Sábado – Pense por si

Álvaro Almeida: liberal nas ideias, sólido na técnica, frontal e portista ferrenho

O terceiro diretor executivo do SNS em menos de dois anos e meio trabalhou no FMI, entrou para a Saúde pública pela mão de um governo PS, trabalhou nos bastidores com o ministro Paulo Macedo, foi atraído por Rui Rio para a política e bateu com a porta. O professor, irmão do presidente da NOS, é um liberal que diz o que pensa - e não gosta de ficar nos lugares só para aquecer.

Dois meses depois de o primeiro governo do PS tomar posse, em janeiro de 2015, Álvaro Almeida foi falar com o novo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. O motivo: colocar o seu lugar de diretor da Administração Regional de Saúde do Norte à disposição. Como fora nomeado por Paulo Macedo, ministro do anterior governo PSD/CDS, o diretor disse que o seu lugar seria para Campos Fernandes decidir como entendesse que fosse melhor para o interesse público. "Não é uma conversa muito habitual, foi uma atitude de grande elevação", diz Campos Fernandes. O ministro manteve-o à frente da ARS Norte, até que um ano depois Álvaro Almeida saiu pelo seu próprio pé, alegando falta de condições - sinal de um perfil, dizem as fontes ouvidas pela SÁBADO, de quem não gosta de ficar a meio da ponte. 

Lusa

Nove anos depois, outra ministra da Saúde, noutro Governo, escolheu o economista portuense de 60 anos para ser o terceiro diretor executivo do SNS em menos dois anos e meio, um sinal das dificuldades em fazer funcionar a estrutura de gestão criada ainda no tempo de António Costa. O afastamento de Fernando Araújo por falta de confiança política e de Gandra d'Almeida após a revelação de uma acumulação irregular e polémica de funções no passado, foram golpes no capital político da ministra Ana Paula Martins. Álvaro Almeida é visto como a escolha segura de quem está à defesa - o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apontou isso indiretamente, ao classificar o novo diretor como uma escolha "defensiva". 

"Concordo com a leitura do Presidente, porque o novo diretor garante que dali não virão grandes falhas, nem surpresas", afirma Adalberto Campos Fernandes. O ex-ministro nota que Álvaro Almeida tem um pensamento estruturado sobre Saúde, que considera estar entre a Iniciativa Liberal e o PSD - algo consistente com o seu percurso de economista que passou três anos em Washington, a trabalhar para o FMI, no início da carreira. Combinando este seu perfil liberal com a sua frontalidade - não é pessoa de ficar onde não há condições -, Almeida pode acabar por não ser uma escolha assim tão "defensiva".

A Saúde é um dos pilares da carreira de Álvaro Almeida - irmão de Miguel Almeida, o presidente da operadora NOS -, mas não é o único. O economista formado na Faculdade Economia do Porto - onde teve como professores Teixeira dos Santos e Daniel Bessa, entre outros - doutorou-se na London School of Economics. De Londres trouxe o hábito pouco português de beber um copo ao final do dia de trabalho com colegas ou amigos, segundo um perfil do Expresso publicado em 2017.

Na passagem pelo FMI - do qual saiu com a então namorada porque queria que os seus futuros filhos crescessem no Porto, segundo um perfil do Público também de 2017 - participou em missões a vários países, incluindo a Venezuela e a Arménia. Cinco anos depois de ter voltado ao País, um ministro da Saúde do PS, António Correia de Campos foi buscá-lo para ser presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). O nome foi uma sugestão do seu colega das Finanças, Teixeira dos Santos, que fora orientador da sua tese de mestrado no Porto, conta o ex-ministro à SÁBADO.

"Tenho dele a melhor das impressões do ponto de vista pessoal, de ética e capacidade técnica", diz Correia de Campos, que fala ainda numa "pessoa honesta". "O que se passou comigo foi muito bom, ele foi um excelente presidente da ERS", acrescenta. À entrada para o cargo as condições não eram fáceis, já que a existência do regulador andava a ser questionada pelo setor - Almeida navegou com sucesso as polémicas durante cinco anos. 

À saída do cargo, em 2010, deu uma entrevista ao Público na qual apontava para um "problema grave de sustentabilidade do SNS" que, a menos que os cidadãos quisessem pagar diretamente por ele, teria de ser alvo de "uma reforma profunda". Na entrevista mostrou o seu estilo ao falar da "vergonha das convenções" (os acordos entre privados na área das análises clínicas e outros, que tinham preços demasiado altos, mais tarde cortados sob troika) e ao dizer que no Reino Unido, onde vivera, eram os enfermeiros a gerir o percurso dos doentes no sistema de saúde, libertando os médicos.

As suas palavras sobre a Ordem dos Médicos, na altura, foram duras - uma fonte ouvida pela SÁBADO nota que a falta de empatia pode ser uma das debilidades do economista que terá de lidar com milhares de pessoas na direção do SNS e com o grupo, com espírito corporativo, dos gestores hospitalares.  

Um ano depois veio a troika e Almeida foi sendo ouvido pelos media com frequência como economista que passara pelo FMI. Nos bastidores foi sendo consultado pelo gabinete do ministro da Saúde, Paulo Macedo, com quem colaborou, conta Fernando Leal da Costa, secretário de Estado da Saúde nesses anos. "Colaborou em vários grupos e sempre foi uma pessoa com cuja ajuda contámos em vários níveis", diz Leal da Costa. Essa experiência evoluiu para que o ministro o nomeasse para a direção da ARS Norte. "Foi uma ótima escolha para o lugar", elogia Leal da Costa. 

Entre 2014 e 2017 fez a passagem clássica pelo comentário nos media (Rádio Renascença), até que Rui Rio o desafiou para se candidatar pelo PSD contra Rui Moreira nas autárquicas. O professor na Faculdade de Economia do Porto - o cantinho que tem à espera quando as aventuras na política terminam - teve só 10% na eleição e foi vereador. Foi também deputado entre 2019 e 2021, batendo com a porta antes das eleições de 2022 por causa da sua insatisfação com a falta de diálogo sob a liderança de Rio. 

Portista ferrenho - os perfis escritos em 2017, ano em que se candidatou nas autárquicas, apontam que só o futebol e o Porto lhe tiram a objetividade habitual - é sobre si que vão cair as atenções políticas e mediáticas na trituradora da Saúde, área em crise permanente. Os ex-governantes ouvidos pela SÁBADO, que destacam as qualidades do novo diretor, são críticos da lógica até aqui da direção executiva, que implica uma dupla liderança bicéfala: em primeiro plano entre o ministro e o diretor executivo e, em segundo, entre o diretor executivo e as funções de gestão da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Ana Paula Martins anunciou ontem que uma das tarefas de Álvaro Almeida será precisamente a de reformar a direção criada há pouco mais de dois anos. Dessa reformulação, da compatibilidade entre a sua visão e a do Governo minoritário e da forma como o novo diretor vier a desempenhar o seu maior cargo de gestão até aqui - "na ERS tinha pouca gente para gerir", lembra Correia de Campos - dependerá o seu sucesso.

À sua espera no SNS estão as intenções do Governo de Luís Montenegro de reavivar as parcerias público-privadas e de dar um papel maior à gestão privada nas unidades locais de saúde, medidas suscetíveis de gerarem oposição política. Estarão à espera, também, uma série de problemas, das urgências fechadas à insatisfação dos profissionais, da desorganização do sistema e do crescimento da despesa pública.

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!