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Do assédio à guerra na Ucrânia. As polémicas de Boaventura Sousa Santos

Márcia Sobral
Márcia Sobral 14 de abril de 2023 às 11:05
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Sociólogo já se pronunciou sobre as acusações de assédio sexual de que foi alvo e diz estar a ser vítima de uma vingança comandada por uma das autoras do artigo que o visa. Mas esta está longe de ser a primeira vez que vê o seu nome envolvido em polémica.

Boaventura Sousa Santos, antigo diretor do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, viu esta semana recaírem sobre siacusações de assédio sexual por parte de três ex-alunas

Marisa Cardoso / Sábado

A denúncia surgiu - sem nunca referir o nome do professor catedrático ou a instituição onde se passaram os casos relatados- no artigo "The walls spoke when no one else would" (as paredes falaram quando mais ninguém o fazia) incluído no livro Sexual Misconduct in Academia (má conduta sexual na academia), publicado a 31 de março pela editora inglesa Routledge. O texto encontra-se assinado pela investigadora portuguesa Catarina Laranjeiro e por duas ex-colegas no CES, a belga Lieselotte Viaene e a americana Miye Nadya Tom.

Porém, no mesmo texto eram abordadas outras acusações como o facto de o Star Professor - como é identificado no texto - "obrigar os seus estudantes a citá-lo extensivamente ao usar a sua estrutura conceptual e analítica como a principal referência académica" ou aproveitar "o trabalho dos investigadores juniores", conduta que no entender das autoras "explica como consegue assinar sozinho dezenas de artigos e capítulos de livros por ano enquanto dá conferências e aulas pelo mundo".

Certo é que esta não foi a única acusação nesse sentido. Em julho de 2020, nas redes sociais, o professor catedrático era acusado de plágio pela autora Sayak Valencia. Em causa estavauma entrevista concedida pelo português à ethic.

"Que dececionante que Boaventura Sousa Santos se aproprie do meu conceito de Capitalista Gore e não reconhece a minha autoria. Não foi um simples descuido porque ele diz literalmente: o que eu denomino como Capitalismo Gore. Em vez de referir-se nesta entrevista a conceitos de outros autores, ele atribui a ele o crédito correspondente. O nome disto é plágio, aqui e na China. Mais ainda tendo em conta de que nós tivemos uma conversa, há dois anos, na Ibero CDMX, onde lhe falei desta terminologia", terá afirmado a autora citada pela páginaArte X Arte Independiente.

De acordo com a mesma publicação, o texto terá sido posteriormente alterado, passando a ler-se "é o pior cenário possível, o que Sayak Valencia chama de capitalismo sangrento, muito violento, que vai matar muita gente".

Mas o nome de Boaventura Sousa Santos ficou também associado a José Sócrates, na sequência de um artigo da revista Visão que dava conta de que o ex-primeiro-ministro português havia saído do País por mais de cinco dias sem o justificar ao Tribunal de Lisboa, algo a que estava obrigado por estar sob termo de identidade e residência na sequência do processo da operação Marquês.

A notícia surgia depois de terem sido publicados vários vídeos no YouTube. Num deles, de março de 2022, Boaventura de Sousa Santos é visto a participar num debate com José Sócrates e o ex-ministro da Educação do Brasil, Tarso Genro, onde abordavam a guerra da Ucrânia. Já no mês seguinte, os dois portugueses participavam num outro fórum brasileiro, o Novo Giro das Onze, onde fizeram uma análise política internacional.

À data, José Sócrates dava conta de que a justiça dispunha da sua morada, razão pela qual não se sentia "obrigado a comunicar ao tribunal nada mais que não seja o meu termo de residência". "Agradeço o interesse com que alguns jornalistas seguem a minha vida privada mas não pretendo discuti-la com estranhos. Sete anos de devassa judicial bastaram", concluía.

Longe dos fóruns brasileiros, a opinião do sociólogo sobre a guerra da Ucrânia esteve também debaixo de mira por considerar que "provocar Putin e incitá-lo a agir militarmente sempre foi o plano de Washington" e que a "União Europeia, sem liderança" tinha caído "na armadilha".

Em março do ano passado, o professorassinava um artigo de opiniãoonde concluía que os atuais líderes europeus "ficarão na história como as lideranças mais medíocres que a Europa teve desde o fim da Segunda Guerra Mundial" por não terem sabido "tratar das causas da crise da Ucrânia". Um conflito que, no seu entender, "estava a ser preparado há muito tempo tanto pela Rússia como pelos EUA" que teriam como objetivo "provocar a Rússia e neutralizar a Europa (sobretudo a Alemanha)".

Na origem da ação russa estavam ainda várias justificações como "a expansão da OTAN [NATO] para leste, contra o que tinha sido acordado com Gorbachev em 1990" e "a violação dos acordos de Minsk".

"Note-se que a Rússia começou por não apoiar a reivindicação da independência de Donetsk e Lugansk depois do golpe de 2014. Preferiu uma forte autonomia dentro da Ucrânia, como está estabelecido nos acordos de Minsk. Estes acordos foram rasgados pela Ucrânia com o apoio dos EUA, não pela Rússia", considera o autor.

Boaventura Sousa Santos termina esclarecendo que, no seu entender, "a OTAN devia ter sido desmantelada logo que acabou o Pacto de Varsóvia" de forma a que a União Europeia pudesse criar "uma política e uma força militar de defesa que respondesse aos seus interesses, e não aos interesses dos EUA".

"Que ameaça havia para a segurança da Europa que justificasse as intervenções da OTAN na Sérvia, em 1999, no Afeganistão, em 2001, no Iraque, em 2004, na Líbia, em 2011? Depois de tudo isto, será possível continuar a considerar a OTAN uma organização defensiva?"

Num outro texto, publicado na Visão, o sociólogo afirmava que "o autor remoto" da guerra eram os Estados Unidos da América, uma vez que, "tal como aconteceu no fim da II Guerra Mundial, a crise económica na Europa significa um boom para a economia norte-americana".

Os benefícios seriam notórios "na indústria militar de vários países" com os Estados Unidos da América a ter "ao seu dispor um novo campo de intensa militarização que lhe foi oferecido pela trágica decisão de Putin".

"O mundo vai estar mais polarizado do que nunca entre os EUA e a China. Os EUA continuarão o seu declínio histórico e aumentarão a sua agressividade para garantir zonas de influência. Acabam de consumar a conquista da Europa, uma oferta de Putin. No futuro, as regiões do mundo que, por qualquer razão, não se quiserem alinhar inteiramente, vão ter mais dificuldades para o conseguir".

Já sobre a não condenação da invasão pelos partidos comunistas, Boaventura Sousa Santos atira: "Não se terão dado conta de que Putin é um líder conservador próximo da extrema-direita europeia, crítico de Lenine e com contactos privilegiados com Marine Le Pen e Donald Trump?".

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