Foi um duelo de suplentes, de candidatos pouco relevantes para o que vai acontecer nas Legislativas de 18 de maio. Mas Nuno Melo e Inês Sousa Real até se esforçaram. Quase sempre cordatos, trouxeram para o debate os temas (e as frases) do costume, da imigração à guerra, da crise climática às touradas, da habitação à saúde animal. No final, Nuno Melo deixou uma bicada: "Eu gosto de animais, mas coloco as pessoas antes dos animais".
Numa altura em que nas televisões se discutia o surpreendente empate caseiro do Benfica contra o Arouca, que custou a liderança isolada às águias, podemos usar aqui linguagem futebolística para classificar o debate entre os líderes do PAN (Inês Sousa Real) e do CDS-PP (Nuno Melo): parecia um jogo-treino de pré-época entre segundas linhas (porque, na verdade, nem um nem outro contam grande coisa para o Totobola) e no fim, apesar de haver ali uma ou outra finta mais entusiamante, da revienga à roleta, tudo acabou num aborrecido nulo.
A primeira questão a referir tem a ver com ter sido Nuno Melo e não Luís Montenegro a marcar presença, pois o líder do PSD é que é a estrela da equipa (e o candidato a primeiro-ministro). Sobre isto, Inês Sousa Real já tinha comentado que Montenegro estava a ser cobarde, enquanto do lado do primeiro-ministro surgiu a justificação de que a AD (agora coligação PSD-CDS) inclui dois partidos, e por isso o líder do pequenino também pode falar.
"Quem está aqui a debater sou eu, a minha presença é legítima", justificou Nuno Melo, garantindo que se do outro lado não estivesse a líder do PAN "não ficaria nada incomodado". Inês Sousa Real aproveitou este primeiro tema para por a tocar a sua cassete (os seus argumentos algo estafados já lembram a cassete repetida de Jerónimo de Sousa), dizendo que não era Montenegro que ali estava, mas as suas políticas, nomeadamente não combater a violência contra as mulheres ou a descida do IVA das touradas e da saúde animal.
Nuno Melo mostrou-se bem preparado para o debate, socorrendo-se de muitas folhas com estatísticas que davam conta de melhorias e incrementos do Governo, da habitação à economia – em vez de défice até "vamos ter um superavit em 2025", apontou. "Os resultados da governação superaram todas as expectativas, e apenas em 11 meses, imaginem o que poderá ser em quatro anos", disse. Mas isso também se revelou um ponto menos positivo, pois pareceu pouco genuíno – quase como um supercomputador de Inteligência Artificial a debitar os relatórios do INE.
Inês Sousa Real socorreu-se das suas bandeiras do costume: os direitos dos animais, a crise climática, a economia verde, o combate à violência doméstica, o fim das touradas. Temas importantes, claro, mas que ela às vezes introduz "a martelo" – como quando se falou da guerra às portas da Europa e da necessidade de haver maior investimento na indústria de guerra. Ou não é "esquisito" que a líder do PAN tenha dito que Portugal devia era "apostar na sua vocação ecológica" e combater os crimes de ecocídio nos países atingidos pela guerra? "Não vamos investir na indústria do armamento, mas em áreas onde somos competitivos e eficazes, como nas missões humanitárias".
Nuno Melo, que por vezes pareceu condescente com Inês Sousa Real (como quando lhe disse, em resposta ao facto de ele não ser o líder da coligação, que nunca tinha feito considerações por o PAN ser um partido uni-parlamentar), perdeu ligeiramente as estribeiras com a questão da Defesa (uma área que lhe é cara, ou não fosse ele o ministro). "O PAN diz que nesta matéria devemos passar a bola [lá está o futebol] aos grandes. Mas isto não é um concurso de miss Mundo, infelizmente há guerras. E, nesse caso, ficamos à espera que os outros nos venham defender?"
Nuno Melo ainda garantiu que as indústrias de defesa não são despesa, mas investimento, uma área que conta já com 380 empresas e 400 mil postos de trabalho. E afiançou mesmo que Portugal já é líder a nível mundial na construção de drones.
