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Nasceu na "miséria" e foi esfaqueado. Quem é o novo presidente da Coreia do Sul?

Lee Jae-myung abandonou a escola para ajudar a família a trabalhar numa fábrica. Com um curso em Direito, entrou para a vida política em 2005. No ano passado foi surpreendido por um apoiante que o esfaqueou.

O candidato da oposição e líder do Partido Democrático, Lee Jae-myung, venceu as eleições presidenciais da Coreia do Sul, na segunda-feira, ao obter 51,7% dos votos, segundo as mais recentes projeções. O seu adversário já concedeu a derrota.

AP Photo/Lee Jin-man

O principal adversário, Kim Moon-soo, do Partido do Poder Popular, de direita, terá conseguido 39,3% dos votos, enquanto que a terceira posição pertence a Lee Jun-seok do Partido Nova Reforma, com um total de 7,7% dos votos. 

As eleições sul-coreanas estavam inicialmente previstas para 2027, mas a destituição do presidente Yoon Suk-yeol, que foi alvo de um processo depois de ter declarado a lei marcial a 3 de dezembro do ano passado, fez com que estas fossem antecipadas.

Da miséria à riqueza

Nascido em 1963, numa aldeia montanhosa em Andong, província de Gyeongbuk, foi aí que Lee Jun-seok cresceu com os seus quatro irmãos e duas irmãs. Devido às circunstâncias "miseráveis" em que a sua família vivia, Lee viu-se obrigado a abandonar a escola para ingressar ilegalmente na vida laboral, descreveu no seu livro de memórias recentemente publicado.

Ainda em jovem trabalhou numa fábrica. Foi, aliás, aí que sofreu um acidente, tendo os seus dedos ficado presos numa correia de transmissão. Já com 13 anos, sofreu também uma lesão no seu braço depois deste ter sido esmagado por uma prensa.

Só mais tarde, em 1978 e 1980 é que se candidatou ao ensino secundário e à universidade, tendo conseguido passar os exames de admissão. Estudou Direito e foi-lhe atribuída uma bolsa de estudo.

Em 1992, casou-se com Kim Hye-kyung, com quem viria a ter dois filhos, e desempenhou funções enquanto advogado de direitos humanos durante quase duas décadas. Em 2005 entra na política, juntando-se ao partido social-liberal Uri que se transformou no Partido Democrático da Coreia do Sul - que está atualmente no poder.

AP Photo/Lee Jin-man

A vida política

Embora a sua educação tenha sido alvo de desprezo por parte de membros da classe alta da Coreia do Sul, Lee conseguiu arrecadar o apoio dos eleitores da classe trabalhadora e daqueles que se sentiam marginalizados pelas elites. Em 2010 foi eleito presidente da câmara de Seongnam, tendo durante o seu mandato implementado uma série de políticas de assistência social gratuita.

Já em 2018, tornou-se governador da província de Gyeonggi. Foi alvo de elogios pela forma como lidou com a pandemia. Na altura, Lee chegou até a entrar em conflito com o governo central, isto porque defendia o fornecimento de apoio universal a todos os moradores da província.

"A vida de Lee Jae-myung tem sido cheia de altos e baixos, e ele toma frequentemente atitudes que geram alguma controvérsia", começou por considerar à BBC Lee Jun-han, professor de ciência política e estudos internacionais na Universidade Nacional de Incheon, Coreia do Sul.

Kim Hong-ji/Pool Photo via AP

A sua história de vida, que o levou da miséria à riqueza, combinada com um estilo político otimista foi o que fez com que Lee se tornasse numa figura polémica na Coreia do Sul. Entre as controvérsias destaca-se, por exemplo, a tentativa de implementar uma reforma progressiva em 2022, durante a sua campanha presidencial - o que incluía um regime de rendimento básico universal que desafiaria a estrutura de poder e o statuos quo existente na Coreia do Sul.

Foi ainda no mesmo ano, em agosto de 2022, que Lee foi eleito líder do Partido Democrático e optou por recuar no seu tipo de abordagem mais agressivo, pelo qual se havia tornado famoso. Ao invés disso, preferiu adotar uma abordagem mais discreta.

"Após o mandato de [Lee] como governador, a sua imagem reformista desvaneceu-se um pouco, à medida que ele se concentrava mais nas suas ambições presidenciais", esclareceu o professor Lee Jun-han. "Ainda assim, em certas questões, como lidar com erros do passado [durante a era colonial japonesa] – ele adotou uma postura firme e intransigente."

Carreira política marcada por polémicas

A carreira política de Lee também ficou marcada por uma série de escândalos, nomeadamente quando foi apanhado em 2004 a conduzir sob efeitos de álcool, quando no final da década de 2010 teve disputas com familiares ou em 2018 quando surgiram alegações de um caso extraconjugal. Enquanto que em algumas partes do mundo os eleitores demonstram perdão ou até mesmo apoio a políticos controversos, na Coreia do Sul e noutros países asiáticos tais escândalos, por norma, não são bem recebidos.

"É por causa disso que algumas pessoas o apoiam fortemente, enquanto outras desconfiam ou não gostam dele", considerou Lee Jun-han. "Ele é uma figura altamente controversa e nada convencional. Um verdadeiro outsider que se tornou conhecido de uma forma que não se enquadra nas normas tradicionais do Partido Democrático."

Nos últimos anos, a vida política de Lee ficou marcada por polémicas ainda mais gritantes. Uma delas diz respeito a uma série de acusações que foi alvo e que incluem corrupção, suborno e quebra de confiança.

Já uma outra diz respeito às alegações de que Lee terá feito uma declaração falsa durante um debate na última campanha presidencial. Neste frente-a-frente, que foi para o ar em dezembro de 2021, o político negou conhecer pessoalmente Kim Moon-ki, uma figura-chave que terá estado envolvida num escândalo de corrupção relacionado com terrenos e que se suicidou.

Alvo de um ataque com faca

ASSOCIATED PRESS

Em janeiro do ano passado, enquanto respondia às questões dos jornalistas no exterior de um aeroporto, em Busan, Lee foi esfaqueado no pescoço por um homem que se aproximou dele e que fingia pedir um autógrafo. Embora o cenário tenha exigido uma cirurgia de urgência, os ferimentos não foram considerados graves.

Agora, em cada comunicação à imprensa ou comício, Lee fala atrás de um vidro à prova de balas, usa um colete e é cercado por seguranças.

Na altura, o agressor terá escrito um manifesto de oito páginas onde confessava que queria garantir que Lee não se tornava presidente. Foi posteriormente condenado a 15 anos de prisão.