O secretário-geral do PS e o presidente da IL, Rui Rocha, estiveram esta noite na RTP a debater bolos, calvície, habitação, TAP, ferrovia e a economia.
Até hoje, 10 de abril de 2025, o debate político em Portugal andava afastado da calvície e da arte pasteleira. Não mais: o secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, e o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, trouxeram esta noite, na RTP, os bolos e a falta de cabelo para as próximas eleições legislativas portuguesas, num debate que confirmou que o socialista mudou de estratégia de comunicação - está zen como nunca o vimos - e em que Rui Rocha se mostrou algo acossado, distante da serenidade pedagógica (mas incisiva) que o antecessor João Cotrim de Figueiredo exibia nestes frente-a-frente.
Rúben Sarmento
A calvície foi chamada à ordem de trabalhos por Pedro Nuno Santos, que antes já tentara deixar outros slogans no ar, como "é com a motossera do Millei que vai cortar no SNS" e "quando ouço o Rui Rocha dizer que quer fazer avançar Portugal, é fazer avançar Portugal mas é contra uma parede". Falava-se, então, da despesa do Estado quando Pedro Nuno Santos ensaiou nova boutade: "Se perguntarmos a Rui Rocha como se resolve o problema da calvície em Portugal, eu tenho a certeza que o Rui Rocha dirá: baixando um imposto". Rocha ainda retorquiu que o adversário haveria de defender que a calvície se resolveria com mais um imposto, mas a resposta pareceu mais defesa à pressão do que ataque ensaiado.
Minutos antes, Rui Rocha falara do "bolo" que quer fazer crescer, dando a entender que o PS só se preocupa com a redistribuição da produtividade sem ter receita para a incrementar. Insistiu depois novamente, quando defendeu que era preciso "romper com o ciclo de estagnação" que o PS instalou, durante oito anos de governação, em Portugal.
Foram portanto dois projetos políticos amplamente opostos, sem grande margem de conciliações (por cá, dado que socialistas e liberais chegam a entender-se noutros territórios), aqueles que se opuseram esta quinta-feira à noite na RTP. Mas foi, também, um confronto de duas lideranças que ainda não conseguiram "matar o pai": no caso de Pedro Nuno Santos, António Costa, no caso de Rui Rocha, João Cotrim de Figueiredo.
A lógica diria que PS e IL não disputam diretamente eleitores, mas a margem de indecisos e o reposicionamento de Pedro Nuno Santos como um sereno moderado, de fato executivo de primeiro-ministro vestido - questionado sobre isso no debate, garantiu nunca ter sido "um radical de esquerda" -, tiram algumas certezas.
O debate foi programático. A paternidade da responsabiidade pela existência de eleições antecipadas e o caso Montenegro-Spinumviva foram rapidamente chutados para canto, logo na primeira pergunta. Uma estratégia estranha por parte de Rui Rocha, quando os estudos de opinião sugerem que os portugueses não queriam voltar às urnas e quando a IL, acusada pelo PS de "radicalismo profundo" na economia, tinha aí o trunfo de poder reivindicar responsabilidade com a sua posição: nem ilibar Montenegro, nem fazer cair o Governo.
Na troca de galhardetes, houve temas esperados: a indemnização a Alexandra Reis viabilizada por Pedro Nuno Santos ("500 mil euros aprovados por Whatsapp"), a falta de experiência governativa de Rui Rocha e da IL (um trunfo que o PS, aparentemente apostado num certo regresso ao passado, quer exibir), o custo da TAP para o País e os seus resultados e Javier Millei e a Argentina, que Rui Rocha chutou para canto: "[A Argentina] está lá, do outro lado do mar." Houve até um momento caricato, a roçar o populismo, quando Rui Rocha alegou que a "profundíssima crise de habitação em Portugal" tinha um e só um responsável, Pedro Nuno Santos.
Não foram apenas, no entanto, duas propostas ideológicas em confronto mas duas atitudes perante o presente: Rui Rocha quer uma rutura total com o funcionamento do Estado, Pedro Nuno Santos refreia-lhe os ânimos, elogia o legado do PS, insiste no mérito das "contas certas" (quem diria) e fala na "prudência" e "cautela" do programa socialista por oposição ao projeto económico transformador da Iniciativa Liberal. No fim, e como é quem quer mudar que tem de convencer o eleitorado dos méritos do desconhecido, talvez Rui Rocha tenha em que pensar.
O embaraço
Ninguém diria, nos idos tempos de José Sócrates, do "que se lixe o défice", do "a dívida é para se ir pagando", de "as pernas dos banqueiros alemães a tremer" (quando Pedro Nuno Santos era um jovem turco), que veríamos um secretário-geral do PS tão confortável a falar de contas com um liberal. E quando se falou na "ambição transformadora" da Iniciativa Liberal, e da vontade de Rui Rocha em fazer a economia voar ao mesmo tempo que reduz drasticamente a despesa do Estado, Pedro Nuno Santos atirou-lhe: "Não tem como pagar isto. É a acabar com as fotocópias e os clips?" Rui Rocha respondeu: "Não, de todo. É através da aceleração económica de Portugal". Mas sem uma explicação detalhada, fundamentada e documentada, os amanhãs que cantam soam a wishful thinking.
KO
"Não consegue explicar onde corta", acusou Pedro Nuno Santos. "Ouvimos dizer que corta quase todos os impostos e vai aumentar a despesa na saúde e na educação", acrescentou o secretário-geral socialista, acusando a IL de apresentar "um cenário orçamental irrealista, sem qualquer adesão à realidade que vivemos". Verdade ou não, Rui Rocha passou o debate sem conseguir vender propostas para resgatar os eleitores da malha do voto útil (e do colo de Montenegro).
Pinóquio
"Não deixa de ser caricato que a Iniciativa Liberal queira aumentar a eficiência do Estado criando uma nova estrutura" para combater os gastos excessivos, alegou Pedro Nuno Santos neste debate. Não é verdade: Rui Rocha corrigiu-o e, como reportou já o Polígrafo, o que o programa da IL preconiza é "a fusão de várias estruturas de serviços digitais numa só estrutura". Ou seja: não é bem uma estrutura nova, é uma estrutura criada a partir de outras já existentes.
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