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Moção de censura foi para “desviar as atenções” dos problemas internos do Chega

Gabriela Ângelo 21 de fevereiro de 2025 às 21:47
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Para o politólogo José Filipe Pinto, Luís Montenegro "saiu por cima" no debate. Destaca ainda a "abstenção dos deputados do PCP".

A moção de censura apresentada esta sexta-feira pelo partido de André Ventura foi chumbada após mais de três horas de debate na Assembleia da República. O Parlamento chumbou com 171 votos contra, quatro abstenções do Partido Comunista Português e 49 votos a favor. Apenas os 48 deputados do Chega e o deputado não-inscrito Miguel Arruda votaram a favor. 

Tiago Petinga/Lusa

Esta moção surgiu depois de o Correio da Manhã noticiar dia 15 de fevereiro que o primeiro-ministro tinha uma consultora, a Spinumviva, cujas quotas que detinha passou à mulher e aos dois filhos. No início do debate de três horas e com o chumbo à vista, Montenegro começou por tentar esclarecer quaisquer dúvidas que pudessem pairar. Na sua intervenção inicial, Luís Montenegro garantiu que a empresa foi criada enquanto "estava fora da política ativa" e que a ideia de criar a Spinumviva surgiu para "criar uma entidade para o trabalho fora da advocacia, para toda a família", envolvendo a família inteira, incluindo os seus dois filhos que estão a estudar Gestão. "Preparo o caminho para a família ou passo para os meus filhos se voltar à política", justificou, acrescentando que queria manter o património junto da família, sem o vender, e gostaria que a tradição continuasse.  "Os meus pais não venderam nada do que receberam dos meus avós, não vou vender nada do que recebi dos meus pais e adoraria saber que os meus filhos não sentiam necessidade de vender nada dos bisavós". 

As atividades da empresa vão desde a exploração agrícola e vinícola à organização de eventos, consultadoria e marketing. Às insinuações de que a empresa seria uma imobiliária, o primeiro-ministro respondeu que "chamar a isto imobiliária é manifestamente despropositado". Deu, no entanto, poucos pormenores sobre os clientes da empresa, mas revelou que se tem dedicado sobretudo ao aconselhamento de empresas em matérias de tratamento de dados e assegurou que a passagem da empresa à família, à mulher e aos filhos é "perfeitamente legal".

À SÁBADO, o politólogo e professor José Filipe Pinto explica que Montenegro não prestou estas declarações antecipadamente porque estaria a "jogar o jogo do Chega". "A moção tinha uma derrota anunciada" e André Ventura "tentou antecipar-se, utilizando o mecanismo legislativo que lhe permitia que houvesse esta moção", de forma a "desviar as atenções dos seus problemas internos". 

Para o especialista, "a situação estava esclarecida desde o início" e durante o debate, Montenegro "disse a sua versão dos factos", explicando tudo apesar de não ter desenvolvido a matéria dos seus clientes, em que "pode ser acusado de alguma falta de transparência porque não está obrigado ao sigilo profissional". Para além disso, a situação do conflito de interesses é uma questão jurídica e "o que o Chega fez foi transformar um problema jurídico, num problema político", zelando pela transparência.

Por mais esclarecimentos que Montenegro desse, "o Chega iria ter a mesma postura", a de não estar suficientemente esclarecido. Mas depois do Parlamento ter chumbado a moção, André Ventura vai tentar "limitar os danos" e esta retórica será apenas "para continuar a cavalgar a onda de que a falta de transparência do executivo, agindo como o partido que luta para que haja transparência na vida política". 

O professor refere ainda uma situação que o Chega perdeu no debate: quando Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda (BE) disse que "o partido era apoiado e tinha deputados que beneficiam da lei dos solos" e que o Chega tinha sido apoiado "pelos grandes grupos económicos que tinham tirado dividendos da situação no passado e que iriam tirar da nova lei dos solos". Esta perspetiva, apesar de não mudar a ideia que os seus militantes e apoiantes têm de ser um partido antissistema, que tem uma bandeira ideológica que diz lutar contra a corrupção, "vai dificultar a adesão de novos membros", pondo em causa "quem são os verdadeiros financiadores do Chega". 

Nesta situação o primeiro-ministro "saiu por cima", e o único dado que se pode retirar do debate e da moção é a "abstenção dos deputados do PCP". "A moção de censura foi apresentada por um partido populista cultural ou identitário, e um outro partido populista socioeconómico acabou por se abster, por causa da sua posição relativamente ao Governo", a de antissistema. 

No entanto, é um caso que nunca será encerrado, politicamente. "A característica de um partido populista cultural ou identitário" é de continuar a dizer que é uma questão "que não está esclarecida, e vai dizer que o partido é a voz dos portugueses" e que eles não estão esclarecidos, uma vez que os partidos desta natureza "não se vêem como representantes do povo, mas como a voz do povo". Do ponto de vista jurídico, "pode continuar a ser objeto de discussão", mas o que se entende após este debate e moção "é que não há má fé". 

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