Outra área importante em debate foi a habitação. Aqui, Nuno Melo voltou a aproveitar para fazer campanha à grande (e a líder do PAN pouco contra-argumentou, com exceção à referência às muitas casas do Estado devolutas e que poderiam ser recuperadas ou ao desespero de muitas mães que são despejadas com os seus filhos por não poderem pagar as rendas). Já o líder do CDS, garantiu que, embora só tenham sido construídas 2 mil casas nos últimos 7 anos, irão conseguir chegar às 57 mil em 2029. Irreal, não?
Em matéria de imigração, houve posições mais extremadas (mas pouco, que este foi um debate muito fofinho). Inês Sousa Real diz que os imigrantes são importantes, pois temos muita falta de mão de obra e eles vão também contribuir com receita fiscal. "Defendemos uma forma responsável de imigração para o País", disse.
Já Nuno Melo acusou-a de, pela forma como o PAN (não) votou no Orçamento de Estado, contribuir para aumentar o número de sem-abrigo em Portugal, pois o PAN "defende que pode vir toda a gente". E, afirmou, isso é "vender ilusões e oferecer aos imigrantes a rua", assim como "o sofrimento e a exploração". "Isso não é humanismo, é uma extrema crueldade".
De frase feita em frase feita, lá chegamos a outro tema-bandeira do PAN: as touradas e os direitos dos animais. A líder do PAN diz que não se pode confundir a cultura com um espetáculo de maus-tratos a animais e referiu que há estudos que comprovam que a maior parte dos portugueses não concordam com touradas. Além de que são "alimentadas com dinheiros públicos", podendo os 18 milhões de euros que são canalizados para esse setor, ser antes usados para baixar o IVA da alimentação e saúde animal.
Num debate que terminou empatado, mas que Nuno Melo, se houvesse um vencedor, ganharia nos penáltis, Inês Sousa Real teve no final a possibilidade de provar que os portugueses devem dar ao seu partido a oportunidade de manter a deputada ou até passar a ter um grupo parlamentar. Mas quando questionada sobre se poderia ser um fiel da balança num futuro Governo minoritário (como se espera que seja o próximo), respondeu "nim". "Vamos continuar a trabalhar de forma responsável na Assembleia da República", apontou, dando, no entanto, a entender que mais facilmente estenderá a mão a um governo do PS.
EMBARAÇO
Foi embaraçante Inês Sousa Real (que veio defender que Portugal devia, mesmo indo contra os compromissos assumidos no âmbito da NATO, desinvestir na indústria de armamento) ouvir Nuno Melo dizer-lhe que isto "não é um concurso de miss Mundo" e que infelizmente há guerras. Sim, seria melhor investir os muitos milhões que se gastam em armamento ou em Defesa, na construção de casas ou na melhoria do Serviço Nacional de Saúde. Mas nós não vivemos num mundo perfeito.
KO
Como seria de esperar, se dessem a escolher a Inês Sousa Real uma matéria em que jogaria o seu joker, ela ia apostar na defesa dos animais para desferir um golpe fatal (um upercut) ao adversário. Foi isso que fez ao garantir que (se houver essa possibilidade) dificilmente chegará a entendimento com o Governo de Luís Montenegro, pois promove a caça, "a chacina e a barbárie de animais – podemos disparar contra tudo o que mexe". Mas, como neste debate nenhum dos oponentes se destacou do outro, Nuno Melo defendeu-se contra-atacando: "Gosto muito de animais, mas não devemos impor aos outros o nosso estilo de vida. E por isso eu coloco as pessoas antes dos animais".
PINÓQUIO
Inês Sousa Real dizer que Luís Montenegro afirmou que para ele a violência doméstica não era um problema pareceu logo excessivo - No Polígrafo SIC revelaram que houve uma descontextualização, pois o que Montenegro referiu foi que o aumento de casos (em termos estatísticos) provavelmente revela que há cada vez mais mulheres a denunciar esse crime. Já a Nuno Melo, e pese o seu lado de robô a ler as estatísticas do INE (mas só as que lhe são favoráveis), não fica bem que tenha dito que o salário médio em Portugal subiu 7% só no primeiro ano do Governo da AD. Afinal, e segundo o Polígrafo SIC, se tivermos em conta a inflação, essa subida é de apenas... 3,8%.
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