Sábado – Pense por si

Nuno Cunha Rolo
Nuno Cunha Rolo Jurista
07 de dezembro de 2025 às 08:00

Estagilidade - a buzzword de 2025

A palavra pretende captar a novel capacidade ou competência de gerir e liderar duas forças universalmente opostas – estabilidade e agilidade.

“Não se trata de escolher entre estabilidade e agilidade, mas sim de fortalecer e viabilizar ambas, estabilidade e agilidade, para melhorar as experiências e os resultados para os trabalhadores, empresas e clientes.”

2025 Global Human Capital Trends Report, Deloiite, p.18

 Se já conhece o neologismo “estagilidade”, é sinal que esteve atento aos mais recentes estudos no campo da gestão e das políticas públicas, particularmente, os focados na inovação das organizações.

A palavra pretende captar a novel capacidade ou competência de gerir e liderar duas forças universalmente opostas – estabilidade e agilidade –, mas cujo balanço ou equilíbrio é considerado essencial para a adaptação e sucesso das organizações.

No essencial, estagilidade responde ao desafio de saber como navegar e bem-suceder à tensão estrutural entre eficiência e inovação, entre a necessidade de estabilidade dos trabalhadores e a exigência de agilidade organizacional num contexto de difusão tecnológica, transformação digital e disrupção contínua, resultante sobretudo da inteligência artificial e de novos contextos e pressões políticas, regulatórias, económicas e sociais.

A palavra ganhou foros de buzzword no mundo da gestão através do Relatório Global de Tendências de Capital Humano 2025, elaborado pela Deloitte, sob o lema "Transformar Tensões em Triunfos", e suportado em inquirições realizadas a cerca de 13.000 trabalhadores e executivos empresariais e de recursos humanos em 93 países.

Segundo este relatório, estagilidade significa a lente prática pela qual deve ser redesenhado o trabalho, a liderança e a cultura da organização, permitindo fornecer às pessoas um suporte estável ao mesmo tempo que a organização aumenta e acelera a sua capacidade de adaptação, evitando que a busca de agilidade se traduza em insegurança permanente e desgaste humano.

Estagilidade é apresentada como a competência para oferecer estabilidade percebida às pessoas (propósito e valores claros, regras de jogo compreensíveis, relações de confiança, percursos de desenvolvimento visíveis) em conjunto com elevada flexibilidade na forma como o trabalho é desenhado e distribuído (estruturas em rede, equipas multidisciplinares fluidas, uso de IA para redistribuir tarefas e ajustar rapidamente o trabalho).

Contudo, estabilidade já não pode significar organogramas, perfis de funções rígidos, equipas fixas, carreiras lineares, e modelos de trabalho estandardizado baseados em empregos e tarefas, incompetentes para enfrentar ciclos quase contínuos de transformação (fusões, cisões, reorganizações, reforma de sistemas de informação e gestão, mudanças regulatórias e culturais) que as organizações enfrentam.

Na verdade, estabilidade, no mundo atual, exige a criação de um novo conjunto de âncoras relativamente duradouras, transparentes, íntegras e promotoras de identidade, direção, adaptação e desempenho laboral, organizacional e individual.

Considerando as necessidades e expectativas de pertença, segurança e bem-estar dos trabalhadores, bem como o contexto de exigência e pressão contínua de resultados aos líderes e executivos, o estudo sustenta que quando não são enquadrados por âncoras de estabilidade, alimentam ansiedades, perdas de confiança e fadigas de mudança, sobretudo relativamente à IA, lideranças, políticas e objetivos organizacionais.

Entre essas âncoras, o relatório destaca a criação de regras claras e transparentes, propósito institucional forte e compreensível, elevar cultura de cuidado e de pertença a prioridades internas; cultura coerente, que dê sentido e direção às decisões; redes internas e comunidades que sustentam o sentimento de pertença; sistemas de competências e percursos de aprendizagem que dão previsibilidade à empregabilidade; e de políticas transparentes sobre o uso de IA e sobre critérios de decisão.

Portanto, o relatório rejeita tratar esta aparente contradição ou oposição entre estabilidade e agilidade como uma escolha binária – “ou estabilidade ou agilidade” – e propõe que a questão essencial é a estagilidade, ou seja, a capacidade ou competência de combinar e balancear os dois polos e de encontrar um modo de providenciar previsibilidade e confiança às pessoas, sem abdicar da capacidade de evoluir e reconfigurar equipas, prioridades e modelos de trabalho com rapidez.?

