A Agência dos Medicamentos americana decidiu retirar os alertas graves da terapia hormonal, que associavam a toma destes medicamentos a várias doenças, como o cancro de mama. Há muito que médicos e doentes aguardavam por esta mudança - afinal, toda a evidência científica dos últimos 20 anos vinha em sentido inverso.
Era uma decisão há muito aguardada pelos médicos mas, mais importante ainda, pelas mulheres. A Agência norte-americana da Alimentação e Medicamentos (FDA) decidiu retirar os alertas “caixa preta” dos tratamentos de terapêutica hormonal da menopausa. O anúncio foi feito no passado dia 10 de novembro, numa conferência de imprensa que contou com a presença do secretário da saúde, Robert F. Kennedy Jr., assim como da mulher do vice-presidente dos Estados Unidos, Usha Vance.
A terapia hormonal é uma das principais armas para tratar os sintomas graves da menopausa
“Após 23 anos de dogma, a FDA anuncia hoje o fim do clima de medo que afasta as mulheres deste tratamento que muda e até salva vidas”, decretou o comissário da agência, Marty Makary. Acrescentando ainda que: “À exceção das vacinas e dos antibióticos, não há medicação nenhuma que consiga melhorar tanto a saúde da mulher quanto a terapia hormonal.”
Desde 2003 que os medicamentos para a menopausa, nomeadamente aqueles à base de estrogénio (entre os quais, comprimidos, sprays ou cremes), continham avisos nos rótulos que alertavam para o risco de doença cardiovascular, cancro da mama e demência. A associação aconteceu na sequência dos resultados iniciais de um estudo chamado Women’s Health Iniative, cujos resultados foram enviesados.
Soube-se mais tarde que este estudo foi feito com mulheres maioritariamente mais velhas – a média de idades foi de 62 anos, e havia pessoas acima dos 80. Isto quando a medicação está indicada para mulheres abaixo dos 60 e nos primeiros 10 anos após a entrada na menopausa.
Nos últimos anos foram saindo vários estudos em sentido contrário. Ainda em maio de 2024, uma revisão publicada no The Journal of the American Medical Association sublinhava a segurança da terapia hormonal, concluindo que os seus benefícios superam os riscos. A decisão da agência americana foi tomada na sequência de uma extensa revisão da literatura (como esta), assim como a audição de um parecer de um painel de peritos.
“Acho que esta decisão já vem tarde, não era sem tempo”, diz à SÁBADO a especialista em Ginecologia e Obstetrícia, Irina Ramilo. Cláudio Rebelo corrobora. “A mensagem hormonas igual a perigo induzida por estes avisos criou um verdadeiro tsunami com abandono da prescrição da terapêutica em massa e a uma subutilização da terapia hormonal em mulheres que dela poderiam e deveriam beneficiar”, diz o presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.
A terapia hormonal é uma das principais armas para tratar os sintomas graves da menopausa. As vantagens são evidentes. “Diminui 80% os sintomas vasomotores [os calores], melhora a parte cognitiva e as insónias, reduz as infeções urinárias e aumenta a massa óssea [o risco de fratura é reduzido em 33%]”, elenca Irina Ramilo. Além disso, há situações em que ignorar os sintomas, e não os tratar, pode mesmo ser prejudicial. “Estas mulheres têm por si só um risco cardiovascular aumentado. Há histórias quer de AVC, quer de enfartes, a coincidirem com crises de fogachos [calores]”, alerta Cláudio Rebelo.
Não isenta de todos os riscos
Depois da colocação dos avisos nos rótulos, o uso desta terapêutica caiu a pique. Se no final dos anos 90, uma em cada quatro mulheres no pós menopausa tomava hormonas para lidar com os sintomas, em 2020, este número desceu substancialmente para uma em cada 25 mulheres, segundo um estudo publicado no jornal científico JAMA Health Forum, em setembro de 2024. “Havia evidência de que o boxed warning [aviso caixa preta] estava a privar mulheres de tratamentos eficazes para sintomas que prejudicam a qualidade de vida. Sociedades científicas e grupos de especialistas há anos pediam uma atualização”, destaca Irina Ramilo.
Os ecos da notícia já se fizeram sentir em Portugal. “As mulheres portuguesas estão atentas e reagem com esperança, e também com alguma frustração por perceberem que foram anos de atraso e sofrimento evitável. Muitas perguntam quando é que esta mudança será refletida na prática clínica em Portugal”, diz à SÁBADO Cristina Mesquita de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Menopausa, VIDAs. Os próprios especialistas aguardam agora que as outras agências reguladoras mundiais, nomeadamente a europeia, possam também alterar as suas recomendações.
A mensagem 'hormonas igual a perigo' induzida por estes avisos criou um verdadeiro tsunami com abandono da prescrição da terapêutica em massa.Cláudio Rebelo, presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia
Há, contudo, uma ressalva importante a fazer. “A FDA não isenta a terapia hormonal de riscos, diz sim que estes são dependentes da idade de início, formulação e contexto clínico”, chama a atenção Cláudio Rebelo. O que significa que, embora não se justifique um alerta máximo generalizado para todos os medicamentos, os riscos devem ser avaliados caso a caso pelos especialistas em conjunto com as mulheres.
Mulheres com antecedentes de cancro de mama continuam a ser um grupo para o qual a terapia hormonal está desaconselhada; também se mantém o aviso de que as mulheres com útero a fazer estrogénio têm de tomar também progesterona para impedir o risco de cancro de endométrio. “Além disso, iniciar a terapia hormonal próximo do início da menopausa (dentro dos primeiros 10 anos ou antes dos 60) apresenta um benefício/risco diferente daquele em mulheres mais velhas ou em início tardio do tratamento”, diz Irina Ramilo.
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