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Mário Soares: 11 histórias do político mais importante da democracia portuguesa

Bruno Faria Lopes 07 de dezembro de 2024 às 10:24

Figura decisiva e também divisiva, Soares esteve em praticamente todos os momentos-chave da vida política portuguesa, antes e sobretudo depois do 25 de Abril. Há muita luz, mas também alguma sombra no seu enorme legado.

Mário Soares tem o seu legado associado sobretudo à democracia em Portugal, mas quando o 25 de Abril aparece na sua biografia, feita por Joaquim Vieira, já lá vão mais de 400 páginas - antes já Soares fora comunista e depois dissidente do PCP, já fundara o embrião do PS e o próprio PS, já fora advogado, já estivera preso várias vezes, já fora desterrado e exilado. Depois da revolução, Soares foi o político mais importante na transição e consolidação da democracia portuguesa - atrás das 11 eleições em que foi candidato (ganhou duas legislativas, duas presidenciais e umas europeias) está o seu legado, muitas vezes esquecido ou mal interpretado, agora em foco por ocasião do centenário do seu nascimento. As onze histórias abaixo - breves apontamentos sobre mais de 70 anos de vida política - ilustram o impacto que o político socialista teve em vários momentos chave ou em aspetos da cultura do regime democrático.

DR/Arquivo Medialivre

O "ballet Rose" e o desterro

Mário Soares já fora detido várias vezes pela PIDE, a polícia política do Estado Novo, antes de ser desterrado pelo regime para São Tomé e Príncipe: a primeira vez foi em 1946 com 21 anos; mas o período maior de cadeia foram os seis meses que passou no Aljube e em Caxias em 1961, por causa do Programa para a Democratização da República, no qual trabalhara. Ficou sem o passaporte mais do que uma vez, negaram-lhe a carta de condução durante dois anos, não o deixaram ter o diploma de professor do ensino particular - na cadeia passou pelo isolamento (mais de um mês em 1962) e à tortura do sono, contou mais tarde.

A vigilância da PIDE era constante, até mesmo dentro do Colégio Moderno - ainda hoje pertencente à família Soares - onde havia um espião que acabou por ser despedido, lê-se na biografia escrita por Joaquim Vieira. Pela sua ação interna (política na Ação Socialista Portuguesa e como advogado da família do assassinado Humberto Delgado) e externa (nos contactos que cedo começou a fazer), Soares assumiu-se como um opositor de relevo ao regime. E foi nesse papel que recebeu um jornalista do Daily Telegraph que tinha perguntas sobre uma rede de exploração sexual de raparigas menores, na qual estavam envolvidas figuras do regime. 

O caso conhecido como "Ballet Rose" explodiu nos media lá fora, com o subtexto de que o escândalo fora abafado por intervenção direta de Salazar. Soares - que conhecia bem o caso, mas que negaria sempre ter sido ele a dar a informação ao repórter - foi detido de imediato e passou três meses preso em Caxias. Pouco depois de ser libertado, o subdiretor da PIDE informá-lo-ia da decisão do Conselho de Ministros de o deportar por tempo indeterminado, e sem julgamento nem acusação, para São Tomé e Príncipe, na altura uma colónia portuguesa. "O doutor Salazar está farto que ande a brincar com ele", ter-lhe-á dito José Sachetti, dirigente da PIDE.

Embarcou com a roupa que tinha vestida e uma mala feita por Maria Barroso - a mulher de Soares foi com os filhos e amigos para a despedida ao aeroporto, um grupo sobre o qual a PIDE carregou com violência. Só Barroso, conta a filha Isabel Soares a Joaquim Vieira, não apanhou. Esteve oito meses em São Tomé.

O exílio em Paris

Ainda em 1969, Mário Soares receberia um ultimato da PIDE: tinha quatro horas para sair do país, caso contrário seria desterrado para um local mais longínquo do que São Tomé. A passagem de Salazar para Marcelo Caetano não mudou a aversão do regime a um oposicionista com acesso aos media estrangeiros e que era um problema interno. Soares saiu para França de carro e, quando chegou à fronteira em Elvas, já tinham passado as quatro horas do prazo - a PIDE, contudo, deixou-o passar, assim como o filho João Soares (em idade de recrutamento militar). 

