Portugal foi primeiro da Europa a aprovar uma lei que punia a violência obstétrica, mas nem quatro meses passaram e o parlamento volta a discutir mudanças à lei que a podem matar. Associações criticam, mas a classe médica já tinha criticado a sua aprovação.
O PSD e o CDS querem retirar o conceito de violência obstétrica da lei que foi aprovada em março no Parlamento. A proposta, que visa também acabar com a punição prevista para os médicos que realizam episiotomias injustificadas (corte realizado no períneo durante o parto), foi apresentada na semana passada na Assembleia da República e será discutida amanhã, sexta-feira.
Sábado
O que é a violência obstétrica segundo a lei aprovada em março?
No artigo 2º da lei n.º 33/2025, é considerado como violência obstétrica "a ação física e verbal exercida pelos profissionais de saúde sobre o corpo e os procedimentos na área reprodutiva das mulheres ou de outras pessoas gestantes, que se expressa num tratamento desumanizado, num abuso da medicalização ou na patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de proteção na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério". Este é um dos artigos que o PSD pretende ver alterado.
A lei atual partiu de uma proposta do Bloco de Esquerda e do PAN contou com os votos contra do PSD e do CDS e a abstenção do Chega e da Iniciativa Liberal.
Quais os argumentos do PSD e CDS?
O PSD entende que o conceito de violência obstétrica é "excessivamente lato e indesejavelmente vago" e que a sua aplicação "poderia redundar na criação de um inaceitável estigma sobre médicos e profissionais de saúde, incentivando mesmo indesejáveis e perigosas práticas médicas defensivas".
Já o deputado João Almeida do CDS-PP classificou, em entrevista à agência de notícias Lusa, esta lei como "desfasada da realidade, porque introduz um conceito que não existe" e que "não está definido cientificamente".
No mês passado, o partido já havia avançado com um projeto de lei para revogar a atual lei 33/2025. Na altura, o CDS-PP considerou que o conceito de violência obstétrica "não está alinhado com os padrões seguidos noutros países da União Europeia".
Como é nos outros países?
Apesar do termo ser usado em relatórios oficiais do Parlamento Europeu e até da ONU, os profissionais de saúde ainda questionam o seu uso, alegando que a palavra "violência", pressupõe "intenção em causa dano". O que muitas associações de saúde e governamentais contrapõem alegando que um ato pode ser violento, apesar da intenção com que foi realizado. Em abril de 2024, o Parlamento Europeu publicou um documento precisamente sobre a violência obstétrica na União Europeia (UE), a sua prevalência, enquadramentos legais e orientações educativas para a sua prevenção e eliminação.
A primeira evidência é logo a da falta de estudos que revelem a dimensão do problema. Entre os dados disponíveis, foi possível apurar, por exemplo, que 49% de uma amostra de 4.226 mulheres na Bélgica referiu não ter dado o consentimento para os procedimentos durante o cuidado obstétrico, enquanto 40% na Grécia (numa amostra de 3.075 mulheres) foi alvo de uma episiotomia, e só metade consentiram.
Apesar disso, nenhum país tinha na sua lei o reconhecimento de violência obstétrica e ginecológica. Havendo tentativas de enquadrar a prática na Croácia, em França, na Lituânia, em Itália e no Luxemburgo. Portugal chegou a aprovar a lei, sendo o primeiro país da UE a fazê-lo (apenas a Catalunha tem uma lei regional), mas arrisca-se a ter sido apenas durante alguns meses. Assim, estes atos e violações são punidos à luz da lei geral dos direitos dos pacientes, de não-discriminação e violência baseada no género. Os casos mais graves podem mesmo ser julgados pela lei criminal.
Fora da Europa, só a Venezuela, a Argentina e alguns estados do Brasil têm esta matéria na lei.
Em março quando a lei foi aprovada, mereceu a reprovação da Ordem dos Médicos. O organismo defendeu que o termo utilizado deve ser "experiências negativas no parto". "Este termo retira carga. O trabalho não pode ser feito com base conflito", disse na época, à SÁBADO o bastonário Carlos Cortes.
O bastonário lembrou até que a OMS não utiliza o termo "violência obstétrica", referindo-se em vez disso a situações de "abusos, desrespeito, maus-tratos e negligência durante a assistência ao parto". Ainda assim, Carlos Cortes fez notar que não há uma negação do problema [por parte da Ordem dos Médicos], mas sim "uma atitude cautelosa": "Propomos a criação de um observatório independente para a gravidez e o parto, para que seja feito um levantamento sério dos problemas".
O que dizem associações?
Várias associações criticaram na quarta-feira, numa carta aberta, as propostas do CDS-PP e do PSD para eliminar o conceito de violência obstétrica, considerando que a revogação da lei seria um "ato de violência institucional". Para as 23 associações que assinaram o documento, a eliminação do conceito é também "ignorar as vozes das mulheres, é proteger práticas desumanas, é perpetuar a normalização do sofrimento" e pedem que a Assembleia da República rejeite as propostas.
De acordo com este grupo de associações, da qual fazem parte o Observatório da Violência Obstétrica (OVO) e a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a integração do conceito de violência obstétrica "foi o resultado de denúncias, estudos, relatórios e, sobretudo do testemunho corajoso de milhares de mulheres que foram silenciadas durante demasiado tempo".
As várias associações consideraram que deve ser promovido um diálogo sério para melhorar a lei, em conjunto com associações e profissionais de saúde. "Só com escuta ativa e colaboração é possível melhorar a lei e garantir melhores cuidados para todas as mulheres", lê-se na carta aberta.
O que dizem os outros partidos?
O PAN, um dos proponentes da lei original, reagiu à ação dos partidos do Governo apresentando, na quarta-feira, uma proposta de alargamento do conceito legal de violência obstétrica para que inclua a violência psicológica e emocional, a limitação do poder de escolha das mulheres e atos como a administração de fármacos sem consentimento informado.
O PAN pretende também que práticas como a "manobra de kristeller", a administração de medicamentos sem informação consentida ou perdas de mobilidade e autonomia, como a "restrição ao leito", sejam incluídos na lista de atos suscetíveis de serem qualificados como violência obstétrica. O partido propõe também que o relatório anual com dados oficiais sobre satisfação relativamente aos cuidados de saúde e no parto e cumprimento dos planos de nascimento - previsto atualmente na lei - passe a incluir também dados sobre o setor privado de saúde, além do SNS.
Também o Livre e o Bloco de Esquerda submetem propostas no sentido contrário ao que pedem CDS e PSD. No caso do BE trata-se de um projeto de resolução precisamente para a regulamentação da Lei da Promoção dos Direitos na Gravidez e no Parto. Já o Livre apresenta um projeto de lei para reforçar a proteção dos direitos das pessoas gestantes, pretendendo responder a algumas "lacunas" deixadas pela lei aprovada em março.
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