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Disfarçada de calculadora e vendida a €2 mil: como funcionava a app que tramou Nininho Vaz Maia?

Luana Augusto
Luana Augusto 12 de maio de 2025 às 15:47
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Sky ECC não era distribuída em lojas oficiais, mas o seu preço podia chegar aos €2 mil. Quando instalada, o seu ícone assemelhava-se a uma calculadora.

Bastou umaapppara que Nininho Vaz Maia fosse recentemente associado a umaoperação de combate ao tráficode droga conduzida pela Polícia Judiciária (PJ). As autoridades acreditam, com base numa "prova" recolhida através de uma aplicação, que o cantor esteve envolvido numa rede criminosa que se dedicava a transportar cocaína proveniente da América do Sul, através da via aérea. Para que isso fosse possível, e sem que a polícia os conseguisse detetar, terá sido utilizada a Sky ECC, uma ferramenta apreciada por redes criminosas, mas que foi desencriptada em 2021 e cujo preço chegava aos €2 mil.

Hugo Monteiro

"A aplicação não era distribuída nas lojas oficiais de aplicações. Era sim vendida como parte de um pacote completo, com o dispositivo já modificado, através de uma rede de revendedores autorizados", começou por explicar à SÁBADO Sérgio Silva, CEO da CyberS3c. "O preço médio rondava os €1.000 a €2.000 por ano, sendo os pagamentos efetuados frequentemente em dinheiro ou criptomoedas."

Utilizada, na altura, por mais de 170 mil utilizadores, sabe-se que "muitos destes revendedores estavam ligados a redes criminosas internacionais". Segundo o especialista, isto "facilitou a disseminação da aplicação em contextos relacionados com o tráfico de droga e outras atividades ilícitas".

Disponível para dispositivos Android ou IOS "profundamente modificados", cada telefone "vinha com funcionalidades desativadas, como a câmara, microfone, GPS, e-mail e navegador de Internet". Quando instalada, o ícone da aplicação assemelhava-se a uma calculadora. "Esta aplicação encontrava-se disfarçada sob o ícone da calculadora e apenas podia ser acedida através de uma sequência matemática predefinida", revelou Sérgio Silva.

Para aceder ao sistema, o utilizador precisava de "introduzir um código de seis dígitos para desbloquear o dispositivo" e depois deste, era ainda necessário "um segundo código de oito dígitos para aceder à aplicação de mensagens". Para assegurar o sigilo das mensagens, a aplicação oferecia duas funcionalidades específicas: o código de pânico e as mensagens "flash".

O primeiro "permitia apagar rapidamente os dados do dispositivo, mensagens e fotografias eram mantidas por defeito durante 48 horas. Caso não fossem movidas manualmente para uma área de armazenamento protegida (vault), eram eliminadas automaticamente". Já as mensagens "flash", "apareciam no ecrã do destinatário apenas durante 30 segundos e não podiam ser guardadas".

Segundo Sérgio Silva, estes sistemas de comunicação, bem como os disfarces visuais, fizeram com que a Sky ECC se tornasse "quase invisível ao utilizador comum e extremamente difícil de ser analisada mesmo em caso de apreensão do equipamento".

Desenvolvida pela Sky Global, de Jean-François Eap, um empresário canadiano com experiência no setor das telecomunicações, a Sky ECC tornou-se particularmente popular após o desmantelamento da EncroChat. Este sistema operativo terá sido utilizado pela rede de "Xuxas", um dos maiores traficantes de droga portugueses. 

"A sua criação surgiu num contexto de crescente preocupação com a privacidade digital, sobretudo entre empresas, jornalistas e ativistas, mas acabou por se tornar uma das ferramentas preferidas do crime organizado a nível mundial", esclareceu Sérgio Silva.

Em março de 2021, uma operação internacional coordenada pelas autoridades belgas, holandesas e francesas conseguiu decifrar a encriptação da Sky ECC, tendo obtido mais de 80 milhões de mensagens trocadas entre membros de redes criminosas. Esta ação permitiu que as autoridades efetuassem milhares de detenções, "assim como apreensões de droga, armas e quantias avultadas de dinheiro".

Como consequência, a polícia dos Países Baixos desenvolveu um software de Inteligência Artificial denominado de Chat-X para "aceder e analisar conteúdos intercetados", segundo Sérgio Silva. No entanto, de acordo com o advogado Yehudi Moszkowicz, o sistema terá sido utilizado pela primeira vez para procurar mensagens e palavras-chave relacionadas com ameaças à vida.

"Posteriormente, foi também treinado para identificar automaticamente mensagens relacionadas com branqueamento de capitais e outros crimes", acrescentou o especialista.

Na altura, o fundador da Sky Global chegou a ser acusado nos Estados Unidos de conspiração por ter alegadamente facilitado atividades criminosas. No entanto, o empresário negou sempre qualquer envolvimento na utilização ilícita desta aplicação.

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