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Com greve geral à vista, especialistas não têm dúvidas: "Nova lei vai mais ao encontro do empregador"

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Entre as mais de 100 propostas de mexidas ao Código do Trabalho, a socióloga Anabela Vogado e o advogado Frederico Assunção avaliam as mais sensíveis. Caso sejam implementadas, os trabalhadores saem prejudicados, dizem ambos à SÁBADO.

A proposta do Governo de revisão ao Código Laboral ainda não chegou ao Parlamento, mas as centrais sindicais já reagem. Entre as mais de 100 eventuais mexidas à lei do trabalho, previstas no anteprojeto, algumas têm gerado polémica, nomeadamente o alargamento dos contratos a prazo, do período experimental e das causas para despedimento; o banco de horas individual; o fim das limitações ao outsourcing; a compra de dias de férias; as restrições às licenças de parentalidade e de amamentação; e a flexibilidade no processo de despedimento. Na sequência da greve geral anunciada no passado sábado (dia 8) para 11 de dezembro, e que junta, 12 anos depois, a CGTP e a UGT numa paralisação conjunta (a última foi a 27 de junho de 2013), a SÁBADO ouviu uma socióloga e um advogado da área. Preveem-se tempos agitados, dizem ambos, caso as medidas sejam implementadas. 

Manifestantes protestaram no passado sábado, dia 8, contra o anteprojeto do Governo para a revisão da legislação laboral
Manifestantes protestaram no passado sábado, dia 8, contra o anteprojeto do Governo para a revisão da legislação laboral António Cotrim/Lusa

A socióloga do trabalho Anabela Vogado tem dado particular atenção à área nas últimas décadas: exerce funções em estruturas do movimento sindical da CGTP, desde 2003; é técnica superior do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL): membro da comissão de concelhia de Sintra pelo PCP; e foi representante dos Trabalhadores para Segurança e Saúde no Trabalho de 2014 a 2017. Começa  por dizer à SÁBADO que o anteprojeto  "traduz um enorme retrocesso civilizacional e um ajuste de contas com os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores, consagrados na Constituição – como o direito à estabilidade e segurança no emprego, o direito à conciliação entre a vida profissional e familiar, o direito à greve, à liberdade sindical, à contratação coletiva." E reforça: "No fundo, é um ataque ao trabalho como pilar da democracia e ao papel central que ocupa na formação do indivíduo coletivo." 

Para o advogado de Direito do Trabalho, Frederico Assunção (da firma Dantas Rodrigues & Associados), as propostas em cima da mesa "vão mais ao encontro do empregador", diz à SÁBADO. Todavia, acrescenta, "o desafio está precisamente em equilibrar esta relação entre entidade empregadora e trabalhador, numa ótica de flexibilizar sem precarizar." Seguem-se as respostas dos dois especialistas às questões mais urgentes. 

1Quais as etapas que se seguem?

Frederico Assunção explica os timings. O diploma será apresentado aos  deputados a partir de 27 de novembro, por altura da votação final do Orçamento do Estado para 2026.  Sendo uma iniciativa do Governo, geralmente existe uma fase preparatória em que são consultadas as centrais sindicais (CGTP, UGT), as confederações patronais (CIP, CAP, CCP, CTP) e outros parceiros sociais no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social (no Conselho Económico e Social).

O advogado Frederico Assunção (da firma Dantas Rodrigues & Associados) argumenta: 'O desafio está em equilibrar esta relação entre entidade empregadora e trabalhador, numa ótica de flexibilizar sem precarizar'
O advogado Frederico Assunção (da firma Dantas Rodrigues & Associados) argumenta: "O desafio está em equilibrar esta relação entre entidade empregadora e trabalhador, numa ótica de flexibilizar sem precarizar" D.R.

Podem ser pedidos pareceres técnicos à Comissão Nacional de Proteção de Dados, à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), à Procuradoria-Geral da República, ou outras entidades. Seguidamente, "o Governo aprova a Proposta de Lei em Conselho de Ministros e envia-a à Assembleia da República. A Proposta de Lei é recebida pelo Presidente da Assembleia da República", diz o mesmo advogado. 

Por isso, Frederico Assunção considera "precipitada" a greve de 11 de dezembro. "Penso que é mais uma questão política do que descontentamento laboral. A última [greve] foi no Governo de Pedro Passos Coelho. As centrais sindicais, fortemente ligadas aos partidos e políticas de esquerda, não convocaram qualquer greve geral nos Governos que se seguiram, do PS", diz.

