EUA são o quarto maior mercado das exportações nacionais - até aqui, a tarifa média era de 3,5%. Trump anunciou tarifas como retaliação, mas sem explicar onde foi buscar os valores que alega serem cobrados aos EUA. Europa já disse que irá responder. Consumidores e trabalhadores na linha da frente do impacto potencial.
As perspetivas das empresas que têm investido no mercado norte-americano, que se tornou no quarto maior destino das exportações de Portugal, sofreram ontem um revés – o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou uma tarifa de 20% para todos os produtos da União Europeia, afetando diretamente cerca de 10 mil milhões de euros de exportações portuguesas. A taxa média das tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos portugueses esteve estabilizada durante mais de uma década em apenas 3,5%.
AP Photo/Mark Schiefelbein
Os Estados Unidos foram o quarto maior mercado de exportação de bens de Portugal, a seguir a Espanha, França e Alemanha – valem quase 8% do total exportado e para lá foram vendidos produtos no valor de 9,9 mil milhões de euros em 2024, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística. Entre os produtos vendidos há os do setor farmacêutico, os produtos químicos, as máquinas e componentes elétricos, o calçado e os têxteis ou o vinho.
Em várias destas áreas, como o vinho, os EUA são um mercado-chave – no caso do vinho, a administração Trump já tinha ameaçado uma tarifa de 200%, pelo que os 20% serão um motivo de alívio relativo para o setor. As tarifas atuais variam consoante o tipo de produto. Entre 2014 e 2022 mantiveram-se a taxa média de 3,5% no caso das exportações portuguesas, indicou no final do ano passado a AICEP, a agência portuguesa para o comércio externo.
Donald Trump vendeu o dia de ontem como de "libertação" face ao que a sua administração considera ser a "pilhagem" da economia norte-americana pelos seus parceiros comerciais. A União Europeia (UE), um dos maiores blocos comerciais do mundo, foi apontada a dedo pelo presidente dos EUA. "Agora vamos tributar a União Europeia, eles são muito duros", afirmou. "Eles roubam-nos, é tão triste de ver", acrescentou, pondo em 20% a tarifa (ou imposto) sobre os produtos da UE.
Trump indicou que esta taxa é quase metade de uma taxa de 39% aplicada pela UE aos bens norte-americanos - no seu anúncio disse que estava a ser "gentil" e que aplicaria metade do que os outros países cobram aos EUA. Trump, que segurou um cartaz com as tarifas que diz serem aplicadas aos EUA, não explicou este valor de 39%, nem os restantes. A taxa média das tarifas europeias sobre produtos dos EUA é de 3%. A administração Trump tem considerado que o IVA, por exemplo, é uma barreira indireta e é possível que esteja incluído (embora o IVA não discrimine especificamente os produtos dos EUA). Na rede social X, pouco depois do anúncio, vários economistas especulavam sobre como a equipa de Trump chegara aqueles valores. Paul Krugman, na sua página no Substack, classificou as taxas mostradas pelo presidente como "loucas".
As tarifas, que entrarão em vigor a 9 de abril e abrangem (com magnitudes entre 10% e 49%) outros aliados dos EUA, são um ponto de viragem na globalização do comércio. "Uma pessoa tem de recuar quase um século para encontrar aumentos de tarifas comparáveis com o que o presidente está a planear", indicava há dois dias o Peterson Institute for International Economics, um think tank norte-americano.
O presidente americano pareceu abrir a porta à negociação com os países ou blocos afetados, exigindo que estes baixem barreiras e que comprem "biliões em produtos dos Estados Unidos". Do lado da UE, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou esta semana que existe um "plano forte" para retaliar contra os EUA – outros países deverão seguir o mesmo rumo, no que será o potencial escalar de uma guerra comercial. A Europa, contudo, também sinalizou a sua vontade de negociar.
O impacto direto dos aumentos das tarifas sobre as importações será sentido pelos consumidores. A menos que consigam evitar a compra de produtos alvo de tarifas – o que em alguns casos, como o dos automóveis, é difícil dada a origem dos componentes –, acabarão a pagar mais. Este impacto inclui, também, os consumidores de produtos norte-americanos em Portugal – os Estados Unidos exportaram cerca de 2,4 mil milhões de euros em bens em 2024, entre gás natural liquefeito, produtos de tecnologia de consumo, peças para aviões ou medicamentos.
Também os trabalhadores de várias indústrias enfrentam riscos com o abrandamento potencial das exportações e da atividade. A incerteza sobre o impacto, de resto, reflete-se no mercado acionista norte-americano: à hora de fecho deste texto, os futuros do índice S&P500 sinalizavam uma queda próxima de 4% na abertura da bolsa. O índice caiu mais de 10% desde o início do ano.
A administração Trump, que sabia à partida o impacto que as tarifas teriam nos mercados e na atividade económica, tem três objetivos com esta política comercial agressiva: cumprir a promessa eleitoral de acabar com o que retrata como práticas comerciais injustas para os EUA, uma afirmação disputada por vários economistas; aumentar a receita fiscal para ajudar a pagar o corte de impostos sobre o rendimento; e pressionar estados estrangeiros, obrigando-os a negociar neste e noutros tabuleiros.
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"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".