"Foi uma das viagens mais tormentosas da minha vida. Guiaram todos [no carro também iam Maria Barroso e Isabel Soares] e nunca parámos. Eu pensava: 'Que vai ser da minha vida?'". Em Paris, além de desenvolver a rede de contactos com outros oposicionistas ao regime e de expandir o que já tinha com políticos estrangeiros, terminou o livro Portugal Amordaçado, editado por Alain Oulmain, o luso-francês que compôs alguns dos maiores sucessos da fadista Amália Rodrigues. Soares só regressaria cinco anos depois, logo após o golpe militar de 25 de Abril de 1974 - nessa altura já liderara a fundação do PS.

"O abraço de Lusaka" e a descolonização

A 6 de junho de 1974, Soares era o ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Provisório e viajou até Lusaka com o major Otelo Saraiva de Carvalho para uma reunião com membros da Frelimo, a força independentista moçambicana - Soares ia com a missão de trazer um acordo de cessar-fogo, Otelo ia em tese para vigiá-lo. O encontro mediado pelo presidente zambiano Kenneth Kaunda tinha um protocolo rígido, de vénias e distâncias, atirado prontamente às malvas por Otelo e Soares. "Olhei para o Samora [Machel, líder da Frelimo], que eu não conhecia, ele emitiu uma enorme gargalhada, avançámos um para o outro e demos um grande abraço", contaria Mário Soares.

O "abraço de Lusaka", fotografado e divulgado em Portugal, aconteceu com o conflito armado ainda em curso e gerou polémica - foi uma das peças que ajudou a construir a imagem de Soares como o artífice de um processo de descolonização que foi seguido do êxodo em massa dos portugueses e de guerras civis nas novas nações africanas. Soares nunca defendeu uma via mais gradual, de cessar-fogo, seguida de um referendo junto das populações sobre o modelo de autodeterminação que queriam, eventualmente com os militares da ONU a gerirem a segurança. 

Contudo, a história completa do "abraço de Lusaka" mostra como a figura mais influente na viagem foi Otelo que, passando por cima do ministro Soares, prometeu ali mesmo (em nome do Movimento das Forças Armadas) a independência de Moçambique à Frelimo, assim como a promessa de que seria a Frelimo o único representante moçambicano reconhecido. O episódio mostrou a Soares que o presidente Spínola (que tinha outras ideias sobre as colónias) não era realmente quem mandava, mas sim o MFA - e que seria este a liderar o processo de descolonização rápida.

"Que poder negocial tem o Ministro dos Negócios Estrangeiros de um país cujas forças armadas se degradam ao ponto de depor e entregar as armas ao 'inimigo' sem autorização dos comandos militares?", perguntaria Freitas do Amaral na sua autobiografia política. Soares negaria a autoria, mas defenderia sempre que foi "a descolonização possível" após 13 anos de guerra.

"À porrada" no 1º de Maio de 75

Poucas histórias ilustram como o 1º de maio de 1975 o papel de resistência de Mário Soares, a principal figura "civil" a opor-se à tentativa de controlo pelo Partido Comunista Português e por forças ainda mais à esquerda (em desalinhamento com o PCP). A celebração do "Dia do Trabalhador" aconteceu dias depois das primeiras eleições livres, que deram uma vitória do PS e, sobretudo, uma derrota ao PCP (que teve menos de 13% dos votos).

Se em 1974, dias após a revolução, Soares tinha desfilado ao lado de Álvaro Cunhal, um ano depois – com o PREC a ferver o PS legitimado nas eleições – o líder socialista optou por ir em separado, mantendo a ideia de convergência de manifestantes no Estádio 1º de Maio, em Alvalade. Quando não deixaram entrar a comitiva do PS, Soares escolheu furar.

"Atravessámos o relvado do estádio, abrindo caminho ao empurrão, ao soco e os encontrões. Em certa altura, houve alguém que pretendeu esfaquear-me pelas costas", contou a Maria João Avillez. Quando quiseram aceder à tribuna, para Soares poder falar, esta só se abriu para alguém vir dizer "aqui não entram traidores à classe operária". Seguiu-se a saída do estádio. "Fizemos o percurso inverso, com tudo à porrada outra vez", contou. Marcelo Curto, na biografia feita por Joaquim Vieira, conta que Soares desmaiou à saída do estádio e que foi levado para "a casa de alguém" ali perto.

