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Debate. Marques Mendes da "estagnação" vs Cotrim da "ligeireza"

Bruno Faria Lopes
Bruno Faria Lopes 07 de dezembro de 2025 às 23:11
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Num debate que abriu num tom inesperadamente pessoal e hostil, os dois candidatos exploraram as fragilidades de cada um para falarem a segmentos eleitorais diferentes. Ninguém teve discurso para os atuais dois milhões de pobres.

O moderador José Alberto Carvalho abriu o debate entre Marques Mendes e João Cotrim Figueiredo a dizer que ambos disputam o mesmo eleitorado – o que, em tese, é parcialmente verdade –, mas as prestações sugerem que falaram para grupos diferentes: Mendes para o eleitor mais velho e social-democrata (com algumas incursões nos jovens) e Cotrim para um eleitorado jovem, liberal e inconformado. Nenhum falou ao eleitor mais pobre, para o qual, quando interpelados, não tiveram discurso. Ambos tentaram defender o seu “mercado” – o de Mendes é maior do ponto de vista demográfico – num debate que abriu num tom inesperadamente hostil do ponto de vista pessoal, mas que acabou por estabilizar à volta das políticas.

Marques Mendes e Cotrim Figueiredo
Marques Mendes e Cotrim Figueiredo Sábado

Marques Mendes – que tem surgido à frente nas sondagens, mas que tinha pela frente um Cotrim bem cotado nas mesmas – entrou ao ataque. Usando declarações de Cotrim de Figueiredo ao Expresso – nas quais sugeriu que apoiantes de Mendes o tinham pressionado para desistir da candidatura – procurou retratar o rival liberal como alguém sem seriedade na palavra. “Mostra ligeireza para quem quer ser Presidente da República”, afirmou. “Fez uma acusação feia e mesmo os seus eleitores não gostam deste tipo de debate, os jovens querem debate de ideias”, juntou.

Cotrim contra atacou com um “por isso é que decidiu abrir o debate desta forma”, repetiu que nunca disse que Mendes o pressionara e não revelou quem o pressionou. Mostrando-se tocado pelo ataque, criticou a falta de transparência de Mendes, mas a arma que encontrou para o fazer foi apenas uma biografia oficial do rival que, segundo o liberal, resume os anos de governação de Mendes “em cinco páginas”. 

Instado pelo moderador, Cotrim retratou-se como alguém com “capacidade para perspetivar o futuro”, com o “respirar natural” de quem está à vontade a falar de “crescimento económico” – o crescimento como solução para muitos problemas foi, como é habitual na mensagem do candidato, um argumento recorrente. Tentou retratar Mendes como alguém sem posição sobre a reforma laboral e que foi forçado a deixar a retórica sobre “consensos” e “pactos” porque viu nas sondagens que os eleitores querem alguém mais interventivo.

Mendes mostrou a sua pose, também habitual, de “experiência”, repetindo a importância dos “consensos” sobre “a Justiça e combate à corrupção” e, em resposta a Cotrim, dizendo que quer ser um Presidente “moderador, moderado, mas não mole”. Numa demonstração do que é debater política num país envelhecido, houve uma breve troca de argumentos em torno da importância que ter um jovem pela primeira vez como membro do Conselho de Estado – Mendes, que lançou essa proposta, considera-a importante, Cotrim diz que é como “o Melhoral” (uma referência a um slogan, antigo, de venda de um analgésico).

O tema da reforma laboral que o Governo quer fazer mostrou posturas diferentes. Cotrim criticou duas medidas no anteprojeto de lei, que mexem no tempo de trabalho dos pais de crianças até aos 12 anos e nas horas de trabalho de mulheres que amamentam. Mas disse claramente que viabilizaria a proposta governativa. “Quando se fala em flexibilidade não é despedir mais facilmente, é ajudar as empresas a adaptarem-se mais facilmente a variações” nas encomendas – e evitar que recorram a despedimentos coletivos.

Cotrim tentou tirar partido da sua clareza para atacar a posição vaga de Mendes: “um candidato tem a obrigação de dizer o que pensa”, afirmou. Marques Mendes, contudo, não vê qualquer vantagem nisso, porque mantém que “o papel do Presidente da República” – que ainda não é, como lhe lembrou Cotrim – é “pronunciar-se só com o texto final [da reforma] e isto está longe de ser o texto final”. A seguir fez o apelo habitual às negociações entre o Governo e a confederação sindical UGT, mostrando-se otimista. Não se pronunciou sobre por que razão a proposta do Governo deve, ou não, ser viabilizada.

Quando o moderador introduziu o tema da pobreza, citando os dois milhões de pobres em Portugal (“com menos de 632 euros por mês”), os dois candidatos responderam de forma distinta. Cotrim referiu o crescimento económico como instrumento contra a pobreza, sem nunca falar de políticas sociais. Mendes atacou-o neste ponto – “não podemos estar à espera que o mercado vá resolver os problemas dos idosos com pensões baixas” – mas, apesar de dizer que é preciso “outra capacidade de intervenção do Estado”, não a concretizou. Ninguém no debate tem nestes dois milhões de pessoas a sua base eleitoral na primeira volta.

O debate seguiu no mesmo diapasão, entre a exposição do liberalismo de Cotrim como prejudicial e a exposição da estabilidade de Mendes como estagnação. Marques Mendes foi buscar a proposta da Iniciativa Liberal de uma taxa única de IRS – algo que o partido substituiu há anos por uma taxa dual – para desferir um ataque e teve como resposta o discurso sobre os “nove escalões de IRS” e da fuga dos jovens de Portugal (alegadamente por causa do IRS). No final houve trocas de argumentos vagos sobre o papel que a fragilizada Europa deve ter num mundo mais hostil. A última palavra era de Cotrim, que tentou terminar com um último ataque à “estagnação” de Mendes. Este ainda disse “estabilidade e ambição”, Cotrim repetiu “estagnação" - e Mendes disse “ambição”. E terminou o debate.  

KO

Ninguém desferiu um KO, embora o início tenha sido... duro. Cotrim sugeriu que se Marques Mendes o queria acusar de cobardia deveria fazê-lo ali, na cara. "É o que estou a fazer", disse Mendes calmamente. "Não está nada", respondeu Cotrim. O moderador, José Alberto Carvalho, por momentos deve ter pensado que estava no debate errado. 

O embaraço

Não terá sido por acaso que José Alberto de Carvalho notou, no final do bloco do debate sobre os mais pobres, que estes eram os que vivem "com menos de 632 euros por mês" - nenhum dos candidatos teve um discurso dirigido a estas pessoas. Podem não ser a sua base eleitoral, mas são um quinto da população, em situação vulnerável.

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