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As bolsas não param de subir: como navegar na euforia?

Os mercados recuperaram das perdas de abril e batem recordes sucessivos, apenas estragados pela queda do dólar. Analistas consideram que as valorizações estão para durar - e deixam recomendações.

Em abril passado, quando o mercado caía ao ritmo mais alto em cinco anos, o tom de muitos analistas era negativo: havia a incerteza das anunciadas pela presidência Trump e o receio sobre o impacto num mercado acionista que, em várias métricas, já parecia sobreaquecido. O que aconteceu, contudo, foi o oposto do que se receava. Desde o ponto mais baixo em abril, o índice norte-americano S&P500 valorizou-se mais de 35% e bateu novos máximos, sendo seguido por várias praças europeias. Apesar de a palavra “bolha” surgir em títulos de colunas nos media especializados, e de a volatilidade ser alta, os observadores dos mercados preveem que as valorizações não estejam perto do fim.

O Pai Natal chegou mais cedo para os investidores - pelo menos até agora.
O Pai Natal chegou mais cedo para os investidores - pelo menos até agora.

“Em março e abril, os investidores tiveram um choque muito grande com o anúncio abrupto das tarifas, mas [para as negociações] e dos acordos a incerteza reduziu-se e os investidores voltaram ao mercado”, explica Pedro Lino, administrador executivo da Optimize, uma sociedade que gere mais de 500 milhões de euros em investimentos. Há empresas caras no mercado, admite o gestor, mas também há um conjunto de fatores que o impedem de falar para já numa bolha. “São razões que levam a prever que o mercado continue a valorizar”, diz.

Desde o início do ano – altura em que o mercado norte-americano atingiu um pico antes da tomada de posse de Donald Trump – o S&P500 está praticamente inalterado (tendo recuperado das quedas profundas de abril), o Eurostoxx50 está a subir 12%, o alemão DAX quase 23% e o CAC francês mais de 8%. Os investidores que têm fundos ou ações norte-americanas só não sentem esta recuperação com mais força porque a desvalorização do dólar “come” parte das valorizações para quem investe em euros – um fundo índice (que replica todo o mercado) como o iShares Core MSCI World, por exemplo, está praticamente inalterado desde o início do ano.

O facto de os Estados Unidos e os países europeus estarem a preparar grandes emissões de dívida sugere um aumento da moeda em circulação e um corte futuro nas taxas de juro, argumenta Pedro Lino – duas condições para canalizar mais dinheiro (agora empatado numa montanha de sete biliões de dólares em fundos no mercado monetário) para as bolsas. A resistência de alguns investidores institucionais de relevo – como a JP Morgan – a entrar num mercado que consideram caro pode também desvanecer-se gradualmente face à pressão (dos clientes e das chefias) gerada por não estar a bordo do comboio das valorizações bolsistas.

A estabilização das guerras comerciais e o eventual fim da guerra na Ucrânia são outros fatores, embora o segundo esteja por concretizar e ainda seja cedo para perceber os impactos do primeiro na economia real. As cotações refletem, em tese, as perspetivas futuras de ganhos das empresas e, pelo menos para já, esta frente tem dois pontos a favor: a promessa de ganhos maiores com a inteligência artificial e os resultados positivos que têm sido apresentados trimestre após trimestre.

“Os resultados continuam a superar as estimativas dos analistas e enquanto os resultados das empresas sustentarem os preços [das ações] para mim não existe bolha”, aponta , que fundou e lidera a Moneylab, uma consultora de finanças pessoais. As empresas, sustenta Barroso, “estão a mostrar que conseguem navegar nesta economia e os analistas são obrigados a rever” as suas opiniões – e avaliações.

Bolha? Sim, mas

Há quem tenha uma visão mais crítica sobre o mercado, apontando que as avaliações estão muito altas e que há vários indicadores – o múltiplo entre o preço da ação e os resultados ou o montante recorde que os investidores têm pedido emprestado para transacionar títulos – que sugerem o encher de uma bolha. Mesmo para estes, contudo, a conclusão não aponta necessariamente para uma correção violenta no imediato.

“Os períodos de exuberância louca duram muito mais do que possa esperar”, escreveu este mês no Financial Times o ex-gestor de ativos Stuart Kirk. O colunista dá como exemplo a duplicação das valorizações do índice de empresas tecnológicas Nasdaq em três anos no final dos anos 90, a que se seguiu mais uma subida de 50% num ano. “As avaliações eram loucas e eu não conhecia ninguém que não transacionasse ações. Seguramente era o fim, pensámos muito”, recorda. Mas não: entre o verão de 1999 e o pico em março de 2000 o índice voltaria a duplicar de avaliações, antes do chamado “crash” das “dotcom”.

A forma como essa bolha terminou mostra como uma inovação tecnológica com impacto transformador – naquele caso, a internet – leva frequentemente a entusiasmos excessivos nas avaliações bolsistas. No ciclo atual de crescimento dos preços, a inteligência artificial é essa história: as sete empresas tecnológicas mais expostas ao seu potencial valem já mais de um terço do valor de mercado bolsista das quinhentas que compõem o índice S&P500. A conjugação desta “história” com as valorizações altas abre a forte possibilidade de uma correção alta a prazo – mesmo que seja a médio prazo. “Quanto mais importante é a ideia, mais garantido está, historicamente, que irá atrair demasiada atenção no curto prazo e depois há um crash”, advertiu o histórico gestor e investidor Jeremy Grantham, numa entrevista passado pela financeira Morningstar.

Como navegar? Com tempo

A dificuldade de prever o futuro coloca quem quer investir em ações num dilema – pode perder o comboio das valorizações ou pode estar a entrar no fim da festa. Para os dois especialistas ouvidos pela SÁBADO há um terceiro caminho: ignorar os movimentos dos mercados no imediato e traçar um plano de longo prazo, com reforços regulares, adaptado ao nível de risco que cada um tolera.

“O perfil de risco do investidor não se vê quando o mercado está a subir – o perfil de risco é a tolerância à perda”, nota Bárbara Barroso. Se um perda de 20% na carteira puser em causa a estabilidade financeira do investidor, exemplifica, então a exposição está desadequada (outro analista, David Almas, editor do boletim Tlim, nota igualmente que a exposição é desadequada se o investidor não conseguir lidar, a nível pessoal, com a inevitabilidade da flutuação das cotações).

Tal como Barroso, Pedro Lino considera que tentar adivinhar se o mercado está no fundo ou no topo é um exercício condenado ao fracasso. “Num plano de investimento definido, com reforços regulares, as pessoas vão comprando por entre as subidas e as descidas do mercado – quem o fez este ano, por exemplo, tem performances melhores do que as do índice mundial”, aponta o gestor. Além da relevância de investir em ativos compreensíveis e bem diversificados – como um fundo índice, por exemplo – os dois especialistas enfatizam a necessidade de pôr as emoções de lado. “Não se deve ver as cotações todos os dias”, exemplifica Bárbara Barroso, para quem esse hábito leva a decisões precipitadas. A disciplina é fácil de explicar – mais difícil é cumpri-la.

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