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"Costa, escuta: o povo está em luta"

Margarida Davim
Margarida Davim 25 de fevereiro de 2023 às 20:37
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O STOP juntou os professores, o movimento Vida Justa saiu à rua pela primeira vez. Duas manifestações, que juntaram milhares de pessoas em Lisboa, e acabaram com gritos de apelo ao Governo e muitos "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais".

Ainda não eram duas da tarde e já uma pequena, mas muito ruidosa multidão se juntava em frente ao Palácio da Justiça, em Lisboa. Em grupos grandes, os manifestantes iam saindo de autocarros e juntando-se ao protesto, com ritmo de festa e bombos. Em cima de um camião, um dirigente do STOP anunciava a proveniência de quem chegava para a manifestação. "Coimbra, Silves, Albufeira, Marinha Grande, Azeitão, Famalicão, Lagos, Sines, Vila do Conde, Setúbal, Funchal, Açores, Guarda, Baião, Póvoa do Lanhoso".

LUSA

A lista continuava e os cartazes mostravam que não eram só aos professores a responder à chamada do STOP: auxiliares de Educação, psicólogos, educadores disseram presente. "A escola está aqui toda representada. Ninguém fica para trás. União pela educação", gritava um sindicalista ao microfone.

Os cartazes que já estiveram noutros protestos, contra o ministro João Costa e o primeiro-ministro António Costa, repetiram-se. Mas desta vez, Fernando Medina e a TAP também vieram para o protesto, para lembrar que "para uns há milhões, para outros só à tostões".

À quarta marcha pela Educação, o número de participantes reduziu-se significativamente, mas quem veio não esmorece. Os slogans estão mais afinados e muitos vieram equipados com buzinas, megafones e apitos para conseguir fazer o máximo de barulho.

Mário Nogueira na manifestação… pela Vida Justa

Alguns metros mais abaixo, no Marquês de Pombal, perto das 15h – a hora marcada para a primeira manifestação do movimento Vida Justa –, ainda as tarjas estavam no chão e havia poucos manifestantes. Em compasso de espera por quem havia de chegar, alguns ativistas montavam pequenas bancas para vender manifestos do partido comunista e crachás de apoio à Palestina ou para recolher assinaturas para um referendo pela Habitação.

Vários jovens tentavam explicar a importância de assinar uma petição que – se chegar às cinco mil assinaturas – poderá desencadear o processo de uma consulta popular em Lisboa para referendar a hipótese de acabar com o alojamento local em todos os imóveis que tenham licença de habitação e não de serviços. "Já temos cerca de mil assinaturas", explicava uma ativista, que pretende chegar "às 7.500" para garantir que o processo avança.

Antes de pegar numa das faixas e iniciar a caminhada até à Assembleia da República, Mário Nogueira ainda teve tempo de comprar um crachá por 1,50 euros. "A manifestação pela Vida Justa estava marcada primeiro", dizia para justificar estar no Marquês e não em direção a Campolide, onde André Pestana distribuía abraços e tirava selfies com professores.

À medida que a manifestação contra a inflação ia ganhando forma, apareciam também outros rostos mais conhecidos. Francisco Louçã, Carvalho da Silva, Daniel Oliveira, João Ferreira e António Filipe do PCP, Inês Sousa Real (com uma delegação do PAN), Jorge Costa e Joana Mortágua do BE e Rui Tavares do Livre eram algumas das figuras mais conhecidas, no meio de um mar de ativistas.

A Braamcamp encheu-se, a organização estimava 10 mil pessoas

Quando a subida para o Rato arrancou, o movimento Vida Justa conseguiu encher toda a avenida Braamcamp. A organização estimava que estivessem 10 mil manifestantes. Desta vez – e ao contrário do que tem acontecido nos protestos de professores – a polícia disse à comunicação social não estar a dar números.

No meio dos ativistas pelo clima, dos movimentos anti-racistas, dos coletivos anti-capitalistas e pela Habitação e dos grupos de defesa de direitos LGBTQIA+, muitos rostos anónimos racializados, com cartazes pedindo a legalização das casas da Cova da Moura ou simplesmente uma "vida justa". Eram os habitantes dos bairros periféricos junto dos quais o movimento Vida Justa faz há meses um trabalho de mobilização.

Sem autocarros alugados para o efeito, as pessoas vieram das periferias pelos próprios meios. Muitas vieram pela primeira vez a uma manifestação. Mas quem fazia mais barulho eram os grupos ativistas mais organizados, numa marcha ruidosa, mas sempre ordeira.

