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"Não sinto necessidade de rever" o acordo com PCP e BE, diz Costa

Na entrevista de balanço do primeiro ano de mandato, o primeiro-ministro fala sobre o acordo com PCP e BE, o crescimento económico e a politica internacional, incluindo a reacção à vitória de Donald Trump

O primeiro-ministro, António Costa, garante que não está refém dos partidos de esquerda que apoiam o Governo socialista no ímpeto reformista do Estado social e assegura não ter necessidade de rever a declaração conjunta assinada com o Bloco de Esquerda.  

 

Em entrevista à Lusa onde fez o balanço do primeiro ano de Governo, António Costa foi confrontado com a intenção da direcção do Bloco de Esquerda de proceder a prazo a uma "revisão" e "actualização" da declaração conjunta que assinou no ano passado com o PS - uma ideia que não foi seguida pelo PCP.

 

Neste ponto, o primeiro-ministro defendeu que o seu horizonte "é de médio prazo e tem como objectivo atacar os bloqueios estruturais que têm estagnado a economia portuguesa desde o princípio do século - uma estratégia que consta na Agenda para a Década e que no essencial está traduzida no Programa Nacional de Reformas". "Em segundo lugar, temos o Programa do Governo, que cobre só uma parte da Agenda para a Década, que tem como horizonte apenas esta legislatura, cujo cumprimento se iniciou já numa parte muito significativa. Uma parte importante já está concretizada, mas cerca de um terço do programa do Governo ainda nem sequer se iniciou ao nível de execução", salientou.

 

Por isso, na perspectiva de António Costa, as posições conjuntas que o PS assinou com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV são só uma parte do programa do Governo".  "São uma parte importantíssima, decisiva, sem a qual o Governo não existiria, mas são só uma parte. Portanto, não tenho essa ideia de que está tudo feito, porque temos grandes desafios pela frente e vamos continuar a trabalhar nesse sentido", respondeu.

 

António Costa referiu depois que a sua "carta de navegação é muito simples: Cumprir o programa do Governo, cumprir o Programa Nacional de Reformas e isso seguramente excede o horizonte da legislatura". "Portanto, não sinto necessidade de haver nenhuma revisão relativamente a qualquer tipo de acordo. No entanto, se qualquer partido tem alguma proposta a apresentar nesse sentido, não criaremos dificuldades e sentar-nos-emos à mesa, até porque falamos com muita regularidade com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda, avaliamos a execução dos compromissos e felizmente todos nos sentimos confortáveis face à forma como nos temos empenhado de boa-fé na execução desses compromissos", advogou.

 

Questionado se o PS está bloqueado na sua capacidade de fazer reformas em áreas do Estado social face às posições "conservadoras" do Bloco de Esquerda, PCP e PEV nessas áreas, o primeiro-ministro contrapôs que "o PSD e o CDS-PP chamam reformas à destruição do Serviço Nacional de Saúde e ao fim da escola pública". "Pergunto qual é a medida que consta do programa do Governo que não estamos a executar por falta de apoio parlamentar, ou qual é a medida que estamos a executar contra o programa eleitoral do PS? Estamos a executar as reformas, mas as nossas reformas e não as deles [PSD e CDS-PP]", defendeu.

"Quarto trimestre será melhor do que o terceiro"

 Na entrevista, António Costa sustentou que o País já "inverteu o ciclo descendente" no crescimento económico que vinha do segundo semestre de 2015, que as exportações e o investimento têm vindo a aumentar "e, mais importante do que tudo, o desemprego tem vindo a cair". "Temos mais 90 mil empregos do que há um ano e foi possível encontrar uma solução que ofereceu ao país estabilidade política e social e que nos vai permitir ter, ainda por cima, o melhor exercício de consolidação orçamental dos últimos 42 anos. Se estivéssemos no final do mandato, poderíamos fazer um balanço francamente positivo, mas estamos só no primeiro de quatro anos de mandato", advertiu.

 

Interrogado sobre as razões que justificam um crescimento bem mais baixo em 2016 do que inicialmente foi estimado pelo PS, o primeiro-ministro alegou que o cenário macroeconómico dos socialistas "foi feito no primeiro trimestre de 2015, quando o País registava um crescimento significativo".

 

Agora, segundo o primeiro-ministro, "o crescimento tem vindo a acelerar, com o segundo semestre deste ano a ser melhor do que o primeiro e o terceiro a ser melhor do que o segundo". "E tenho confiança que este quarto trimestre será melhor do que o terceiro", advogou.

 

Questionado se a aposta do seu Governo na evolução do consumo interno como motor da economia não ficou aquém das estimativas iniciais, o líder do executivo afirmou que, "ao contrário do que a direita dizia", nunca defendeu um modelo de substituir as exportações pela procura interna. "Tínhamos sim uma prioridade definida que era a reposição do rendimento das famílias e a razão fundamental, em primeiro lugar, teve a ver com a dignidade. O trabalho deve ser dignamente remunerado, os direitos dos pensionistas devem ser respeitados - e o Tribunal Constitucional aliás disse-o claramente. Não é possível manter cortes de pensões e de vencimentos para além do que foi o período extraordinário [da 'troika']", vincou.

