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Base das Lajes. As vítimas portuguesas do shutdown americano

Centenas de trabalhadores da Base das Lajes estão com salários em atraso e pedem a ação do Governo. Portugueses recebem vencimentos abaixo do salário mínimo e são alvos de despedimentos, que dependem "do humor dos comandantes".

Cerca de 420 trabalhadores portugueses da Base das Lajes, nos Açores, que estão ao serviço dos norte-americanos, estão a ser afetados pela paralisação do governo dos Estados Unidos (shutdown), que dura já há quase um mês.

Trabalhadores portugueses da Base das Lajes sofrem com salários em atraso
Trabalhadores portugueses da Base das Lajes sofrem com salários em atraso DR

Os funcionários, que recebem os seus salários de 15 em 15 dias, estão desde a "última quinzena de setembro" sem receber qualquer tostão, o que está a deixar portugueses "numa situação complicada". À SÁBADO, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Alimentação, Comércio, Escritórios, Turismo e Transportes (SITACEHTT) nos Açores, Vítor Silva, pede que caso os trabalhadores não recebam os seus vencimentos até 24 de outubro o Estado português intervenha. "O sindicato defende que em caso de incumprimento por parte dos EUA o Estado português deve assumir a responsabilidade", afirma.

A SÁBADO questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros a fim de perceber se o Governo pretende assegurar os salários destes funcionários, mas a resposta foi remetida para o Ministério da Defesa Nacional, que prometeu uma resposta para breve. Não havendo para já respostas de Portugal, o mais provável é que "não existam verbas para pagar o mês", disse ao jornal Público Paula Terra, da Comissão de Trabalhadores.

Em setembro, o sindicato já havia alertado "as forças políticas para esta situação", segundo Vítor Silva, mas denuncia que esta "não mereceu a atenção do Governo regional dos Açores, nem foi acompanhada pelo Governo [da República Portuguesa]". Defende que "o Governo já devia ter tomado diligências há muito tempo. "

Trabalhadores com vencimentos abaixo do salário mínimo

Não bastava agora os portugueses estarem com os salários em atraso, também o seu valor  situa-se abaixo do salário mínimo nacional (€870), e do salário mínimo em vigor nos Açores (€913,50). "Há décadas, os salários na Base das Lajes eram o dobro. Neste momento, são inferiores a €870 e €913, isto porque a tabela salarial não é revista há 30 anos", lamenta Vítor Silva. Além disso, o sindicalista lamenta o facto de os trabalhadores não terem "um plano de segurança e saúde no trabalho obrigatório".

Despedimentos em massa

Os despedimentos têm também acompanhado toda esta situação. Segundo Vítor Silva, devem-se ao facto de os Estados Unidos quererem reduzir gastos. "Os despedimentos têm acontecido em dimensões significativas e tudo depende do bom humor dos comandantes. Isto nunca aconteceu. No final da década de 60 trabalhavam três mil portugueses. Neste momento, trabalham 400 efetivos."

E continua: "Os norte-americanos pretendem fazer mais com menos. Ou seja, reduzem as despesas com encargos e mantêm as mesmas condições".

Para o sindicalista, tudo isto faz com que "exista uma grande instabilidade". "Os trabalhadores têm receio que possa vir a acontecer mais despedimentos. Estamos a falar de uma ilha onde os postos de trabalho não abundam."

Critica, por isso, a inação de Portugal. "O Estado português tem uma base militar que pelo que sei ainda é sua, mas deixa o outro Estado mandar. Isto não tem sentido."

Queixas só dão entrada em tribunal mais de um ano depois

Há até quem já tenha tentado recorrer ao tribunal para contestar toda esta situação, mas primeiro que a queixa dê entrada neste órgão demora no mínimo "1 ano e seis meses", devido ao "regime especial, com base no acordo de cooperação entre Portugal e os Estados Unidos", a que estes trabalhadores estão sujeitos. Além disso, "mesmo que o tribunal dê razão aos trabalhadores, a sentença poderá nunca ser aplicada porque, para isso, tem de haver uma decisão unânime da Comissão Laboral e Bilateral". "Os Estados Unidos podem nunca pagar as indemnizações."

Isto significa que os trabalhadores portugueses saem sempre "penalizados". "Outros podem recorrer ao tribunal , mas na Base das Lajes não funciona assim. Os trabalhadores têm de apresentar queixa ao chefe, depois ao chefe do chefe, e depois ao chefe do chefe do chefe. Só para um trabalhador obter uma resposta leva, no mínimo, um ano e seis meses."

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