Sábado – Pense por si

Nunca tivemos tantos funcionários públicos, mas serviços falham. Porquê?

As mais lidas

Pedro Martins aponta duas causas: “A diferença entre o número de funcionários e o número de pessoas que estão efetivamente nos serviços” e a existência de um “desequilíbrio regional”.

Os dados oficiais demonstram que em 2024 foi registado um novo recorde de funcionários públicos em Portugal: subiram cerca de 1% para . Esta é uma tendência constante que se verifica desde 201 e este ano o número de funcionários do Estado já ultrapassou os 760 mil. 

Médicos que denunciarem falta de equipamento nos hospitais vão ser despedidos
Médicos que denunciarem falta de equipamento nos hospitais vão ser despedidos

Ainda assim, os portugueses poderão argumentar que sentem mais dificuldades em aceder a muitos dos serviços públicos do País. Às escolas faltam professores e assistentes operacionais, aos hospitais médicos e enfermeiros e às prisões guardas, para dar apenas alguns exemplos. Então o que justifica este paradoxo?

Pedro Martins, codiretor do Nova SBE Public Policy Institute e diretor do Economics for Policy Knowledge Center, considera que existem dois problemas fundamentais. Em primeiro lugar, “a diferença entre o número de funcionários e o número de pessoas que estão efetivamente nos serviços” e, em segundo, a existência de um “desequilíbrio regional importante”.  

O professor catedrático partilha com a SÁBADO que é difícil saber o número efetivo de profissionais em cada serviço e considera que esta “é uma dimensão pouco explorada”. “Não existe um levantamento do número de pessoas que estão de baixa por doença. Era preciso sabermos quantas pessoas estão efetivamente em funções.”  

Se por um lado a questão das baixas também atinge o setor privado, por outro Pedro Martins considera que “as empresas têm mais mecanismos para incentivar a presença das pessoas”. Até porque “no setor privado há maior mobilidade, as pessoas procuram outra empresa quando estão insatisfeitas e é também mais fácil de contratar, enquanto no setor público os funcionários tendem a sentir-se mais presos, o que pode levar a situações de burn out”. 

Pedro Martins refere também que “a produtividade das pessoas ao longo das suas carreiras diminuiu” o que pode ser um mau sinal tendo em conta o “envelhecimento da administração pública”. Esta é uma questão importante quando falamos na diferença entre o número de funcionários do setor público e “o aumento das falhas assinaladas” nos serviços. O professor considera que a “falta de incentivos diminui a produtividade, apesar dos pequenos aumentos da última década”.  

“Existe uma grande falta de capacidade para orientar mudanças no setor público e atrair pessoas mais qualificadas”, considera explicando que “existem muitas pessoas na função pública que estão a desempenhar cargos que poderiam ser facilmente otimizados através das tecnologias de informação para melhorar a interoperabilidade de sistemas e o cruzamento de informação”. “O investimento nas tecnologias de informação vai permitir realocar muitas pessoas”, reforça.

A outra questão levantada pelo investigador da NOVA SBE é o “desequilíbrio regional” existente em Portugal que faz com que grande parte da população esteja “concentrada no litoral e nos grandes centros urbanos”. Este desequilíbrio pode fazer com que “a distribuição dos funcionários públicos não corresponda às necessidades da população”.  

Uma descentralização da população pode levar à descentralização dos serviços e consequente melhoria dos mesmos. No entanto, Pedro Martins considera que para tal ocorrer seria necessário muito investimento, e que não depende só deste tópico, por isso por agora o essencial é “assegurar o equilíbrio entre a procura e a oferta”.

Aliada à questão da organização da população temos também a evolução da mesma: em 2014 viviam em Portugal 10.562.178 pessoas enquanto em 2024 eram 10.749.635. Já a esperança média de vida nos mesmos anos aumentou de 79,45 anos para 81,49 anos. Pedro Martins considera que este crescimento e envelhecimento da sociedade também justifica o aumento do número de funcionários públicos não acompanhado pela perceção de melhorias.

Quando comparados os anos de 2011 e 2024 “as estatísticas demonstram números de assistentes técnicos e operacionais muito semelhantes”, partilha o professor universitário referindo ainda que “os professores passaram de 150 mil para 142 mil” e que os aumentos foram sentidos “no número de dirigentes intermédios, mas ser serem muito expressivos”, já “os médicos e os enfermeiros tiveram um aumento de dez mil pessoas, que mesmo assim não corresponde ao aumento das necessidades”, conclui.

Os problemas que assolam o dia-a-dia do setor público 

Esta semana foi tornada pública a existência de um défice de 40% do efetivo que é necessário para a manutenção dos serviços prisionais, especialmente devido ao número de baixas. Ainda no setor da Administração Interna, os Bombeiros e a Polícia de Segurança Pública têm alertado para a falta de profissionais.  

Já o Instituto dos Registos e do Notariado suspendeu os procedimentos de “casa pronta”, do “balcão de heranças e partilha por divórcio” e os documentos particulares autenticados até ao dia 15 de setembro. No entanto, já foi referido que a situação pode ser prolongada até que o Governo preencha os postos de trabalho vagos. O setor aponta para um défice de 40% do efetivo que é necessário para responder, por exemplo, aos 700 mil processos de nacionalidade pendentes de decisão.

Nas escolas têm sido apontadas dificuldades em ter acesso ao número real de alunos sem professores. Em junho deste ano o relatório da auditoria da KPMG, feita a pedido do Ministério da Educação, referia que “o processo de apuramento de alunos sem aulas em vigor não permite apurar com exatidão o número de alunos sem aulas”. Isto devido a “um conjunto de lacunas e insuficiências que põem em causa a solidez dos dados reportados pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares referente ao número de alunos sem aulas a uma disciplina”. 

Já a Frenprof (o maior sindicato de professores) avançou com uma estimativa de que cerca de 1,4 milhões de alunos não tiveram aulas a pelo menos uma disciplina, este é um número que incluiu duplicações uma vez que podem existir alunos que ficaram sem vários professores ou em vários momentos do ano letivo.

Na preparação do ano letivo de 2025-26 o Ministério da Educação, Ciência e Inovação viu-se obrigado a lançar um  para tentar atrais mais 1.800 docentes para ocuparem os cerca de três mil horários por preencher. 

Na Saúde, as dificuldades têm sido muitas e o fecho das urgências tornou-se algo recorrente, quatro serviços de urgência estiveram encerrados no sábado e três no domingo devido à falta de profissionais para completarem as escalas. O INEM também tem alertado para a falta de operadores e uma revelou que o número de chamadas que não chegaram a ser atendidas aumentaram quase dez vezes entre 2021 e 2024.

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Urbanista

Insustentável silêncio

Na Europa, a cobertura mediática tende a diluir a emergência climática em notícias episódicas: uma onda de calor aqui, uma cheia ali, registando factos imediatos, sem aprofundar as causas, ou apresentar soluções.