Sábado – Pense por si

A ressaca do debate: quem saiu mal (quase todos), bem e assim-assim

É ingrato escrever sobre "ganhadores" e "perdedores" após um debate paupérrimo – e, sobretudo, na iminência da terceira ida às urnas em quatro anos. No meio do espetáculo, contudo, há alguns (poucos) líderes que se saem melhor do que a maioria.

Há uma perda coletiva evidente quando um governo cai inesperadamente, em semanas, por causa de uma questão centrada na conduta ética do primeiro-ministro. Escrever sobre "ganhadores" e "perdedores" neste contexto deve ter sempre em conta este pano de fundo de crise institucional. No meio do espetáculo de ontem, contudo, alguns políticos saíram melhor do que outros. Comecemos pela maioria: os perdedores.

OS PERDEDORES

Luís Montenegro

O primeiro-ministro vê o seu mandato acabar menos de um ano após o início e por razões diretamente ligadas à sua conduta: primeiro, a incúria de deixar aberta uma porta entre o seu património e a chefia do governo; depois, as explicações que foram mudando ao longo do tempo, sempre atrás do prejuízo de revelações nos media; e, por fim, a recusa em assumir um óbvio problema ético – sofrendo os danos políticos na imagem e cortando os laços com a empresa – preferindo jogar todo o governo, e o débil PSD, numa ida para eleições. As manobras de ontem, à 25ª hora, para expor a alegada responsabilidade exclusiva do PS pelo fim do Governo foram a cereja no topo do bolo. Como vão reagir os eleitores incrédulos, a quem Montenegro pede o julgamento popular de um problema ético? A resposta não é líquida.

Pedro Nuno Santos

Pedro Nuno Santos tinha de saber que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) – lançada com um sem número de suspeitas atiradas para o ar – seria potencialmente inaceitável para o Governo. Depois desse passo só restava saber quem ficaria na fotografia como a última pessoa a apagar a luz. O primeiro-ministro levou a mão do secretário-geral do PS até ao botão, no qual o inseguro Pedro Nuno Santos carregou. O líder da oposição fica atado à queda do Governo e sujeito à guerra das narrativas sobre quem levou os portugueses às urnas pela terceira vez em quatro anos. A avaliação eleitoral sobre a responsabilidade na crise não é assim tão clara como os socialistas pensam. O desfecho é incerto.

Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República é um derrotado dos acontecimentos de ontem, que correspondem ao cenário dos seus pesadelos: o de terminar o último mandato com Portugal minado por uma crise de governabilidade e uma maior desconfiança social face às instituições. Marcelo Rebelo de Sousa, que nos primeiros anos em Belém falava sobre tudo e mais alguma coisa, preferiu trabalhar tardiamente nos bastidores em vez de usar publicamente a sua influência (que ainda tem) para tentar travar a crise quando esta começou a descarrilar. A primeira vez que apareceu foi para aventar datas das eleições. O seu perfil poroso com os media foi um dos fatores para a falta de confiança de líderes políticos inseguros, do PSD e do PS, na figura do Presidente. 

Mariana Mortágua / Paulo Raimundo / Inês Sousa Real

Os partidos pequenos à esquerda estão em crise profunda e dificilmente saem "ganhadores" desta refrega. Votaram a favor das eleições num misto de indignação com o caso Spinumviva e de aproveitamento para ventilar o antagonismo contra "a direita". Mas, quer para o Bloco de Esquerda (minado pelos casos revelados pela SÁBADO), quer para o PCP (cujo problema de liderança e enfraquecimento na rua é bem visível) as eleições vêm em má altura. O PAN, que há um ano escapou por pouco ao desaparecimento do Parlamento, lutará de novo pela sobrevivência.

NÃO GANHAM, MAS TAMBÉM NÃO PERDEM

André Ventura

O Chega, que precisava de romper o ciclo de revelações danosas sobre o seu grupo parlamentar, foi um catalisador inicial da crise. André Ventura farejou material para uma manobra de distração e avançou com a moção de censura que acabou por concentrar a atenção dos media sobre a Spinumviva - e que foi instrumental para o escalar do caso. O que lhe parecia uma trufa negra quando começou a escavar revelou ser uma caríssima trufa branca, que lhe permite fazer todo o tipo de propaganda anti-sistema. Ventura pode vir a perder parte da votação recorde de há um ano – o resultado e a mobilização eleitoral são incertos. Mas ganha uma oportunidade para purgar uma parte da sua bancada parlamentar, que lhe causaria seguramente mais danos nos próximos meses. Conseguirá recrutar melhor?

Rui Tavares

À esquerda, Rui Tavares foi ontem o mais eficaz a expor os problemas éticos e a falta de lealdade institucional de Luís Montenegro, procurando – tal como a IL – apresentar o Livre (no seu campo político) como uma alternativa civilizada ao caos. O lado "construtivo" do pequeno partido pode salvá-lo no meio da degradação à esquerda -sobretudo do Bloco - e em todo o sistema. 

GANHADORES

Rui Rocha

Foi um adulto na sala. Votar a favor da moção de confiança, por entre as inevitáveis críticas duras à conduta do primeiro-ministro, diferenciou a IL da oposição. Por um lado, mostra um partido mais adulto, que vai ao encontro ao desejo da maioria do eleitorado (em particular à direita) de evitar novas eleições. Por outro, não queima a ponte com o PSD para o pós-eleições (importante caso o PSD vença). A IL terá agora de vencer o desafio perdido nas eleições de há um ano: ser relevante num parlamento fragmentado.

Gouveia e Melo

Dez meses em política – o que falta até às eleições presidenciais – é uma eternidade. Mas o espetáculo montado ontem na Assembleia da República, e a incapacidade dos partidos em zelar pela imagem das instituições e pela estabilidade mínima na governação, cairão muito bem na mensagem com que o almirante Gouveia e Melo espera conquistar a Presidência da República. Por oposição, todos os candidatos e pré-candidatos vistos como "partidários" sofreram ontem um duro revés. 

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