Sábado – Pense por si

Paulo Lona
Paulo Lona Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
16 de dezembro de 2025 às 10:09

A Justiça em Risco na Guiné-Bissau

Por trás desse incidente, revela-se um problema mais profundo: a frágil consolidação do Estado de Direito na Guiné-Bissau.

Nos últimos meses, a Guiné-Bissau tem assistido a uma preocupante escalada de interferências indevidas nas instituições do Estado. Entre os episódios mais graves está a tentativa de setores militares de interferirem na organização e funcionamento do Ministério Público (dissolvendo o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público) — um gesto que, à luz da Constituição guineense, é absolutamente destituído de legitimidade.

A União Internacional de Magistrados de Língua Portuguesa (UIPLP) recordou oportunamente um princípio essencial: nenhuma entidade militar detém competência para alterar a estrutura interna do Ministério Público nem suspender leis da República. Atos dessa natureza são nulos, abusivos e configuram uma clara usurpação de funções públicas.

Trata-se de um alarme institucional que não pode ser ignorado.

Por trás desse incidente, revela-se um problema mais profundo: a frágil consolidação do Estado de Direito na Guiné-Bissau.

A instabilidade política recorrente, associada à persistência de forças armadas habituadas a intervir na esfera civil, tem impedido a consolidação de uma justiça independente e previsível.

O Ministério Público, responsável por garantir a legalidade e combater a impunidade, torna-se um alvo natural de pressões e tentativas de controlo.

A comunidade internacional e os cidadãos devem perceber o alcance desta situação. O enfraquecimento do Ministério Público significa, em última instância, o enfraquecimento da própria democracia. Quando as instituições de justiça deixam de atuar segundo a Constituição e passam a obedecer a interesses de ocasião, o Estado perde o seu eixo de equilíbrio e a sociedade perde confiança no futuro.

A UIPLP, fiel à sua missão, tem reafirmado solidariedade plena com os magistrados guineenses.

A defesa da autonomia e independência do Ministério Público não é apenas uma questão corporativa, mas uma causa civilizacional: sem justiça livre, não há paz duradoura nem desenvolvimento sustentável.

O desafio colocado hoje à Guiné-Bissau é o de afirmar, com coragem e serenidade, que o poder das armas nunca poderá suplantar o poder da lei. E que, mesmo em tempos de incerteza, a fidelidade à Constituição é o único caminho possível para um Estado verdadeiramente justo e soberano.

Deixo expressa aqui a minha solidariedade com os colegas magistrados do Ministério Público e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público da Guiné-Bissau.

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