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O que obrigou Trump a recuar nas tarifas? O mesmo que quebrou Sócrates em 2011

Bruno Faria Lopes 11 de abril de 2025 às 07:00

Trump estava pronto para aguentar as quedas em Wall Street se houvesse o comportamento normal nestas alturas: uma fuga para o refúgio dos títulos do Tesouro norte-americano. O que aconteceu, contudo, foi o oposto, com muita dívida soberana dos EUA a ser despejada no mercado. O risco de uma crise financeira, com epicentro no mercado de dívida soberana, forçou a mão do presidente dos Estados Unidos.

"Quem salvou o mundo? Bond. Yield Bond". A piada que circula na rede social X remete para a razão principal que levou Donald Trump a pausar a aplicação imediata das novas tarifas comerciais a dezenas de países – Trump, cuja carreira na promoção imobiliária o levou a cruzamentos com o mercado obrigacionista, viu sinais preocupantes na turbulência do mercado de dívida soberana americana, o maior do mundo. Como outros monarcas e governantes eleitos que há séculos cedem à pressão do mercado de dívida ou são castigados - José Sócrates é o exemplo mais recente em Portugal -, Trump foi forçado a sinalizar um recuo. 

AP Photo/Seth Wenig

As quedas brutais nos mercados acionistas atraem mais as atenções mediáticas e foram, também, um fator de pressão – o índice S&P500 chegou a estar 20% abaixo do pico histórico atingido este ano, com os investidores a descontarem nas cotações das empresas o efeito de uma recessão económica. Mas Trump e a sua equipa estavam prontos para aguentar essa pressão em Wall Street se a queda nas bolsas se traduzisse no comportamento normal nestas alturas, de fuga para o refúgio dos títulos do Tesouro norte-americano. Isso não aconteceu.

O que se passou, sobretudo a partir de terça-feira, foi precisamente o oposto: houve vendas massivas naquele mercado que perfaz 29 biliões de dólares, levando as taxas de juro implícitas (ou yields) a subirem significativamente, para valores acima de 4,5%. Mais do que esta subida da taxa em si, foi a velocidade das vendas que causou mais preocupação nas autoridades sobre uma dinâmica que poderia desencadear ainda mais vendas e uma crise de confiança na dívida e na moeda dos EUA.

"O mercado de obrigações é muito complicado, eu estive a vê-lo", afirmou Trump após o anúncio da pausa de 90 dias nas tarifas. "As pessoas estavam a ficar um pouco nervosas", acrescentou. Uma fonte da Casa Branca, citada sob anonimato pelo Financial Times, diz que "Trump está ok para aceitar tiros [no mercado], mas não quer que toda a casa caia". O presidente norte-americano citou o aviso de Jamie Dimon, o líder do banco de investimento JP Morgan, que na Fox Business afirmou que as coisas "podiam ficar piores" se não houvesse progressos sobre as tarifas.

Dimon admitiu abertamente uma recessão, mas os receios abrangem mais do que isso: o risco é de uma crise financeira que leve a uma recessão mais profunda, causada não por um fator externo, mas pela ação direta do presidente Trump. Para compreender as razões deste risco é preciso descrever a importância do mercado obrigacionista – o mercado de dívida onde estados e empresas se financiam em todos os prazos. 

A sombra da banca na sombra

Entre as entidades que venderam grandes lotes de dívida do Tesouro norte-americano no mercado secundário estiveram alguns hedge funds – fundos de investimento que operam com muita flexibilidade nas regras e que, no seu conjunto, constituem uma verdadeira banca paralela, que cresceu brutalmente nos últimos anos. Estes fundos – fora do alcance das entidades regulatórias – ganharam peso no mercado de títulos do Tesouro dos EUA, que usam para alavancar transações (cada dólar dos fundos corresponde, em média, a 12 dólares de dívida no balanço, segundo a Bloomberg). 

Na noite de terça-feira, estes fundos despejaram dívida no mercado, gerando grande preocupação sobre a liquidez suficiente para absorver essa dívida. A agência Reuters cita investidores e analistas que compararam estas vendas com as de março de 2020, no início dos confinamentos em reação à pandemia de Covid-19 – nessa altura, a Reserva Federal americana teve de intervir. Neste caso, a Fed não agiu, embora peritos como Mohammed El-Erian – que já geriu o maior fundo de obrigações do mundo – tenham afirmado que esteve perto disso.

Aceitar que a pressão continuasse, sem sinalizar um recuo nas tarifas, significaria arriscar mais vendas de dívida, a um ritmo potencialmente mais desordenado, criando uma crise de confiança. A consequente subida dos custos de pedir dinheiro emprestado atingiria o erário público dos EUA – que tem um défice orçamental de 6% e uma dívida pública já acima de 100% do PIB – e, a seguir, as empresas que precisam de se financiar.

A reação logo na quarta-feira ao recuo de Trump sinalizou algum alívio no mercado de dívida soberana, além de uma recuperação forte nos mercados acionistas globais, incluindo em Portugal. Essa reação deu lugar, contudo, a uma nova queda das bolsas nos EUA na sessão de ontem e a um recrudescer da pressão no mercado secundário de dívida soberana, no qual a taxa implícita a dez anos está muito perto de 4,5%.

O facto da pausa ditada por Trump não abranger a China, das tarifas mínimas admitidas pelos EUA serem já um salto significativo nas barreiras ao comércio e da conduta da Casa Branca ser vista como errática - e geradora de muita incerteza - foram um cocktail que continuará a alimentar a turbulência nas próximas semanas. No meio da crise há um fator adicional que não está, ainda, a ser tido em conta: a jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal dos EUA sobre o despedimento de dirigentes de agências independentes, que pode ser um precedente para um cerco de Trump à independência da Reserva Federal americana.

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