Estafetas em Luta dizem ter só mais duas chances na Justiça para que lhes seja reconhecido o direito a um contrato de trabalho: "Um estafeta que trabalha 10 horas por dia não consegue faturar sequer um salário mínimo".
A Glovo, empresa de entregas ao domicílio, anunciou esta segunda-feira (2) que vai fazer contratos de trabalho com todos os seus estafetas... mas só em Espanha. A decisão foi anunciada um dia antes do CEO, Oscar Pierre, prestar declarações perante a Justiça, depois de a plataforma ter sido multada em €50 milhões por empregar "falsos recibos verdes" e contratar estrangeiros sem a situação regularizada no país. Em Portugal, a Glovo já informou que esta medida não se irá aplicar.
"A decisão da Glovo em lançar um novo modelo em Espanha, que vai permitir operações através de uma frota de estafetas contratados e aplicado nas mais de 900 cidades em que a Glovo opera no país, não vai afetar outros mercados, nomeadamente Portugal", lê-se num comunicado da Glovo enviado à SÁBADO."
Contudo, o movimento Estafetas em Luta estava interessado no contrário. "Reagimos com bastante alívio e esperança de que Portugal também adote a mesma tendência espanhola", indica à SÁBADO Marcel Borges, representante legal do movimento e antigo estafeta. "Estamos confiantes que na próxima audiência do julgamento dos estafetas do Porto, [que ocorre no dia] 11 de dezembro às 9h45 no Tribunal da Relação do Porto, [Portugal] siga a tendência espanhola e reconheça o vínculo laboral do estafeta."
Em Portugal, a contratação não é obrigatória, embora a lei que alterou o Código do Trabalho, em maio do ano passado, tenha aberto a porta para que os estafetas sejam considerados trabalhadores dependentes das plataformas desde que haja indícios de subordinação. Sobre isto, Marcel Borges garante que os estafetas já apresentaram várias provas, mas que o Ministério Público ainda nem sequer as analisou. "Até ao presente o Ministério Público não se tem mostrado sensível à causa dos trabalhadores das plataformas digitais. Nem sequer analisou as ricas provas materiais juntadas aos processos", garante.
Segundo Marcel Borges, só este ano já deram entrada no Ministério Público 11 ações contra a Glovo, por parte do movimento Estafetas em Luta. Quase todas decidiram a favor da empresa de entregas ao domicílio.
"Temos conhecimento das ações do grupo Estafetas em Luta, onde de 11 ações interpostas, nove deram razão à Glovo. Só nos restam duas chances", lamentou.
A última decisão ocorreu em setembro deste ano, quando o Tribunal da Relação de Évora decidiu dar razão à Glovo, num processo onde estavam envolvidos 27 estafetas que reclamavam que lhes fosse reconhecida a existência de um contrato de trabalho.
Num acórdão, citado pelo Jornal de Negócios, os magistrados justificaram a decisão: "O estafeta pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto"; pode fazê-lo mesmo já depois de ter aceitado o serviço proposto, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais futuros serviços"; "após a aceitação do serviço, os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização".
Afinal, por que é a contratação tão importante? "Um estafeta que trabalha 10 horas por dia não consegue faturar sequer um salário mínimo como remuneração", explica Marcel Borges.
O movimento Estafetas em Luta afirma, assim, que os trabalhadores não têm um "mínimo de dignidade". "Dignidade para nós era ter uma remuneração mínima de pelo menos €3 por entrega; ter direito a seguro de acidentes; de nos defendermos dos bloqueios sem intervenção humana. Isso para nós é o mínimo para podermos sobreviver."
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O descontentamento que se vive dentro da Polícia de Segurança Pública resulta de décadas de acumulação de fragilidades estruturais: salários de entrada pouco acima do mínimo nacional, suplementos que não refletem o risco real da função, instalações degradadas e falta de meios operacionais.