Ucrânia e Rússia estão abertos à negociação de um cessar-fogo, mas terão que ser tomadas em conta as condições e repercussões em quase todo o mundo. A análise de João Carlos Barradas.
É incerto o que possa vir a ser a política de "dissuasão e paz pela força" que Trump tentará impor a Moscovo, Kiev e aos aliados da NATO, mas, precavendo-se, Ucrânia e Rússia aceitam negociar um cessar-fogo.
Oleg Petrasiuk/Ukraine's 24th Mechanised Brigade via AP
Putin e Zelensky têm respondido com sinais de abertura, sem especificarem o modelo e calendário de negociações diretas ou indiretas.
O general Keith Kellogg, enviado especial de Trump para a Rússia e a Ucrânia, deixou claro que a Casa Branca manterá sanções a Moscovo e usará o auxílio militar e financeiro a Kiev para forçar o início de negociações.
Numa primeira fase a trégua implica aceitar a negociação de cedências territoriais e garantias de segurança o que permitirá testarem os limites do empenhamento de Trump num acordo de índole regional, de interesse primordial para Kiev e os aliados da NATO, e de partilha global de esferas de influência, objetivo de Putin.
Um cessar-fogo com muitos interessados
O cessar-fogo levanta o problema de monitorização, sem possibilidade de intervenção armada, por entidade aceite por todas as partes.
É o momento em que as considerações da China, da Índia ou do Brasil terão de ser levadas em linha de conta, ainda que a intervenção da ONU seja, em princípio, repudiada pela Casa Branca.
Uma suspensão no fornecimento de armamento e munições por terceiras partes dificilmente será crível na negociação, mas poderá haver um entendimento para testar as reais intenções de beligerantes e aliados.
A exigência de Putin, exarada antes da invasão em larga escala de 2022, de retirada de armas nucleares norte-americanas da Europa, e reposicionamento de tropas e armamento para posições anteriores ao alargamento da NATO, após a unificação da Alemanha em 1990, é caduca, mas pairará no início das negociações.
16 estados aderiram desde 1999 à NATO e, independentemente das divergências entre os actuais 32 membros da aliança, o máximo que o Kremlin poderá exigir como base negocial é a exclusão de novas adesões por prazo a fixar.
A plena soberania ucraniana para definir as suas alianças militares terá, todavia, de ser de alguma forma salvaguardada sob pena de não ser possível encetar negociações de paz.
Os incertos aliados de Kiev
Da parte dos aliados europeus da Ucrânia não existe plataforma negocial comum e apenas urgência num cessar-fogo. Noruegueses, finlandeses, suecos, estónios, letões, lituanos e polacos temem cedências ao expansionismo russo e a crescente conflitualidade no Mar Báltico, mas por si sós são incapazes de prover auxílio suficiente para a prossecução da guerra até um desenlace aceitável para a Ucrânia.
A Moldova e a Geórgia terão de acomodar-se ao princípio das esferas de influência, subordinando-se à Rússia, e a Turquia, desde que consiga concessões no Levante, Cáucaso e Ásia Central, não porá em causa esta partilha.
A crise política na França e previsível vitória conservadora nas eleições alemãs de fevereiro descartam um entendimento entre estados europeus, englobando a Grã-Bretanha, a Itália ou a Espanha, para o envio de forças militares de interposição para a Ucrânia.
As garantias de segurança que a Ucrânia requer terão de se ficar por declarações não-vinculativas de Washington e nem o próximo governo conservador do Canadá, ou países como o Japão ou a Coreia do Sul contestarão o cenário.
O efeito de choque sobre Taiwan e no Sudeste da Ásia, além das repercussões no Japão e Coreia do Sul, do que possa ser entendido como uma derrota ucraniana por falta de apoio dos aliados é subestimado por Trump tanto mais que o confronto com Pequim muito rapidamente condicionará as negociações pós-cessar-fogo.
Convergências entre governos conservadores interessados em entendimentos com Moscovo, como sucede na Hungria, Eslováquia e possivelmente dentro em breve na Áustria, serão, por outro lado, um freio às negociações de adesão da Ucrânia à União Europeia.
O peso dos sectores agrícola e energético da Ucrânia implicam negociações delicadas com os 27 e qualquer governo polaco ver-se-á obrigado a defender interesses nacionais em contradição clara com as aspirações ucranianas.
Terras perdidas, gente abandonada
Cessar-fogo e negociações de paz assentam na ideia de compromissos territoriais. Para o Kremlin, com dificuldades crescentes em gerir os custos económicos da guerra, mapas de partilha em função das atuais posições são perfeitamente aceitáveis, abandonando, por exemplo, territórios que controla nas províncias ucranianas de Kharkiv e Mikolaiv a troco da recuperação da totalidade de Kursk.
O princípio de admissão da discordância com a Ucrânia sobre as linhas de fronteira permitirá arrastar as negociações e manter a ocupação de facto, sem proceder a revisão constitucional que reverta as anexações da Crimeia, Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson.
A impossibilidade de recuperar cerca de 20% do território terá de ser apresentada por Zelensky como uma realidade provisória. A mão fraca de Kiev obriga a esta concessão que só será aceitável se não ocorrer uma queda abrupta nos fornecimentos militares e apoios financeiros. Será difícil que aliados europeus compensem o desinvestimento norte-americano – o programa de produção integrada de armamento e munições da UE mal começou – e o turbilhão político é certo assim que se iniciar a campanha para as presidenciais ucranianas.
O mandato de Zelensky expirou em maio de 2024 e os termos do recenseamento eleitoral e convocação de eleições vão condicionar o início de conversações de paz por obrigarem a definir a participação de cidadãos ucranianos refugiados na Rússia ou em territórios ocupados.
Outra ordem internacional
O repatriamento de tropas norte-coreanas será jogado por Putin para tentar enquadrar a questão ucraniana num contexto de negociação com Trump para levantamento de sanções, acordos estratégicos sobre armas nucleares e delimitação de zonas de interesse, como na Ásia Central.
O Kremlin admitiu retomar testes de armas nucleares, interrompidos em 1990, se o Pentágono puser termo à política de suspensão em vigor desde 1992. O efeito em cadeia seria inevitável com ameaça de novos testes pela Coreia do Norte – a última explosão ocorreu em 2017 – que tentará evitar a suspensão da cooperação com Moscovo para o desenvolvimento de mísseis, algo que as chefias militares em Washington não deixam passar em claro.
A Índia, Paquistão, França, China e Reino Unido que suspenderam os testes nos anos 90 teriam de tomar posição numa questão fulcral agravada pela ameaça de proliferação nuclear militar.
Para além do que Zelensky e Putin possam aceitar para negociar um compromisso de paz, sem pôr em causa a soberania da Ucrânia e a legitimidade imperial do putinismo, esta guerra traz consigo um reordenamento radical das relações de força entre as grandes potências.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.
Queria identificar estes textos por aquilo que, nos dias hoje, é uma mistura de radicalização à direita e muita, muita, muita ignorância que acha que tudo é "comunista"