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O tenista que defende a humildade: o que pensa Leão XIV

Contra o luxo, a favor da compaixão, da sinodalidade e muito próximo de Francisco. Diz que não podem fechar "a porta da Igreja às pessoas que sofreram abusos." O novo Papa esteve em Lisboa a acompanhar Francisco nas Jornadas Mundiais da Juventude e recorda a alegria dos jovens. Tenista amador, é um seguidor de Santo Agostinho. Mas há quem o acuse de não ter sido eficaz na questão dos abusos sexuais.

"Ser um bom pastor significa ser capaz de caminhar lado a lado com o Povo de Deus e viver perto dele, não é estar isolado", começou por explicar o cardeal Robert Prevost ao site da Ordem de Santo Agostinho. Quando se tornou cardeal disse que "o fundamental para todos os discípulos de Cristo é a humildade". Com 69 anos, nascido em Chicago, trabalhou na América Latina e é visto como um reformista, muito próximo de Francisco. Mas afinal o que pensaLeão XIVsobre a Igreja, o seu papel e quais os desafios futuros?

Marijan Murat/picture-alliance/dpa/AP Images

Na entrevista, em 2023, deixava claro que estava alinhado com o Papa argentino: "O Papa Francisco deixou muito claro em inúmeras ocasiões: ele não quer bispos que vivam em palácios. Ele quer bispos que vivam em relação com Deus, com seus irmãos bispos, com os sacerdotes e especialmente com o Povo de Deus de uma forma que reflita a compaixão e o amor de Cristo, ao criar uma comunidade, aprendendo a viver o que significa ser parte da Igreja de uma forma integral que exige muita escuta e diálogo."

O Papa Leão XIV sempre demonstrou que estava a favor da abertura da Igreja e da sinodalidade. Porque, como explicou nesta entrevista ainda como cardeal, um bispo além de saber governar, tinha de seguir Jesus. "Viver a fé para que os fiéis vejam no seu testemunho um incentivo para que queiram ser uma parte cada vez mais ativa da Igreja que Jesus Cristo criou. Em poucas palavras: ajudar as pessoas a conhecerem Cristo por meio do dom da fé."

Na entrevista que deu, depois de se tornar cardeal, partilhou que tinha sido um convite do Papa Francisco e que tinha até tido algumas dúvidas. No entanto, aceitou e quando o questionaram sobre quais os desafios de um cardeal não hesitou em responder. "A missão da Igreja é a mesma há 2000 anos, quando Jesus Cristo disse: 'Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.' (Mt 28,19). Temos que anunciar a boa nova do Reino de Deus ao mesmo tempo em que compreendemos o que a Igreja é uma realidade universal. Esta é uma das coisas que aprendi enquanto era Prior Geral dos Agostinianos e certamente foi uma grande base para o papel que ocupo agora."

O cardeal Prevost foi mais longe e não esqueceu o papel cada vez mais universal que a Igreja Católica - com 1,4 mil milhões de fiéis - tem. "Existem muitas culturas diferentes, muitas línguas diferentes, muitas circunstâncias diferentes ao redor do mundo às quais a Igreja responde. Portanto, quando enumeramos as nossas prioridades e refletimos sobre os desafios que vamos enfrentar, temos que estar cientes que as urgências de Itália, Espanha, Estados Unidos, Peru ou China, por exemplo, certamente não serão as mesmas que as nossas, exceto numa coisa: o desafio subjacente que Cristo nos deixou, que foi pregar o Evangelho, e este é o mesmo em todos os sítios. As prioridades do trabalho pastoral sempre serão diferentes conforme o local onde estamos, mas reconhecer a grande riqueza da diversidade dentro do Povo de Deus é extremamente útil, porque nos torna mais sensíveis quando chega a altura de estender a mão e responder ao que esperam de nós."

O que significou estar em Lisboa na Jornada Mundial da Juventude?

Foi há dois anos que o Papa Francisco o tornou cardeal e lhe deu um cargo de destaque: Prefeito do Dicastério para os Bispos. O que significa? Que era o norte-americano, na Cúria, a avaliar e recomendar candidatos para o episcopado mundial. Nos tempos livres, gosta de jogar ténis. "Considero-me um verdadeiro tenista amador. Desde que saí do Peru, tive poucas oportunidades de jogar, mas estou ansioso para poder voltar aos courts", disse ao jornalista, entre risos. No entanto, agora se tornou Papa será ainda mais difícil. Já em 2023, confessava que tinha pouco tempo livre. E destacava que o que mais gostava era de conviver com várias pessoas. "Ter a capacidade de desenvolver amizades autênticas na vida é lindo. Sem dúvida, a amizade é um dos presentes mais maravilhosos que Deus nos deu", defendeu.