 

António Costa considerou depois "extraordinário que agora a direita diga que o País está a crescer, mas não com base na procura interna". "Pergunto o seguinte: A procura interna seria maior actualmente se este Governo não tivesse reposto os vencimentos e as pensões e se não se tivesse reduzido a carga fiscal? Temos vindo a crescer com uma acção combinada com o aumento das exportações - exportações que a direita dizia que iam deixar de existir porque íamos dar cabo da competitividade, mas, afinal, já sabemos que estão a subir acima de 6% ao longo de todo este ano, mesmo com quebras significativas em mercados tão importantes como o angolano ou brasileiro", declarou.

 

Neste ponto, o primeiro-ministro aproveitou para elogiar a "enorme capacidade" das empresas nacionais de diversificarem os mercados para onde exportam, registando-se mesmo "um excelente desempenho nos mercados mais exigentes".

 

Já sobre a evolução do consumo interno, António Costa admitiu que as medidas de reposição de rendimentos e de redução da sobretaxa de IRS poderão não se ter traduzido imediatamente num aumento da procura interna. "Certamente, muitas famílias tinham sistemas de endividamento informal que aproveitaram para ir resolvendo ao longo deste ano", justificou.

Ordenado mínimo? Que haja acordo em concertação

Para ajudar a qualidade de vida das famílias, o primeiro-ministro anunciou que o Governo vai propor que o salário mínimo aumente para 557 euros em 2017. Porém, avisou estar aberto a que, em concertação social, se encontre um acordo que ainda "melhore" a sua evolução até 2019.

 

"O programa do Governo é claro sobre qual o montante a propor na concertação social em relação ao aumento do salário mínimo nacional, tendo em vista alcançar o objectivo de haver um salário mínimo de 600 euros em 2019. Para o próximo ano, o Governo proporá que seja de 557 euros", declarou o primeiro-ministro.

 

Neste ponto, o líder do Executivo salientou como princípio que o salário mínimo "é fixado pelo Governo", embora se deseje que tal possa ser concretizado com base em concertação social. "E desejamos até que possa haver um acordo de médio prazo que fixe uma trajectória de evolução do salário mínimo nacional. Se os parceiros sociais acordarem um outro aumento, com uma trajectória de evolução que permita ir mais longe dos que os 600 euros em 2019 e mais longe do que os 557 euros em 2017, qual a razão para o Governo dizer o contrário?", questionou António Costa.

 

Interrogado se o Governo poderá estar a violar um dos princípios da declaração conjunta PS/Bloco de Esquerda caso aceite em concertação social aumentos faseados (não necessariamente com vigência a partir de 1 de Janeiro) e com uma evolução diferente ao nível de montantes até 2019, o primeiro-ministro afastou qualquer problema nesse nível político.

 

"A declaração conjunta com o Bloco de Esquerda está transcrita no programa do Governo. Diz que o Governo proporá em concertação social que a actualização do salário mínimo nacional seja de 557 euros em 2017, 580 euros em 2018, de forma a atingir os 600 euros em 2019", vincou.

Governos liberais também querem mudanças

A situação da política europeia é outra das preocupações de Costa, que espera que Hollande e Renzi continuem a prazo a liderar respectivamente a França e Itália. "Temos de trabalhar com quem está [no Conselho Europeu] e, para já, Renzi está lá, Hollande também está lá e espero que lá continuem, assim como outros se juntem. Porém, não tenho só encontrado nos socialistas a vontade de reforma, mas também em outros líderes de governos liberais e do Partido Popular Europeu (PPE)", frisou o secretário-geral do PS.

 

Já sobre a saída do social-democrata germânico Martin Schulz da presidência do Parlamento Europeu, para se candidatar a chanceler nas próximas eleições gerais alemãs, Costa respondeu: "Aos amigos desejamos sempre as maiores felicidades do mundo por maior que seja o desafio em que se lançam".

 

"Martin Schulz faz sempre falta no sítio onde deixa de estar, assim como fará falta no sítio onde possa não estar. Se pudesse acumular ser chanceler alemão e presidente do Parlamento Europeu era mesmo a síntese ideal", declarou.

 

Questionado se não adoptou uma linguagem politicamente correta na sua reacção à vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, António Costa salientou a importância da diplomacia entre países aliados e com relações históricas. "É o que se espera de um primeiro-ministro. Nunca direi uma coisa diferente do politicamente correto relativamente a qualquer representante de um Estado estrangeiro. É o que se deve esperar de um primeiro-ministro", sustentou.

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