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Desconfinar ou não desconfinar, eis a questão

Diogo Barreto
Diogo Barreto 08 de março de 2021 às 08:00
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Números de novos infetados e internados em enfermaria estão abaixo das linhas vermelhas, bem como o Rt. Mas as unidades de cuidados intensivos continuam com demasiados internados. Reunião desta segunda feira no Infarmed pode revelar as primeiras pistas

O Governo deverá anunciar esta semana um plano de desconfinamento progressivo para as próximas semanas. Serão as escolas as primeiras a abrir? E todos os alunos vão regressar ou só os mais novos? E o comércio? O plano continua no segredo dos deuses e as informações que saem a público são contraditórias e as incertezas sobre o desconfinamento antes da Páscoa grandes. ASÁBADOouviu especialistas que apontaram para possíveis cenários de desconfinamento, mas sempre muito cautelosos e tendo em mente que quando o desconfinamento acontecer, os números vão aumentar.

Portugal Covid-19
Portugal Covid-19 Reuters

A maioria dos especialistas considera que o plano ideal seria começar por abrir rapidamente as escolas, como aconteceu noutros países pela Europa, desde que haja testes rápidos suficientes e uma boa equipa para fazer rastreamento de contactos em caso de surto. Não só pelo peso que o confinamento tem na aprendizagem dos alunos, como por ser um ambiente onde é possível controlar melhor os surtos, comodisse o especialista em Saúde Global Diogo Simão Lemos esta semana, àSÁBADO.

O enfermeiro Mário Macedo, que tem pedido uma melhor comunicação por parte do Governo no que diz respeito à pandemia, considera também que se devia começar por desconfinar nas escolas. "Devemos abrir as escolas abaixo dos 12 anos, já que as crianças têm uma probabilidade muito menor de infetar e serem infetadas", refere o enfermeiro que considera que caso seja essa a decisão tomada, se deve equacionar vacinar professores e auxiliares que trabalham com crianças com menos de 12 anos, para os proteger.

Simão Lemos concorda com esta abordagem, referindo que é importante dar confiança a estes trabalhadores para que regressem ao trabalho em segurança. E diz que outra medida essencial é apostar nos testes rápidos para detetar surtos. O Governo já anunciou que terá equipas móveis pelo país a testarem as escolas abertas. A primeira vaga de testes rápidos vai testar 500 mil alunos, professores e funcionários.

O especialista que atua também como consultor para a Organização Mundial de Saúde (OMS), lembra ainda que ao abrir primeiro as escolas, se consegue ter uma bolha restrita para controlar. "As escolas são lugares mais fáceis de abrir por causa do controlo que se consegue ter da sua população", considera, referindo a forma como é fácil estabelecer os contactos e testar esta população.

Segundo ambos os profissionais de saúde, a abertura das escolas tem uma dupla vantagem: as crianças voltam ao ensino presencial, o que é bom para a sua aprendizagem, e os pais ficam mais soltos para poderem voltar a trabalhar, mesmo que a partir de casa.

No que os dois especialistas contatados pelaSÁBADOconcordam, e que está em linha com o que tem sido dito e escrito por outros especialistas da saúde, é de que o desconfinamento não deve ser feito à pressa e de forma descontrolada, mas sim gradualmente. Começar pelas escolas - que são de controlo fácil -, passando depois para outros setores da sociedade. "Pode haver aqui uma margem para desconfinar com mais rigor e desconfinar progressivamente mais à medida", diz Mário Macedo.

"Aumentando a mobilidade sabemos que aumenta a transmissão", lembra Simão Lemos, referindo, no entanto, que é preciso arriscar, desde que se mantenha debaixo de olho a evolução da pandemia. "Não nos podemos esquecer do que aconteceu no resto da Europa quando começou a desconfinar", diz, referindo-se à explosão de casos que tem acontecido na Europa central e de leste com o fim do confinamento.

Mário Macedo vai ainda mais longe e propõe que se desconfine de forma local, uma medida que ojornal Expressoadmite estar em cima da mesa. "Temos de desconfinar como deve ser desta vez. De forma regional e mesmo nas regiões mais afectadas pode começar a planear-se um desconfinamento bem feito, a nível regional e tendo em perspectiva todos os dados", diz.

Os vários cenários em cima da mesa

O desconfinamento começa antes ou depois da Páscoa (8 de abril)? E vai-se começar pelas escolas, pelas creches ou pelo comércio? A decisão será tomada em Conselho de Ministros esta quinta-feira (11 de março), mas o Expresso e o Correio da Manhãreferem que o Governo está ainda indeciso sobre como vai proceder ao desconfinamento e que setores se devem priorizar.

Segundo o semanário Expresso, o plano de desconfinamento atual será diferente do que aconteceu o ano passado à volta de maio. O jornal refere que o novo desconfinamento vai acontecer em dois planos diferentes, um com levantamento de atividades a nível nacional, outro a nível local.