Manifestação pacífica, com uma única vítima: um cartaz anticomunista

Sem sombras dos incidentes que a polícia fez saber temer, um dos momentos altos da manifestação aconteceu já em frente à escadaria do Parlamento, quando um manifestante conseguiu trepar até ao cartaz do +Liberdade onde se lia: "E o comunismo? Foice". Com uma pequena navalha fez o primeiro rasgão na tela. Pouco depois já outros manifestantes lhe seguiam o exemplo até arrancar a frase provocatória.

A multidão reagiu com palmas e começou a gritar "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", num coro que se estendeu por todo o largo espontaneamente.

Manifestantes dos bairros escoltados por medo da polícia

Flávio Almada, um dos organizadores do Vida Justa, subiu a um camião feito palco e falou do que trouxe cada um dos manifestantes àquele que é o primeiro protesto de rua de um movimento que espera ganhar raízes. Quis falar de "coisas concretas", explicou. Afinal, esta era uma manifestação para pedir controlo de preços nos bens essenciais e nas rendas e salários que permitam viver com dignidade. "Já viram os iogurtes? Já viram o arroz?", perguntava. A multidão reagia.

"Queremos emprego. Queremos salário. Queremos dignidade para trabalhar", insistia, falando para quem veio dos bairros da periferia de Lisboa, mas também para os outros. A ideia, explicava, não é dividir entre quem vive em bairros sociais e os outros. "Não há bairro que está fora da sociedade. Não há bairro que não é social", lançou.

Entre quem o ouvia, estava uma criança pequena com um cartaz que pedia: "Legalizem as nossas casas". Muitos dos que aderiram ao Vida Justa esperam conseguir legalizar não só as casas, mas também os seus estabelecimentos – depois de uma onda de encerramentos forçados de bares e cafés na Cova de Moura – ou até regularizar a sua situação. E Flávio Almada falou para eles, pedindo "documentação para todos os imigrantes".

"Nós pagamos", lembrou, falando no contributo dos imigrantes para a Segurança Social e impostos, e exigindo direitos em troca. "Partilhamos o sacrifício, não o benefício". Entre os protestantes entoou-se o cântico: "Ninguém é ilegal. Ilegal é o capital".

A diferença que separa quem veio dos bairros mais periféricos para se manifestar dos que vieram do centro de Lisboa ficou, porém, bem resumida nas palavras finais de Flávio Almada, que lembrou o risco que assumiram aqueles que ali se deslocaram e que, para chegarem a casa em segurança, foram acompanhados por membros da organização para evitarem confrontos com a polícia no regresso.

"Todos têm os números dos advogados", vincou Almada, numa alusão aos juristas que se disponibilizaram para prestar apoio àqueles que venham a ter problemas com as autoridades no retorno aos bairros onde moram.

Duas manifestações, uma luta e um movimento que é "um processo"

Enquanto os porta-vozes do Vida Justa iam falando, os profissionais de Educação juntavam-se na lateral das escadarias do Parlamento, depois de descerem de São Bento, onde alguns dirigentes do STOP ficarão numa vigília por 72 horas em frente à residência oficial do primeiro-ministro.

A polícia acabou por abrir as baias que separavam os dois protestos. Mas André Pestana continuava em cima de um camião imóvel, com os professores à espera de um sinal para avançar. "Disseram-nos que ia haver um direto às 18h", explicou Pestana à SÁBADO para justificar o impasse.

Mal cessaram os discursos do movimento Vida Justa, o STOP avançou. E a praça encheu-se de gritos de "Costa, escuta: o povo está em luta".

Em cima do camião que avançava, André Pestana garantiu que os professores estão solidários com quem reclama uma vida justa. "Alguns têm de viver em parques de campismo por não terem dinheiro para uma casa", dizia ao microfone, no meio de aplausos dos manifestantes do Vida Justa, que por essa altura já começavam a desmobilizar, enquanto alguns profissionais de Educação enchiam a praça com velas e círios.  "O povo unido jamais será vencido", ouviu-se.

Apesar da junção dos dois protestos, a mobilização – que seguramente terá rondado alguns milhares de pessoas – ficou ainda muito aquém dos grandes protestos do Que se Lixe a Troika, um movimento em que estiveram envolvidos muitos dos que agora estão no Vida Justa. No movimento, que é constituído por elementos do PCP e do BE e ativistas de associações de bairros periféricos e coletivos anti-racistas e pela Habitação, frisa-se, contudo, que "este é um processo" e que a ideia é que o movimento vá crescendo.

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