Para o PS e Soares, as eleições e 1º de Maio de 1975 marcaram a viragem na atitude de resistência perante o resvalar do país para a turbulência anti-democrática. "A partir daí, nunca deixámos de fazer manifestações". O PS acabou com o monopólio que a esquerda radical tinha na rua e conseguiu mobilizar a força civil dos moderados – um fator importante para a ascensão dos militares moderados, que controlariam os acontecimentos na tentativa de golpe militar a 25 de novembro (dia em que Soares, Maria Barroso e outros socialistas fugiram para o Porto).

A batalha esquecida: a revisão constitucional de 82

O 25 de Novembro de 1975 marcou o fim da turbulência do PREC, mas a transição para a democracia só seria definitivamente consolidada com o fim do Conselho da Revolução. O Conselho fora a contrapartida que os militares de Abril (MFA) impuseram em 1975 para a realização das primeiras eleições livres (para a Constituinte). Nele estavam o Presidente da República (o general Ramalho Eanes) e os chefes das forças militares, que funcionavam como "Tribunal Constitucional" e "conselho de Estado" do Presidente – presidente que, por sua vez, tinha o poder de destituir diretamente o Governo (poder hoje só ao alcance da Assembleia da República).

Soares entendia que acabar com a palavra decisiva dos militares era incontornável. "Era necessário acabar com o Conselho da Revolução e criar uma legitimidade única: a que resultava do voto popular", explicou a Maria João Avillez para o livro Soares – Democracia. O Presidente da República, Ramalho Eanes, opôs-se frontalmente à redução dos seus poderes através de uma revisão constitucional e dentro do grupo parlamentar do PS a oposição era também muito forte, incluindo sobre o desejo de extinção do Conselho da Revolução.

Soares dobrou o seu grupo parlamentar, primeiro manobrando para afastar o seu líder (o seu amigo Salgado Zenha, gerando uma rutura dolorosa a nível pessoal) e depois impondo a disciplina de voto aos deputados, que seria cumprida. O PS votou ao lado da AD (PSD de Pinto Balsemão e CDS de Freitas do Amaral), viabilizando a revisão constitucional que confirmou de vez a passagem à democracia.

O primeiro-ministro dos resgates (antes de Passos)

Em janeiro de 1978, Mário Soares assinava pelos socialistas um acordo com o CDS, um sinal do seu enorme pragmatismo em circunstâncias difíceis – um governo monopartidário não conseguiria fechar o acordo com o FMI, essencial para a recém-democracia numa situação financeira limite. Foi na tomada de posse deste governo PS-CDS (o II Governo Constitucional) que Soares afirmou "não quer isto dizer que estejamos aqui para meter o socialismo na gaveta" – frase que seria de imediato interpretada ao contrário pela opinião pública (interpretação que ainda hoje se mantém).

Soares teve uma postura muito crítica durante as medidas de austeridade do programa da troika entre 2011 e 2014, mas na realidade foi um primeiro-ministro de três governos de emergência financeira, dois deles em coligação com a direita (CDS em 1978 e PSD em 1983). Nesse papel tutelou a execução dos pacotes de austeridade do FMI em 1978 e em 1983, anteriores ao de 2011. A ideia foi sempre a de resolver a emergência e de normalizar a economia para a entrada na Comunidade Económica Europeia – os resgates, a par de outros apoios externos, foram cruciais para a jovem democracia portuguesa.

As políticas, num país mais pobre do que em 2011, foram duras e Soares vendeu-as com frases que seriam familiares anos depois: "Era inevitável, mas a verdade é que não havia outro caminho"; ou "temos de viver com aquilo que temos".  Foi para ter estabilidade para executar a austeridade em 1983 que Soares, saído de uma vitória nas eleições, assinou o acordo que criou o "Bloco Central" com o PSD de Mota Pinto, um conceito que não mais largaria a política portuguesa. O primeiro encontro entre os dois, escreve Joaquim Vieira, foi confidencial – e aconteceu em casa do advogado Daniel Proença de Carvalho.

Portugal na CEE

Foi como primeiro-ministro de um governo de Bloco Central já morto - e a pensar na sua candidatura à Presidência da República - que Mário Soares assinou a 12 de junho, nos Jerónimos, o tratado de adesão à Comunidade Económica e Europeia, um dos acontecimentos mais relevantes para a democracia portuguesa desde a revolução em 1974.

