Sábado – Pense por si

Eutanásia: Lei voltou a ser chumbada. E agora?

O Tribunal Constitucional apontou três inconstitucionalidades. O diploma terá de voltar à Assembleia da República e precisará de ser de novo aprovado. Mas, segundo os especialistas ouvidos pela SÁBADO, em princípio só se alterarão os aspetos identificados. Não será preciso uma nova discussão do tema.

Tem sido um processo de mais recuos do que avanços. Os números dão uma ideia: o Parlamento já aprovou cinco vezes a lei da morte medicamente assistida; o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou por quatro vezes (dois vetos políticos e dois por inconstitucionalidade) e os juízes do Tribunal Constitucional acabaram agora recentemente de chumbar pela terceira vez a lei impedindo que seja regulamentada.

Direitos Reservados

Perante tudo isto, o que se segue agora? "O diploma vai ter de voltar à Assembleia da República, quando esta for novamente composta depois das eleições", esclarece o juiz desembargador jubilado, Eurico Reis. Na verdade, não é o diploma no seu todo que está em causa: os juízes do Constitucional consideram que "a Constituição não impõe nem proíbe categoricamente a legalização da morte assistida", pode ler-se no acórdão 307/2025.

Contudo, foram apontadas três inconstitucionalidades ao texto – e será sobre elas que o novo diploma a ser apresentado, discutido e votado pelos partidos deverá à partida incidir. "Não voltará a haver uma rediscussão do tema", acredita Eurico Reis. O advogado de Direito Penal, Germano Costa Campos, corrobora: "Acho que há um entendimento mais ou menos geral no atual Parlamento", diz à SÁBADO.

Uma das objeções levantadas tem a ver com o médico especialista que emite o segundo parecer sobre o pedido do doente –  que não prevê que haja qualquer contacto. "O médico que acompanha o doente enviaria a documentação toda ao médico especialista e este, com base nisso, faria um relatório a dizer se considera ou não que possa ser submetido ao procedimento", explica Germano Costa Campos. "Com esta declaração de inconstitucionalidade, o que eles pedem é que esse médico tenha de ter contacto com o doente também", esclarece.

Há ainda outros dois pontos: o diploma requerer a justificação de objeção de consciência, quando ela existir, e a escolha do método a utilizar para a prática da morte medicamente assistida. Sobre o primeiro ponto, o Tribunal Constitucional considera que a objeção de consciência não carece de justificação e que tal constitui uma "restrição desadequada, desnecessária e desproporcional da liberdade de consciência", escreve o coletivo de juizes. Eurico Reis tem um entendimento diferente. "Não é inconstitucional exigir a um médico que diga porque é que não quer cumprir a lei. Também eu, enquanto juiz, tinha de justificar todas as minhas decisões", compara.

Sobre a escolha do método – se a morte será através de suicídio ou de eutanásia –, o tribunal também levanta questões, nomeadamente sobre a pertinência de ser o doente a decidir sobre isso. "Não se pode deixar ao doente essa decisão, acho que é esse o entendimento do tribunal. À pessoa cabe o entendimento de querer ou não continuar a viver", enquadra o advogado de Direito Penal, Germano Costa Campos.

Direito à vida vs liberdade individual

A constitucionalidade da lei continua a ser objeto de opiniões diversas – mesmo apesar de esse problema, aparentemente, já ter sido ultrapassado até pelo Tribunal Constitucional. Os dois especialistas consultados pela SÁBADO também divergem sobre o assunto. Germano Costa Campos considera que levando à letra a lei isto seria "inconcebível". Razão: "Porque o direito à vida é inviolável e a liberdade individual não pode interferir com este direito universal", diz. "O direito à morte viola o direito à vida", acrescenta.

Já Eurico Reis ressalva que em democracia não há direitos absolutos e que o primado básico da cultura ocidental é o da liberdade individual. "Se eu não ferir os direitos, os interesses ou o corpo e mente de outrém, tenho liberdade para fazer o que quero. Desde que atue dentro destes limites, é a minha liberdade individual que conta", defende. Apesar de ter uma leitura diferente, o advogado Germano Costa Campos compreende que a interpretação aqui usada tem a ver "com a autodeterminação da pessoa" e que "também não se pode obrigar uma pessoa a viver sem qualquer critério".

Outra dúvida que surge é sobre a validade desta lei, ou seja, se a prática da morte assistida já pode ser aplicada. "Novamente, isto é sujeito a interpretações", considera Eurico Reis. "A questão é esta: sem regulamentação, o direito não pode ser exercido, mas o direito existe. Isto é uma clara violação do funcionamento normal do Estado de Direito", defende. Germano Costa Campos também diz que o diploma não pode ser aplicado sem estas normas estarem esclarecidas e sem regulamentação.

Para já, a aplicação da lei não está de forma alguma garantida. Mesmo se um novo diploma (com correção das objeções apontadas) for aprovado na Assembleia da República, o Presidente da República tem a possibilidade de voltar a vetar. "Ele só pode pronunciar-se duas vezes sobre um mesmo diploma, mas, havendo alterações, há um novo documento e, portanto, volta a ter esse direito", esclarece o especialista.   

Eurico Reis teme que haja sempre o que apontar para que nunca se avance. "As pessoas que são contra sentem-se no direito de colocar todos os entraves possíveis e imaginários àquilo que foi aprovado pela maioria", lamenta. "Mas também está na Constituição que o nosso Estado tem em vista salvaguardar os direitos e as liberdades das pessoas. Onde estão então os direitos destas pessoas numa situação atroz, de sofrimento indescritível e que é certo que terão uns últimos tempos de vida em agonia e sofrimento?", interroga.

Uma coisa é certa: aconteça o que acontecer, ainda vai demorar até que esta questão se resolva.

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
GLOBAL E LOCAL

A Ucrânia somos nós (I)

É tempo de clarificação e de explicarmos às opiniões públicas europeias que sem Segurança não continuaremos a ter Liberdade. A violação do espaço aéreo polaco por parte da Rússia, com 19 drones, foi o episódio mais grave da história da NATO. Temos de parar de desvalorizar a ameaça russa. Temos de parar de fazer, mesmo que sem intenção, de idiotas úteis do Kremlin. Se não formos capazes de ajudar a Ucrânia a resistir, a passada imperial russa entrará pelo espaço NATO e UE dentro