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O conflito de interesses em que Montenegro agiu: as 1,92 milhões de ações

Bruno Faria Lopes
Bruno Faria Lopes 07 de março de 2025 às 17:45
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Luís Montenegro vendeu 1,92 milhões de ações numa empresa cotada - cujo nome não está legalmente disponível para consulta - antes de assumir o cargo. "Embora não fosse obrigatório, não quis ter ações de empresas cotadas na bolsa de Lisboa", explicava fonte oficial de São Bento em agosto passado. Atitude sobre riscos de conflitos de interesses contrasta com a que teve com a Spinumviva.

Luís Montenegro vendeu 1,92 milhões de ações de uma só empresa antes de tomar posse como primeiro-ministro, para evitar conflitos aparentes de interesses com essa empresa cotada na bolsa de Lisboa. A atitude sinaliza que Montenegro fez uma avaliação prévia das eventuais frentes de conflito expostas na declaração depositada na Entidade para a Transparência (EpT), decidindo deixar no seu perímetro patrimonial a empresa Spinumviva, que teve de declarar - assim como os respectivos clientes com contratos ativos, que formalmente não tinha de declarar.  

Na última declaração de património que entregou antes de ter sido eleito, Luís Montenegro declarou 1,92 milhões de ações de uma empresa cotada, cujo nome surge rasurado pelos serviços da Entidade para a Transparência (um órgão independente que funciona junto ao Tribunal Constitucional). Na primeira declaração após ter sido eleito, entregue no início de abril do ano passado, essa posição na empresa já não existia – no seu lugar havia duas aplicações financeiras, uma de 401 mil euros e outra de 76,2 mil euros, ambas em ativos não identificados na declaração.

Em agosto do ano passado, dado que a identificação dos ativos estava bloqueada por lei, a SÁBADO perguntou ao gabinete do primeiro-ministro se os 401 mil euros continuavam a ser uma aplicação numa só empresa e perguntou pelo nome da empresa. "O primeiro-ministro vendeu as ações que tinha antes de tomar posse, precisamente, porque embora não fosse obrigatório, não quis ter ações de empresas cotadas na bolsa de Lisboa", explicou fonte oficial. A resposta, sem mencionar a questão de conflitos de interesses aparentes, remete para essa dimensão. O gabinete não indicou o nome da empresa cotada.

Montenegro vendeu as ações e, depois, reinvestiu num produto mais diversificado. "O ativo de 401.000€ foi constituído nessa sequência [da venda das ações] e trata-se de um produto financeiro de gestão discricionária do banco, com vários instrumentos financeiros, todos externos a Portugal", explicou em agosto passado fonte oficial de São Bento. "É uma aplicação similar a um seguro e em cuja gestão o cliente não intervém", acrescentou, para afastar, implicitamente, a aparência de conflitos de interesse. 

Os restantes 76,2 mil euros em aplicações financeiras diziam respeito a "uma aplicação que vem de trás", explicou a mesma fonte oficial, "e corresponde a unidades de participação num fundo financeiro gerido pelo Millennium BCP, também com ativos externos". Esta parece ser a aplicação de que o primeiro-ministro deu baixa na atualização feita na sua declaração de interesses no final do ano passado, quando comprou um T1 a pronto em Lisboa (num negócio que suscita dúvidas que estão por esclarecer).

O cuidado com as ações contrasta com o tratamento dado à Spinumviva. Na mesma declaração que Luís Montenegro entregou ao entrar para o cargo de primeiro-ministro, relativa aos rendimentos e património em 2023, surgia a Spinumviva. Montenegro declarou ter recebido 4.800 euros em 2023 de rendimentos da pequena empresa que fundara e de que era beneficiário último – e declarou, ainda, uma quota de 70% na empresa (com a indicação de que eram detidos pelo "cônjuge").

A inclusão da empresa no registo surge apesar da passagem da sua quota de Montenegro à mulher e aos filhos em 2022 - segundo o Expresso, Luís Montenegro até divulgou, sem que fosse necessário, os valores de venda da quota à mulher (3.750 euros) e aos filhos jovens (2.500 euros). A inclusão da Spinumviva no registo de interesses denota que a empresa podia potencialmente configurar um conflito de interesses – nada mais foi indicado sobre a entidade e sobre os seus clientes, nem se conhecem pedidos de escusa do primeiro-ministro à entrada para o cargo.  

O risco de conflitos de interesses ganhou forma ao saber-se que a Spinumviva, de que o primeiro-ministro é beneficiário último, ainda tem clientes ativos da atividade de consultoria sobre o regime legal de proteção de dados, clientes esses angariados por Luís Montenegro. A questão está no centro de uma crise política abrupta e inesperada, que levará à votação de uma moção de confiança apresentada pelo Governo na próxima terça-feira – e que abre a forte possibilidade de o país ter as terceiras eleições legislativas em três anos.

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