A investigação da consultora revela, ainda, uma desconexão significativa entre consciência e competência organizacional, i.e., se por um lado muitas organizações reconhecem a importância de equilibrar a estabilidade com a agilidade, a automatização com a melhoria, o controlo com o empoderamento, a padronização com a personalização, previsibilidade com a potencialidade, numa palavra, a eficiência com inovação, a maioria enfrenta sérias dificuldades em obter progressos significativos nestes domínios.

A expressão estagilidade não surpreende no mundo da teoria das organizações e da gestão e é o culminar de várias décadas de investigação científica sobre as contradições entre eficiência e inovação ou estabilidade e agilidade nas organizações, tendo vindo a prevalecer a ideia de que a superação deste dilema não implica escolher ou alienar uma, antes renovar o significado das partes e balancear ambas.

De facto, a história dos estudos que conduziram à “estagilidade” remonta a 1976, data do artigo de Robert Duncan (Universidade de Northwest, EUA), publicou um artigo intitulado "A organização ambidestra: conceber estruturas duais para a inovação".

Neste artigo, Duncan observa que inovação e operação vivem em lógicas quase incompatíveis: a inovação pede estruturas orgânicas, flexíveis, pouco formais e eficácia; a operação de rotina exige estruturas mecanicistas, regras, procedimentos, controlo e eficiência. Em face disto, e verificando que uma única estrutura não serve todos os resultados esperados e duradouros, Duncan propõe a “organização ambidestra”, ou seja, desenhar, deliberadamente, duas estruturas sob o mesmo teto (uma, para iniciar e experimentar a inovação, outra, para a executar) e caber à liderança de topo manter estas duas metades conectadas.

A mensagem implícita é simples e poderosa: a estabilidade do núcleo (eficiência), por um lado, e a mudança inovadora, por outro, não se anulam, devem, antes, ser geridas e lideradas em conjunto, sendo ambas, incluindo as respetivas culturas, essenciais para a inovação incremental e disruptiva e, assim, sustentabilidade da organização. Contraditórias, mas complementarmente essenciais.

A doutrina das “organizações ambidextras” andou meio adormecida até surgir um trabalho publicado em 1991 do eminente James G. March (Universidade de Stanford, EUA), “Exploration and Exploitation in Organizational Learning”, que vai fornecer a densidade conceptual da teoria da ambidesteridade das organizações, sem que March utilize este termo ou cite Duncan.

March procurou encontrar quais os melhores modelos ou mecanismos de adaptação e superação das organizações relativamente às diversas pressões (tecnológicas, regulatórias, financeiras, sociais) e ambientes dinâmicos, incertos, turbulentos e imprevisíveis, a fim de atingirem a sua sobrevivência, sustentabilidade e sucesso.

No referido artigo, demonstra que existem, basicamente, duas formas ou tensões inevitáveis na gestão das organizações: a exploração, que busca novos conhecimentos, produtos, recursos e processos, resultantes, designadamente, de investigação, experimentação, participação, assunção de risco (novas oportunidades); e a “explotação”, que visa o aproveitamento e otimização dos meios, recursos, processos baseados no conhecimento e cultura já existente na organização (velhas capacidades).

Ambas são realidades estruturais, persistentes e críticas para a renovação e inovação das organizações (adaptação organizacional), portanto, a tensão deve ser gerida, e liderada, e não (por impossibilidade) eliminada.

Ambos os artigos são fundadores da estrutura dual das organizações, que vieram ser desenvolvidas e expandidas por diversos autores como Michael L. Tushman, Charles A. O’Reilly, Mary J. Benner, Sebastian Raisch e Julian Birkinshaw.

Concluindo, um dos fios condutores destas abordagens teóricas organizacionais é procurar saber como é que uma organização pode adapta-se e inovar, para gerar valor e riqueza, tanto para as organizações como para os seus colaboradores, sem sucumbir ou erodir por dentro.

A estagilidade constitui, portanto, uma resposta assaz atual do mundo técnico e académico para a criação de riqueza e reforma da boa gestão e liderança, a qual deve estar ao serviço das condições e competências humanas, reais e potenciais, em linha com o negócio da organização.

Na literatura mais recente de políticas públicas a estagilidade assume, grosso modo, a designação de “estabilidade ágil”. No próximo artigo partilho porquê.

 

 

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