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Joaquim Vieira: "O que mais me surpreendeu foi descobrir que Mário Soares tinha uma vida afetiva paralela"

Carlos Torres
Carlos Torres 07 de dezembro de 2024 às 15:00
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Autor de uma biografia de Mário Soares, que publicou pela primeira vez em 2013, Joaquim Vieira lembra a importância do "pai da democracia". No dia em que se celebram os 100 anos do seu nascimento, o investigador acredita que Soares é hoje "a mais consensual figura política da história recente de Portugal", apesar de desconhecido para os mais jovens. Revela as várias facetas do político, de bon vivant e divertido a mulherengo, o que permite vê-lo como "mais humano, distante da imagem santificada, etérea, que muita gente tem feito dele".

Jornalista e investigador, Joaquim Vieira publicou em 2013 a biografia Mário Soares, Uma Vida, obra que começou a ser idealizada em 2004 e que levou a que ele tivesse feito ao antigo primeiro-ministro e Presidente da República 16 entrevistas (algumas duraram tardes inteiras). O líder histórico do PS não gostou do resultado e não quis ler o livro, em especial porque referia os seus casos extraconjugais.

A biografia seria depois revista e aumentada, saindo gratuitamente com a revista SÁBADO em março e abril de 2022, num formato de quatro volumes, com um total de mil páginas. Como explicaria na altura Joaquim Vieira, quando a biografia saiu pela primeira vez, Mário Soares ainda estava vivo (morreria em janeiro de 2017), pelo que "houve que fechar o ciclo, fazendo um relato completo desde o nascimento até à morte".

Neste sábado, antes de seguir para um evento relacionado com os 100 anos do nascimento de Mário Soares (que se completam hoje, 7 de dezembro), Joaquim Vieira aceitou responder a cinco questões da SÁBADO sobre a importância de Mário Soares, visto como "o pai da democracia", que foi na sexta-feira homenageado numa sessão solene na Assembleia da República.

Apesar de algumas críticas do Chega na sessão solene do Parlamento, nomeadamente sobre a descolonização, pode dizer-se que Mário Soares é hoje uma figura consensual da democracia portuguesa? E isso é bom?

Em democracia, não é bom que haja, nem tem de haver, figuras absolutamente consensuais, conceito que releva mais da idolatria religiosa ou do pensamento único ditatorial. Mas, como se prova pelas celebrações do seu centenário, Mário Soares é a mais consensual figura política da história recente de Portugal, pelo menos do nosso atual regime constitucional, saído do 25 de Abril. Quanto às críticas do Chega, convém não varrê-las para debaixo do tapete (que é a forma mais fácil, mas também mais inconsciente, de reagir a elas). Devo dizer, porém, que, nas minhas pesquisas para a biografia de Soares, não encontrei confirmação das frases que André Ventura lhe atribui sobre a descolonização. Não encaro, aliás, o líder socialista como o principal responsável do processo de descolonização português, mas sim os militares que fizeram o 25 de Abril (embora sendo certo que Soares também nunca se demarcou da forma como tudo foi conduzido).

As novas gerações, com 20 ou 30 anos, têm noção de quem foi Mário Soares e da sua importância?

Creio que não, mas isso é o que acontece naturalmente com as gerações que não viveram os processos históricos anteriores ao seu crescimento.

Durante a pesquisa que fez para a biografia de Mário Soares, e que o levou a falar com ele várias vezes, quais foram os aspetos que mais o surpreenderam?

O que mais me surpreendeu foi a descoberta de que Mário Soares tinha uma vida afetiva paralela, exterior ao seu casamento, algo que eu desconhecia em absoluto quando comecei a trabalhar no projeto de biografia. Aliás, não uma vida paralela, mas muitas vidas paralelas, algumas simultâneas.

João Cortesão/SÁBADO

Mário Soares tinha um lado de bon vivant. Isso foi determinante para que tivesse um percurso político tão longo? Isto é, ele nunca se aborreceu com a política.

Mário Soares sempre encarou a prática política como um prazer e não como uma obrigação. Um prazer que para ele era viciante, pelo que nunca encarou, praticamente em toda a sua vida adulta, a hipótese de optar por outra atividade principal. Mesmo o exercício da advocacia foi para ele apenas um trampolim para lhe permitir mergulhar mais a fundo na política. Esta foi, quanto a mim, a razão pela qual não soube retirar-se do palco a tempo, o que o levou nos últimos anos a praticar erros graves, que teria evitado se ainda mantivesse a sua antiga intuição política, na qual ele tanto confiava.

Na biografia de Mário Soares fala da faceta dele de mulherengo e também do gosto pelo luxo e pela diversão. São aspetos que ajudam a fazer dele uma personagem fascinante?

Não sei se esses aspetos da vida particular fazem ou não de Soares uma personagem mais fascinante, mas tornam-no pelo menos mais humano, distante da imagem santificada, etérea, que muita gente tem feito dele. Uma biografia deve ser um retrato de corpo inteiro do biografado, pelo que não encontrei motivos para deixar essas facetas de fora.

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