi dizendo que os envolvidos não tiveram dolo.

A referência de Medina abarca os seus ex-colegas de Governo – Pedro Nuno Santos e Hugo Santos Mendes –, mas também os gestores da TAP que despediu com justa causa. É incerto se as afirmações repetidas do ministro sobre a falta de dolo não enfraquecem a posição do Governo sobre a justa causa, num despedimento que será contestado em tribunal por Christine Ourmières-Widener. A dada altura na audição, Fernando Medina abordou este ponto para sublinhar que, com ou sem dolo, as decisões tinham sido consideradas ilegais pela IGF e que o facto de a indemnização ter sido aprovada por um membro do Governo "não faz diferença" para essa apreciação. Resta saber o que dirão os tribunais.

5. Medina protege Pedro Nuno

O ministro das Finanças não tirou o tapete ao seu ex-colega das Infraestruturas, que lidera informalmente uma tendência no PS oposta à de António Costa. Medina disse bem a relação que teve com Pedro Nuno Santos enquanto partilharam a tutela da TAP, não se descoseu sobre o que o ministro terá ou não contado antes da emissão do despacho conjunto a 26 de dezembro e validou a escolha que o seu ex-colega fez quando pôs Alexandra Reis na NAV, meses depois de esta ter saído da TAP com uma indemnização.

Durante a audição ninguém conseguiu levar o ministro a admitir o que não queria admitir, o que significa que Fernando Medina passou o teste da sua audição – embora, tal como no caso de João Galamba, que tem contornos diferentes, não tenha conseguido afastar as dúvidas sobre o seu grau de conhecimento e responsabilidade no que se passou.

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