Nesta conversa que deu ao site da Ordem de Santo Agostinho, contava que esteve na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa e que não esquecia a visita. "Lá, tive o privilégio de acompanhar o Papa Francisco e pude ver milhares de jovens à procura de experiências que os ajudassem a viver a fé. Em primeiro lugar, a nossa prioridade não pode ser procurar vocações. A nossa prioridade deve ser viver a Boa Nova, viver o Evangelho, compartilhar o entusiasmo que pode nascer nos nossos corações e nas nossas vidas quando descobrimos verdadeiramente quem é Jesus Cristo."

Perante o novo cargo que o Papa lhe deu, Robert Prevost apontava como maior desafio manter a unidade dentro da diversidade de povos, num mundo tão polarizado. "As ideologias adquiriram maior poder do que a experiência real da humanidade, da fé, dos valores concretos pelos quais vivemos. Alguns interpretam erradamente a unidade como uniformidade: 'Têm que ser como nós somos'. Não. Isso não pode ser. Nem a diversidade pode ser entendida como um modo de vida sem critérios ou ordem. Estes últimos perdem de vista o facto de que, desde a própria criação do mundo, o dom da natureza, o dom da vida humana, o dom de tantas coisas diferentes que realmente vivemos e celebramos, não pode ser sustentado pela criação de nossas próprias regras e apenas fazendo as coisas à nossa maneira. Isso são posições ideológicas. Quando uma ideologia se torna dona da minha vida, não posso mais dialogar ou envolver-me com outra pessoa, porque já decidi como as coisas serão. Estou fechado ao encontro e, como resultado, a transformação não pode ocorrer. E isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo, em qualquer questão. Isso obviamente é muito desafiante para a Igreja, para a comunidade."

Polémicas: abusos sexuais e tolerância ou não LGBT+

Fala várias línguas, do italiano ao português, e domina o espanhol, depois de ter trabalhado na América Latina, sobretudo no Peru. Apesar de ter ocupado vários cargos de destaque, esteve envolto numa polémica. Em 2023, três mulheres, vítimas de dois padres no Peru, acusaram-no de encobrir estes casos de abuso sexual, quando elas eram crianças. Uma das vítimas revelou que telefonou a Prevost em 2020, mas que o caso não foi resolvido imediatamente. Segundo revelou, só dois anos depois desta denúncia é que o caso seguiu para o Vaticano. Um dos padres tinha sido afastado e outro estava reformado, devido a questões de saúde. A igreja peruana nega o encobrimento e que Prevost apenas seguiu o processo normal nestes casos. Até à data, a investigação do Vaticano não foi concluída.

Prevost sempre defendeu que "um bispo é um pastor, não um gestor", afirmou numa entrevista ao Vatican News. E mantinha que se via como um "missionário". Questionado sobre o papel dos bispos no que dizia respeito aos casos de abusos sexuais dentro da Igreja era claro: "É uma jornada que temos de percorrer".

E ia mais longe: "Há locais onde foi feito um bom trabalho e já o fazem há anos. As regras estão a ser postas em prática. Ao mesmo tempo, acredito que ainda há muito para aprender." Robert Prevost acrescentava ainda que era necessário urgência e responsabilidade para acompanhar as vítimas. "Uma das dificuldades que muitas vezes surgem é que o bispo precisa de estar próximo dos seus padres, como já disse, e precisa de estar próximo das vítimas. Alguns recomendam que não seja o bispo quem recebe as vítimas; mas não podemos fechar os nossos corações, nem a porta da Igreja às pessoas que sofreram abusos. A responsabilidade do bispo é grande, e acho que ainda temos que fazer grandes esforços para responder a esta situação que está a causar tanta dor na Igreja. Levará tempo."

No entanto, se o Papa Francisco era mais aberto e tolerante com a comunidade LGBT+, Prevost é mais ambíguo. Em 2012, o Robert Prevost lamentou a simpatia que os media ocidentais tinham pelas "crenças e práticas que são estranhas aos Evangelhos." O jornal New York Times revela que o norte-americano se referia "ao estilo de vida homossexual" e "famílias alternativas com parceiros do mesmo sexo e crianças adoptadas". Aliás, ainda como bispo de Chiclayo, cidade no Peru, opunha-se aos planos de ideologia de género nas escolas. "A promoção da ideologia de género é confusa, porque procura criar géneros que não existem." 

Esperamos mudanças radicais na Igreja? Não.

Será mais um papado de continuidade do que revolucionário, uma vez que o Papa Leão XIV poderá ser visto como um conservador em algumas matérias. Por exemplo, durante o Sínodo da Sinodalidade, em outubro de 2023, Prevost referiu que não era a favor da ordenação de mulheres como padres. A clericalização das mulheres não iria resolver os problemas da Igreja, aliás iria criar novos - terá defendido. 

Quanto à sua posição em relação à bênção a casais homossexuais a posição do antigo cardeal é ambígua. Apesar de, como vimos, referir que tinha reservas quanto aquilo que designa de "simpatia por crenças e práticas que contradizem o Evangelho", deu abertura e liberdade para as conferências episcopais de cada país terem autonomia para interpretar e aplicar diretrizes que acharem mais adequadas à sua comunidade, respeitando as diferenças culturais. 

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