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Sim ou não ao anúncio antiaborto? Joana Amaral Dias vs Patrícia Cardoso

A presidente da associação a favor da interrupção voluntária da gravidez fala da sua experiência pessoal, queixa-se da falta de literacia na área e quer que a ERC faça uma análise jurídica à publicidade antiaborto de Miguel Milhão. Em contraponto, a embaixadora da Prozis e mãe de três filhos, Joana Amaral Dias, defende a liberdade de expressão.

Patrícia Cardoso está ativa nasredes sociais, mais ainda nos últimos dias enquanto rosto da única associação de apoio para quem opta pela interrupção voluntária da gravidez (IVG). Com apenas um ano de existência, esta organização – a Escolha – já ajudou "largas dezenas" de mulheres e pessoas gestantes (incluindo não-binários) que decidem não ter filhos, diz a própria àSÁBADO. Acompanha-as aos hospitais, conversa com elas e esta semana reage a Miguel Milhão, fundador do império Prozis (suplementos para nutrição desportiva), que lançou uma publicidade antiaborto nas TV's.

Mariline Alves e Miguel Gonçalves

No anúncio "Obrigado, Mãe" surge uma gestante de 23 anos, numa sala de operações, a dizer qual o procedimento que a traz ali, quando questionada pela equipa médica. Depois, uma fila de mulheres aguarda para tirar a senha na clínica de aborto. A polémica instalou-se, com nove mil queixas (até quarta-feira, dia 28) apresentadas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de pessoas e associações, no sentido de suspender o anúncio – porque entendem terem sido violados direitos. "Acreditamos que o número está a aumentar", diz a ativista de 38 anos.

A ERC declarou, nesse dia, que vai abrir um processo de averiguação ao caso. "Queremos que a ERC faça um entendimento jurídico do que está a acontecer", prossegue Patrícia. Quanto ao fundador da Prozis, o autoproclamado Guru Mike Millions, nada tem a dizer. E reforça: "A Escolha é apartidária. Há matéria para reflexão, se não temos de pensar em leis robustas para que estes conteúdos não caiam em terra de ninguém." 

No comunicado emitido no site da Escolha, a 25 de maio, menciona-se que o anúncio faz "a apologia clara ao 'não' pelo aborto, um assunto de cariz político e um ataque à liberdade individual de cada mulher e pessoa gestante". Se é uma forma de censura, como a outra parte tem alegado, Patrícia considera que o termo não pode ser usado de "ânimo leve". "Estando [o anúncio] na TV é outro patamar, queremos que o vídeo seja avaliado à luz da lei", reitera a fundadora e dirigente da Escolha.

Experiência pessoal 

A despenalização do aborto aconteceu ao segundo referendo, em 2007, ficando prevista na lei n.º 16/2007 de 17 de Abril. Mas até à fundação da Escolha passaram-se 17 anos e cinco desde que Patrícia Cardoso optou pela IVG. Foi em maio de 2020, em plena pandemia, que a então gestante tentou abortar num hospital público e ouviu prontamente a resposta "aqui não fazemos". O médico pode invocar o direito à objeção de consciência e são muitos a fazê-lo, segundo Patrícia: "Um terço dos hospitais públicos não faz IVG, há uma agenda concertada para o procedimento não ser algo de fácil acesso".

Patrícia recorreu então ao privado (Clínica dos Arcos, em Lisboa), em que pagou €600 pela cirurgia e sentiu-se aliviada. "Estava numa relação muito recente, de meses, e era claro para mim que não queria ser mãe." No dia decisivo, deram-lhe um comprimido para relaxar o útero, foi chamada ao bloco operatório e recebeu anestesia geral. Rapidamente, "apagou". "Acordei 40 minutos depois com algumas dores e zonza, deram-me um sumo de pacote, e saí pelo meu pé acompanhada por uma amiga", recorda.

Havia falta de literacia na área, percebeu depois. No ano passado começou a falar publicamente sobre o assunto – nomeadamente na associação de apoio a mulheres vulneráveis, Corações com Coroa – e a seguir fundou a Escolha.

Mudanças após o referendo

A realidade mudou bastante desde o referendo há 18 anos, segundo Joana Amaral Dias. Embaixadora da Prozis há seis anos e amiga de Miguel Milhão, diz à SÁBADO que, hoje em dia, "há muitos recursos em relação à saúde sexual e reprodutiva da mulher". Ou seja, a psicóloga, mãe de três filhos e cabeça de lista da Alternativa Democrática Nacional (ADN) às eleições legislativas de 18 de maio considera que a IVG só deve ser aplicada em "situações-limite" no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Temos de ter uma posição humanista e perceber que algumas mulheres, em algumas circunstâncias muito difíceis das suas vidas, podem não querer ter um bebé", justifica.   

Aberta à discussão nas redes sociais, Joana invoca à SÁBADO vários fatores de mudança desde o referendo (2007). A começar pela sobrecarga do SNS, "que não tínhamos nessa altura". E conta: "As pessoas interrogam-se como pode haver serviços e meios disponíveis para uma IVG e não existem, por exemplo, para um parto". Outro fator prende-se com o envelhecimento da população, a pirâmide demográfica alterou-se "drasticamente nestes anos".

Sobre a posição de Miguel Milhão, é peremtória: "Acho inaceitável que as pessoas respondam dessa forma. A ERC tem mais que fazer do que abrir uma averiguação perante este caso. Isto é uma liberdade de expressão. Quem tem argumentários não deve temer o debate e o confronto".

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