Isto quer dizer que o país pode ir abrindo os seus setores a uma velocidade diferente. O Algarve pode optar por um desconfinamento mais rápido, se tiver menos casos, mas o Porto pode fazê-lo de forma mais regrada. Isto já o primeiro-ministro tinha dito a semana passada quando afirmou que este desconfinamento será "gradual, progressivo, diferenciado em função de tipos de atividade, porventura diferenciado em função de localizações, sempre associados a critérios objetivos". Resta apenas saber quais são esses critérios, que devem vir a ser apresentados na próxima quinta-feira. 

Expressoavança ainda que o desconfinamento irá começar pelas escolas. Segundo o semanário creches e pré-escolar serão os primeiros a abrir. Ainda este domingo, um Conselho de Ministros extraordinário aprovou uma resolução que dá luz verde a uma despesa de até 19,8 milhões de euros para a compra de testes rápidos de antigénio para uso em escolas e creches.

Mas o Correio da Manhã afirma que as escolas só deverão reabrir após a Páscoa e que o processo vai acontecer em duas fases diferentes: a 5 de abril regressarão à escola as crianças até aos 12 anos e, em maio, voltarão os alunos do Ensino Secundário. Mas o diário revela que o comércio de rua pode abrir já a partir de 17 de março, enquanto a abertura dos restaurantes será deixada para maio.

Correio da Manhãinforma que em cima da mesa está a possibilidade de abrir pequeno comércio de bairro: lojas de roupa, sapatarias, stands de automóveis, mas que essa permissão pode não abranger para já os cabeleireiros e os barbeiros.

Este domingo, na SIC, Marques Mendes adiantou que o desconfinamento vai mesmo começar a 15 de março, mas será "um desconfinamento pequeno, suave, limitado". O Conselheiro de Estado, no seu espaço de comentário semanal, acrescentou ainda que, naquela data, vão reabrir as creches, pré-escolar e 1.ºciclo. "Os especialistas porventura querem um bocadinho menos, mas o consenso é este", declarou.

Marques Mendes declarou ainda que, neste momento, "ainda está em reflexão" se haverá alguma abertura no pequeno comércio, cabeleireiros. Já a reabertura do setor da restauração só deverá ocorrer "depois da Páscoa", tal os restantes níveis de ensino.

As linhas vermelhas

Na última reunião do Infarmed em que participou, Manuel Carmo Gomes, um dos epidemiologistas com uma voz mais ativa desde o início da pandemia, traçou três linhas vermelhas para um desconfinamento.

"As linhas vermelhas são termos um R que não ultrapassa 1,2; uma percentagem de testes positivos que não permita positividade de 10%, mas que seja idealmente abaixo de 5%; e uma incidência que não ultrapassa a capacidade de gerir doentes covid e não covid. Sugiro os 2.000 casos por dia, 1.500 pessoas hospitalizadas e destas apenas 200 em UCI."

Portugal já atingiu quase todos os parâmetros exigidos por Carmo Gomes. A média móvel diária a sete dias dos novos casos (ou seja, a média nos últimos sete dias) está abaixo dos mil casos diários. Embora o número de testes positivos não esteja nos 5%, está abaixo dos 10%. O R continua abaixo de 1 (embora esteja a aumentar, depois de ter estado nos 0,6) e há menos de 1.500 pessoas hospitalizadas (1.414, este sábado). Mas o indicador mais pernicioso para o controlo da pandemia ainda está bastante elevado.

Carmo Gomes sugeriu que os internados em UCI deviam estar abaixo dos 200 para os hospitais poderem dar uma resposta mais célere aos casos não-covid, mas também aos covid-19. Mas enquanto o número de casos, mortes e internados foi célere a baixar, reduzir o número de internados em cuidados intensivos é mais demorado.

Isso mesmo confirma Mário Macedo, à SÁBADO: "Falta controlar pressão hospitalar, principalmente em UCI que é menos elástico do que nas urgências. Nós conseguimos enfermeiros e médicos para ajudarem nos internados em urgência, mas cuidados intensivos covid-19 precisam de uma formação especial", explica. E os recursos humanos não são assim tão elásticos. "No Natal o problema foi achar que podíamos dar uma borla com 550 internados em UCI", considera.

O enfermeiro, refere ainda que a linha vermelha do Rt a 1,2 lhe parece acertada: "Rt de 1,2 pode parecer pouco, mas era o que tínhamos na pior fase de janeiro e que foi suficiente da situação passar de difícil mas controlada para totalmente descontrolada", refere.

A proposta de Carmo Gomes foi de que se o Rt voltasse a ser de 1,2 por alguns dias se devia voltar a confinar o país. A navegação das próximas semanas deve ser feita à vista e todos estão a torcer de que este seja o último confinamento da pandemia.

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