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Reino Unido. 30 mil pessoas receberam sangue infetado

Leonor Riso
Leonor Riso 20 de maio de 2024 às 19:19
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Inquérito revelado esta segunda-feira mostra que nem o governo nem as autoridades protegeram as vítimas quando os riscos já eram evidentes. Milhares de pessoas foram infetadas com VIH ou com hepatite C.

Um inquérito concluiu que 30 mil pessoas receberam sangue infetado no Reino Unido devido a falhas dos médicos e às mudanças de governo no país. Destas pessoas, 3 mil morreram e milhares contraíram hepatites ou foram infetadas com o vírus da SIDA (VIH).

REUTERS/Hollie Adams

As conclusões do inquérito iniciado em 2017 por ordem da então primeira-ministra Theresa May foram reveladas esta segunda-feira, 20. O dirigente do inquérito de 2.527 páginas, Brian Langstaff, revelou que mais de 30 mil pessoas receberam do Serviço Nacional de Saúde britânico sangue e derivados entre os anos 70 até ao início dos anos 90, que não eram seguros.

O governo escondeu a verdade para "salvar a face e impedir gastos". O encobrimento do sucedido foi "mais subtil, mais generalizado e mais arrepiante nas suas implicações" que qualquer teoria das conspiração, afirmou Brian Langstaff, citado pela agência noticiosa Reuters.

Rishi Sunak, o atual primeiro-ministro do Reino Unido, considerou que se tratava de "um dia de vergonha para o estado britânico".

"O resultado deste inquérito deve abalar a nossa nação" e os ministros e instituições falharam "da maneira mais devastadora e horrível", afirmou Rishi Sunak. "Quero fazer um pedido de desculpas sem equívocos por esta terrível injustiça."

Há anos que as famílias das vítimas e os sobreviventes pediam justiça. O inquérito demorou seis anos e revelou que derivados de sangue feitos a partir de doações pagas de reclusos dos EUA ou de outros grupos de alto risco foram usados em crianças infetando-as com VIH ou hepatite C, antes de serem conhecidos os riscos das doenças.

Outras vítimas foram usadas em ensaios clínicos sem o terem consentido ou sabido. "Este desastre não foi um acidente", frisou Brian Langstaff. "As infeções ocorreram porque aqueles em posições de poder - médicos, os serviços de sangue e os governos que se sucederam - não colocaram a segurança dos pacientes em primeiro lugar."

Stephen Lawrence foi uma das vítimas. À Reuters, recordou ter recebido sangue após um atropelamento por um carro da polícia, em 1985. Dois anos depois, foi diagnosticado com VIH e hepatite C. "Acusaram-me de me drogar, de beber, tudo isso", relatou. Não recebeu indemnizações porque os seus registos desapareceram. "Trata-se de justiça", reclamou. "Luto com isto há 37 anos."

O sangue e os derivados infetados foram usados para transfusões e para tratamentos à hemofilia. O inquérito revela que as autoridades falharam em trocar para alternativas mais seguras e que em julho de 1983, quando os riscos já eram aparentes, optaram por não suspender a importação.

Cerca de 100 pessoas foram infetadas com o VIH através de transfusões e cerca de 26.800 ficaram com hepatite C, muitas vezes por receberem sangue durante o parto ou durante uma operação.

Até agora, 4 mil pessoas infetadas ou que enviuvaram de vítimas receberam pagamentos acordados com o governo de 100 mil libras (117 mil euros).  

O inquérito não tem poder para recomendar processos contra responsáveis. Em França, o antigo ministro da Saúde Edmond Herve foi condenado em 1999 por um escândalo semelhante, mas não recebeu pena. Michel Garretta, diretor do banco de sangue de França, recebeu uma sentença de quatro anos de prisão.

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