O PSD já andava com dúvidas internas sobre o seu papel numa coligação com uma política extremamente impopular de austeridade - a saída de Mota Pinto em 1984 (que morreria no início de 1985) e a ascensão de Cavaco Silva no partido acabaram por conduzir à rutura. A manchete "Portugal na CEE" tinha como subtítulo no Correio da Manhã "A crise segue dentro de momentos". Soares e Cavaco não se deram bem desde o início - o antagonismo era mútuo - e nenhum estava interessado na coligação: Soares já pensava em Belém e Cavaco em ser primeiro-ministro. 

O PSD de Cavaco impôs que Rui Machete fosse um dos co-signatários do tratado de adesão, o que Soares aceitou a contragosto. Mas o ainda primeiro-ministro teve o que ambicionava há décadas - a entrada na "Europa". "Assinei e logo a seguir estava fora do Governo. Mas fiz aquilo, isso para mim é que foi fundamental", disse a Maria João Avillez.

Soares é fixe - e a Marinha Grande também

A 14 de janeiro de 1986, estava Soares em campanha para as presidenciais no distrito de Leiria quando caiu "muito regaladamente" no sono no carro, a caminho da Marinha Grande. Nisto aparece um militante do seu movimento, que fora espancado e tivera o carro amolgado quando tentara fazer propaganda na Marinha Grande sobre a chegada de Soares - o socialista, o principal rosto político da austeridade do FMI, era muito impopular nas fábricas da Marinha Grande, nas quais o PCP era forte. Soares estava aparentemente barrado de ir à cidade, mas manteve o curso.

"Chego lá, vejo aquela onda negra de gajos, tudo vestido de preto, as mulheres com cartazes a falar de fome e não sei o quê, e eu atravesso a concentração. E, ao contrário do que supunha, que não iam deixar-me entrar, eles fizeram alas e eu avancei. Mas depois fecharam as alas, fiquei quase só, com as poucas pessoas que vinham comigo, e começou tudo à pancada", contou. O seu segurança ficou ferido, a comunicação social apanhou tudo - o incidente foi visto como o ponto de viragem de uma campanha que começara com apenas 5% numa sondagem no Expresso

Na segunda volta apelou ao "povo de esquerda" contra a direita representada pelo seu ex-parceiro de coligação Freitas do Amaral (do CDS) e viu o seu maior adversário político, Álvaro Cunhal, fazer o apelo que ficaria para a posteridade: "Se for caso disso, não leiam o nome de Soares (...) marquem a cruz do voto no quadrado que está à frente desse nome". Foi a vitória eleitoral mais importante de Soares e o início de dez anos como Presidente da República.

A prova de fogo e a magistratura de influência

Antes de ser a "força de bloqueio" no seu segundo mandato - bloqueio ao governo de Cavaco Silva - Soares enfrentou um teste à sua isenção como Presidente, tendo tirado o tapete ao seu próprio partido, o PS. O PRD, um novo partido Eanista que subitamente se assumira como terceira força política nas legislativas de 1985, avançou em 1987 com uma moção de censura ao governo minoritário do PSD de Cavaco.

Soares avisou o líder do PS, Vítor Constâncio, que não cedesse à pressão enorme que haveria no PS para votar ao lado do PRD na expectativa de que, a seguir, o partido pudesse voltar ao poder juntamente com o PRD e o apoio tácito do PCP - mais do que uma questão de isenção, Soares considerava que seria um erro tático enorme, e potencialmente existencial para os socialistas, um passo que desse força ao PRD. Constâncio, contudo, cedeu - Soares não. 

Todo o partido começou, então, a pressionar Soares, que chegou a reunir-se de improviso num aeródromo em Braga com várias figuras do PS no norte, próximas dele. "Os gajos disseram: 'Senhor doutor, não pode dissolver, é uma desgraça para o partido". 'Não, eu acho que uma desgraça para o partido é não dissolver. Vocês [seriam] todos comidos, mas eu não faço isso", lê-se na biografia escrita por Joaquim Vieira.

E não fez - dissolveu a Assembleia da República (com o argumento formal de falta de legitimidade de uma solução de governo com partidos derrotados nas eleições) e Cavaco Silva esmagou nas eleições, conseguindo a primeira maioria absoluta. Cavaco interpretaria a decisão como calculismo do Presidente, que sabia que as coisas estavam a correr bem ao Governo - que governava com fundos europeus e após a austeridade - e que o eleitorado era maioritariamente contra a moção de censura.  