Anabela Vogado contrapõe: "Avançar para uma greve geral não é nunca uma decisão tomada de ânimo leve. Requer muito amadurecimento, muita discussão e um grande envolvimento dos trabalhadores, depois de esgotadas todas as outras formas e, neste caso, tendo como objetivo impedir a aprovação de uma legislação laboral lesiva para os trabalhadores e para a sua organização pessoal e familiar. É uma reação legítima perante a instabilidade e a insegurança." 

2Facilitará o despedimento? 

A socióloga Anabela Vogado acha que sim. "É a facilitação dos despedimentos com a dispensa do ónus da prova imputado ao empregador que evoque justa causa, com a possibilidade que lhe atribui de negar a reintegração do trabalhador quando provado o despedimento sem justa causa ou com o fim das restrições ao outsourcing a legitimar o despedimento coletivo ou a extinção de postos de trabalho para, de imediato, contratar serviços externos que assegurem esses mesmos serviços", argumenta.

A socióloga Anabela Vogado diz que a greve geral 'não é nunca uma decisão tomada de ânimo leve'
A socióloga Anabela Vogado diz que a greve geral "não é nunca uma decisão tomada de ânimo leve" D.R.

Basicamente, o que o Governo propõe é uma maior facilidade de o patronato opor-se ao regresso do trabalhador na empresa, após o despedimento ser considerado ilícito pelo tribunal. "Passa a ter mais ferramentas para impedir a reintegração, alegando factos e circunstâncias que provem que é gravemente prejudicial e perturbador ao funcionamento da empresa", explica Frederico Assunção.  

Desde a crise financeira de 2008 que o processo tem vindo a ser flexibilizado – através do despedimento por inadaptação, ou extinção do posto de trabalho, enquadra o advogado. Os empregadores têm sido mais críticos nas questões de rigidez laboral:  "Argumentam que o nosso direito desincentiva a contratação, especialmente de trabalhadores permanentes, sobretudo por receio das dificuldades e dos custos associados à cessação do vínculo", prossegue.

3Aumenta a precariedade?

Algumas medidas podem contribuir para tal, segundo Frederico Assunção. Por exemplo, é proposto um aumento do período de duração dos contratos a termo para três anos (termo certo) e cinco anos (termo incerto), bem como a possibilidade de três renovações que passam a poder exceder o período inicial de duração do contrato. O advogado aponta: "Certos contratos que até agora passariam para um regime de sem termo ou tempo indeterminado, podem continuar com o termo, facilitando naturalmente a sua cessação."

Os jovens à procura de primeiro emprego podem vir a ser os mais prejudicados e os números já mostram esta realidade crescente, segundo Anabela Vogado: "Portugal tem cerca de 1,3 milhões de trabalhadores com vínculos precários, o que nos coloca entre os países da União Europeia com maior índice de precariedade."

É certo que muitos da nova geração já não querem um "emprego para a vida", nem temem a mudança. Por outro lado, são os mais habilitados de sempre e pretendem reconhecimento profissional. A socióloga é perentória: "Claro que querem melhores condições de trabalho, mais salários e benefícios. Se o país não lhes proporciona isso, tenderão a emigrar e a procurar oportunidades onde elas existem, seja na Alemanha, nos Países Nórdicos, no Canadá." 

4Qual o impacto na vida familiar?

Ao restringirem os direitos de parentalidade e de amamentação, as propostas do Governo também "estão a penalizar ainda mais as mulheres e a regredir no plano da igualdade de género", lamenta a socióloga Anabela Vogado. E frisa uma contradição: "Quando tanto se fala na necessidade de promover a natalidade, o Governo empreende esforços em sentido contrário." 

Sobre as novas regras da amamentação, o advogado Frederico Assunção explica: "Considero que são menos favoráveis as alterações, que passam a impor limite de dois anos na dispensa de trabalho para este efeito, bem como a exigência de apresentação à entidade empregadora de um atestado médico comprovando a situação de amamentação, com a antecedência de 10 dias."  Outra medida desfavorável aos direitos parentais "é a proposta de eliminação das faltas por luto gestacional de três dias consecutivos, atualmente concedidos à mãe que não opte por licença por interrupção da gravidez, e que também podem ser gozados pelo pai se a mãe estiver a usufruir desta licença", acrescenta o advogado.

Por fim, também pode ser considerado menos favorável a alteração proposta ao regime de trabalho flexível de trabalhadores "com responsabilidades familiares". O Governo pretende que esse horário deve "ajustar-se às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho noturno ou prestado habitualmente aos fins de semana e feriados".

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