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Animais são "bagagem" na aviação comercial, diz Tribunal da UE

Acórdão decorrente de um caso de fuga de uma cadela despachada como bagagem pela Iberia. PAN denuncia "tratamento indigno" de animais de companhia.

Um caso de desaparecimento de um animal de companhia num aeroporto levou o Tribunal de Justiça da União Europeia a emitir um acórdão que equipara os animais a "bagagem" no contexto das responsabilidades das companhias aéreas no transporte dos mesmos na aviação comercial.

A nível comunitário, animais de companhia ainda não têm designação distinta de bagagem
A nível comunitário, animais de companhia ainda não têm designação distinta de bagagem Rolf Vennenbernd/picture-alliance/dpa/AP Images

"O facto de a proteção do bem-estar dos animais constituir um objetivo de interesse geral reconhecido pela União não impede que estes possam ser transportados como «bagagem» e sejam considerados como tal para efeitos de responsabilidade decorrente da sua perda", disse o Tribunal comunitário no acórdão, "desde que as suas exigências em matéria de bem-estar dos animais sejam plenamente tidas em conta durante o seu transporte."

A decisão tem origem num caso que remonta a 22 de outubro de 2019, de uma passageira que viajava com a sua mãe e cadela num voo de Buenos Aires, Argentina, para Barcelona, Espanha, operado pela linha aérea espanhola Iberia. O tamanho e peso do animal ditaram que não poderia viajar na cabine, pelo que foi despachado para o porão numa caixa de transporte, mas acabou por fugir enquanto era transportada para a aeronave e não pôde ser recuperada.

A passageira pediu à linha aérea uma indemnização de €5.000 por danos não-patrimoniais pela perda da cadela, mas, ao efetuar o check-in, não fez uma declaração especial de interesse na entrega da cadela. A Iberia, por sua vez, reconheceu a culpa no sucedido e o pagamento de uma indemnização, mas apenas nos limites legais estabelecidos para bagagens registadas, recusando qualquer compensação adicional por se tratar de um animal de companhia. 

A Justiça espanhola, junto da qual foi apresentado o caso, remeteu a decisão para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que só reconheceu dois enquadramentos legais no que a transportes aéreos diz respeito - "pessoas" e "bagagem". Não se tratando de pessoas, o órgão concluiu, portanto, que, "para efeitos de uma operação de transporte aéreo, um animal de companhia está abrangido pelo conceito de «bagagem» e a indemnização do dano resultante da sua perda está sujeito ao regime de responsabilidade previsto para estes últimos."

O tribunal sublinha ainda que, "na falta de qualquer declaração especial de interesse na entrega no destino, o limite da responsabilidade da transportadora aérea pela perda de bagagens cobre tanto o dano não patrimonial como o dano patrimonial" e que, caso o valor seja considerado baixo pelo passageiro, esta declaração "permite-lhe fixar um montante mais elevado, sob reserva do acordo da transportadora aérea e mediante o eventual pagamento de um montante suplementar".

"Tratamento indigno", diz PAN

À SÁBADO, a deputada única do Pessoas Animais Natureza, Inês de Sousa Real, diz considerar o acórdão "muito formalista", e lamentar "que tenha enquadrado o caso apenas à luz da Convenção de Montréal", que regula o tráfego aéreo internacional, "ignorando quer a legislação espanhola quer o Artigo 13º do Tratado de Funcionamento da UE", instrumento supranacional que também tem diretrizes sobre o assunto.

"Apesar de não prever uma figura jurídica dos animais", esclarece a deputada, "ou de equipará-los a pessoas, o Tratado representa uma evolução jurídica, não se referindo aos animais como meras coisas", mas como "seres vivos dotados de sensibilidade". Ainda assim, considera que "ficou aquém do que poderia ter sido", já que deveria ter "recomendado aos estados-membros que atualizassem a Convenção de Montréal", que acredita estar "a legitimar que as operadoras continuem a tratar os animais como bagagem".

Para a porta-voz do PAN, a decisão "não acompanha o sentir social que existe cada vez mais, de que os animais não são coisas, mas parte das famílias". No seu entender, "a iniciativa portuguesa de criação de um terceiro género de direito" - pessoas, animais e coisas - "foi uma das soluções mais bem conseguidas" a nível comunitário, algo "facilmente replicável na legislação europeia", pelo que o partido quer "que Portugal recomende, junto do Conselho e Parlamento europeu, uma uniformização" desta medida.

Inês de Sousa Real relembra que há muitos paralelos na aviação internacional: o caso do Golden Retriever brasileiro que morreu por ser obrigado a viajar no porão, motivando a introdução da Lei Joca na legislação brasileira, ou o caso de uma gata que se perdeu no aeroporto de Lisboa enquanto estava a ser transportada para o porão. "Estes acórdãos têm impacto na forma com os animais são tratados nas operações de voo", remata.

"As instalações do aeroporto de Lisboa não são minimamente dignas", diz a política, que conta ter visitado recentemente este espaço, onde os animais despachados aguardam o embarque para o porão. Permanecem lá "durante longas horas, junto a toda a bagagem, sujeitos à queda de cargas movimentas" e expostos "ao ruído, más condições de higiene e privação de água e comida", bem como ao "perigo de fuga".

Criticando o facto de as linhas aéreas terem "a mesma responsabilidade sobre animais de companhia" que têm "sobre malas de porão", o partido defende, numa proposta legislativa apresentada na Assembleia da República, que seja "facultado o acesso à cabine a animais de companhia de porte superior" - como Golden Retrievers ou Labradores, que no enquadramento atual só podem voar no porão - e que, "sempre que não possam voar junto dos seus detentores", seja criado "um local designado para animais de companhia" que não os sujeite a um "tratamento indigno".