Soares, que foi muito importante para a revisão constitucional que em 1982 tirou poderes ao Presidente da República, nunca se queixaria da sua falta de poderes - a "magistratura de influência" natural nos media e no espaço público, que usaria para atormentar os governos cavaquistas, era inerente ao cargo. Cavaco falaria dela anos mais tarde, e usá-la-ia, quando foi eleito Presidente.

Os media como instrumento

Uma das áreas cobertas de forma mais exaustiva pelo livro de Joaquim Vieira - que foi jornalista durante vários anos - foi a das interferências do PS e de Soares para manipular os jornais (a maior parte ainda sob tutela do Estado) e a única estação de televisão, a RTP. No governo de bloco central, o ministro com a tutela da comunicação social, o socialista Almeida Santos, chegou a deixar de pagar os salários por inteiro aos trabalhadores do DN, o que o diretor na altura, Mário Mesquita, atribuiu a um "ajuste de contas" do PS.

Mas a ambição para cooptar os media cresceu ao ponto de, numa altura em que se perspetivavam as licenças para os novos canais privados de TV e reprivatizações de jornais, Mário Soares querer orquestrar o lançamento de um canal de TV amigo do PS e aliado futuro da sua recandidatura a Belém. "Soares achava que cada partido ia ter uma televisão e um grupo de media e o PS também", explica José Manuel dos Santos, da casa Civil do Presidente, na já citada biografia.  

Surge assim a empresa Emaudio, cujo objetivo era gerar dinheiro e "garantir o controlo de interesses na comunicação social favoráveis ao Presidente Soares", segundo um memorando feito por um empresário internacional de media interessado no projeto. O empresário era Rupert Murdoch, o hoje titã dos media (dono, entre outros, da Fox e do WSJ), um dos contactados para investir no projeto - outro foi Silvio Berlusconi. Ambos reuniram-se com Soares em Belém.

O empresário escolhido seria Robert Maxwell, outro barão dos media, cujo interesse estava sobretudo na TDM, uma estação de TV de Macau (território na altura sob tutela portuguesa). Maxwell seria o parceiro da Emaudio e teria uma ajuda de peso do novo governador de Macau, Carlos Melancia (nomeado por Soares) - este cancelou o concurso internacional para a privatização da TDM, transformou a empresa em sociedade anónima (capitalizando-a com fundos públicos) e abriu-a à entrada da Emaudio, de que Maxwell era acionista e à qual o próprio Melancia estava ligado. 

Soares negará sempre ter usado a influência do cargo para levar investidores de peso até à Emaudio - o tema seria sempre uma fonte de desconforto. Tal como Macau.

Macau

O maior escândalo à volta de Soares e do PS tem origem em Macau - e envolve o financiamento ilegal do partido. Muito resumidamente, o caso anda à volta do interesse de empresas alemãs em projetos públicos de construção em Macau e na disponibilidade para transferirem dinheiro, informalmente, para a Emaudio (por onde circularia dinheiro também da segunda campanha soarista a Belém) como contrapartida da abertura de portas.

Esta e outras relevações do género foram feitas por Rui Mateus, socialista do inner circle do partido e de Soares, que escancarou os segredos no livro Contos Proibidos (livro da Dom Quixote que teve uma só edição). A transferência da empresa alemã Weidleplan acabaria por vir para aos jornais - os alemães enviaram um fax ao governador Carlos Melancia, pedindo o dinheiro de volta por causa de um incumprimento num contrato com o aeroporto de Macau. É Rui Mateus quem entrega o fax ao jornal O Independente, que faz dele um escândalo nacional.

O caso custou o cargo de governador a Carlos Melancia, que num processo judicial viria a ser absolvido da acusação de se deixar corromper (com pessoas da Emaudio a serem condenadas por corrupção, sentenças que nunca foram cumpridas após manobras dilatórias, lembra Joaquim Vieira). A Justiça acabou por não investigar Soares - nem ir atrás da questão do financiamento partidário. Rui Mateus falaria mais tarde no "sentimento de impunidade de Soares": "Não sente a necessidade de prestar contas a ninguém porque acha que o país tem com ele uma dívida de gratidão". Soares negou sempre as irregularidades. 

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